REl - 0600018-43.2024.6.21.0161 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/09/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é regular e tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, MARIANA DOERNTE LESCANO recorre contra a sentença que concedeu o direito de resposta em favor da COLIGAÇÃO O POVO DE NOVO NA PREFEITURA [Federação BRASIL DA ESPERANÇA - FE BRASIL(PT/PC do B/PV)/Federação PSOL REDE(PSOL/REDE)/PSB].

O direito de resposta, consistindo em interferência da Justiça Eleitoral sobre os espaços naturais de divulgação dos candidatos, deve ser concedido de forma extraordinária, ou seja, apenas quando o conteúdo supostamente ofensivo contenha flagrante injúria, calúnia, difamação, divulgação de fato sabidamente inverídico, e quando constitui ofensa pessoal e direta à pessoa, nos termos do art. 58 da Lei n. 9.504/97:

Art. 58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.

 

Ainda sobre o tema, o art. 9º da Resolução TSE n. 23.610/19 prescreve:

Art. 9º A utilização, na propaganda eleitoral, de qualquer modalidade de conteúdo, inclusive veiculado por terceiras(os), pressupõe que a candidata, o candidato, o partido, a federação ou a coligação tenha verificado a presença de elementos que permitam concluir, com razoável segurança, pela fidedignidade da informação, sujeitando-se as pessoas responsáveis ao disposto no art. 58 da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo de eventual responsabilidade penal. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

 

In casu, a candidata ora recorrente, no dia 26.8.2024, em sua página na rede social Instagram, publicou um vídeo em que comunica que haveria um estuprador, foragido da Justiça, circulando pelas ruas de Porto Alegre, e relaciona o fato com as pautas e ações políticas de Maria do Rosário e seu partido político.

Da íntegra do vídeo (ID 45685898), extrai-se a seguinte transcrição:

Oi Pessoal

Aqui Mariana Lescano

Olha esse bandido aqui que fugiu do presídio

Alguns dias atrás

Ele é um estuprador em série que tá aqui em Porto Alegre

Aterrorizando todas as mulheres

No sábado

Ele já fez uma vítima no estacionamento da santa Casa

Inclusive aqui a gente consegue ver as imagens deles

Dele ao redor da Santa Casa

Cuidem a cara

Essa é a vestimenta que ele tá usando

Mas pode tá com outra

E já tem relatos de que ele teria feito

Uma nova vítima de estupro

Na zona norte de Porto Alegre

E pessoas me mandaram no meu Whatsapp de que viram ele

Num mercado da Cidade Baixa

Porque esse bandido covarde

Ele tem né

Por prioridade pegar as mulheres pra estuprar

Nos estacionamentos de shopping

De mercado

Então gurias fiquem atento

Se acharem alguém parecido chamem pela polícia

É importante né

Que a gente lembre que aqui em Porto Alegre

A candidata do PT à prefeitura defende bandido (nesse momento surge na tela supostas manchetes contra Maria do Rosário)

Defende o desencarceramento

Acha que bandido é uma vítima da sociedade

E defende que as mulheres não tenham armas

Pra se defender

Então quando as mulheres são estupradas

Se torna vítimas

É isso que eles querem

Nós não

A gente defende bandido preso

Arma pras mulheres se defender

E que estuprador como esse nunca saia da cadeia

Chame a polícia se precisar

Me avisem

Me chamem porque a gente precisa prender esse criminoso

Encerra com vinheta de propaganda (Vereadora Mariana Lescano 11222 Coragem para mudar)

 

A gravação também está acompanhada do seguinte texto:

ESTUPRADOR ESTÁ À SOLTA EM PORTO ALEGRE.

Esse bandido da foto é um estuprador chamado Paulo César Nechel, de 56 anos. Ele está foragido, circulando pelas ruas de Porto Alegre-RS procurando novas vítimas. Segundo informações, no Sábado ele teria feito uma vítima no estacionamento de um hospital no Centro de Porto Alegre. No Domingo outra vítima na Zona Norte da cidade.

Esse bandido que está condenado há mais de 100 anos de prisão, foi reconhecido por no mínimo 9 mulheres que estuprou, mas para muitos ele é apenas "uma vítima" da sociedade malvada que não lhe deu oportunidades.

Se ver ele, ligue pro 190 ou no meu Whatsapp (51996095617) a qualquer hora. Ajude a capturá-lo. E lembre-se de não apoiar quem defende esse tipo de gente.

 

Conforme se pode perceber, a publicação, inicialmente, busca criar um estado mental de medo e pânico por meio da ideia de que haveria um estuprador à solta e procurando novas vítimas na cidade.

Em sequência, o fato é diretamente associado a determinadas proposições políticas supostamente atribuídas à candidata Maria do Rosário, tais como o desencarceramento e o desarmamento.

Ocorre que as manifestações questionadas não se limitam a uma mera perspectiva ideológica do que seriam as opiniões políticas de Maria do Rosário e suas possíveis consequências.

A mensagem extrapola a razoabilidade do debate democrático de ideias e assevera que a coligação recorrida e sua candidata atuam politicamente com o propósito de que tais situações aconteçam, uma vez que “a candidata do PT à prefeitura defende bandido” e “então, quando as mulheres são estupradas, se torna vítimas, é isso que eles querem”.

A análise dos trechos acima destacados, de per si, demonstra a nítida intenção de imputar aos recorridos a ação deliberada de promover a soltura ou “impunidade” de um suposto criminoso, em caso de grande repercussão midiática e comoção social, como um plano de “vitimizar” as mulheres.

De eventuais manifestações da candidata Maria do Rosário e de seu partido pela restrição ao armamento da população, contra a construção de “megaprisões” ou pelos direitos da população carcerária não se depreende o desejo pela “vitimização” ou a tolerância com a violência sexual contra mulheres.

Assim, no caso, a liberdade de manifestação em propaganda eleitoral invadiu a esfera dos direitos da personalidade, na medida em que atribui o desejo ou o consentimento, direto ou indireto, de que as mulheres sejam estupradas e se tornem vítimas, consiste em uma ofensa grave à honra pessoal de qualquer pessoa.

Ademais, ainda que a recorrente defenda a existência de matérias jornalísticas que confirmam a veracidade de suas afirmações, houve evidente uso de artifícios de descontextualização e de desinformação sobre as supostas narrativas, a fim de agredir a honra alheia e associá-la artificialmente ao episódio de fuga do criminoso.

Veja-se que a notícia divulgada pelo jornal Zero Hora sobre a evasão de estuprador do antigo Presídio Central afirma que “era um dos apenados que trabalhava nas obras da Cadeia Pública e escapou” em 23.8.2024 (sexta-feira) e que, na segunda-feira seguinte (dia 26.8.2024), o apenado já havia sido localizado pela Brigada Militar (https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2024/08/chorei-fiquei-muito-mal-relata-vitima-sobre-fuga-de-estuprador-do-antigo-presidio-central-ele-foi-recapturado-cm0cpes7r00mw015smjlb45xv.html).

Logo, não há relação imediata entre a atuação política da candidata da coligação recorrida e a fuga do detento. Além disso, o criminoso evadido do sistema prisional foi novamente recapturado no mesmo dia em que publicada a mensagem na rede social.

Em relação à manchete intitulada “Fala da Ministra Maria do Rosário deixa a população refém da bandidagem”, extraída do site da Veja (https://veja.abril.com.br/coluna/reinaldo/fala-da-ministra-maria-do-rosario-deixa-a-populacao-refem-da-bandidagem), trata-se de coluna de opinião do jornalista Reinaldo Azevedo, que não tem o condão de servir como comprovação de fatos.

O mesmo ocorre em relação às manchetes “Maria do Rosário defendendo estuprador de cadáver 14 anos” (https://independentefm104.com/video/60591/maria-do-rosario-defendendo-estuprador-de-cadaver-de-14-anos), do “Independente FM 104,9”, e “Governo intensifica cruzada por liberação de criminosos como política pública” (https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/governo-intensifica-cruzada-por-liberacao-de-criminosos-como-politica-publica/), da “Gazeta do Povo”, uma vez que consistem em evidentes manifestos de crítica política, sem responsabilidade editorial com acontecimentos e provas.

Nessa linha, colho judiciosa passagem da sentença, que adoto como fundamentos :

O conteúdo não se limita a criticar as posições da candidata representante na pauta dos chamados "direitos humanos" ou mesmo a doutrina dos direitos humanos, nem se limita à associação das posições da candidata ao que a representada classifica como "defesa de bandidos", situações que, em tese, poderiam estar acobertadas pela liberdade do debate político-eleitoral.

Muito mais que isso, a representada associa, de forma absolutamente descontextualizada, a alegada posição "em defesa de bandidos" da candidata a prefeita com imagens de supostas manchetes jornalísticas (diz-se supostas, pois a representada não apresenta as fontes jornalísticas, descurando do dever de primar pela fidedignidade dos conteúdos divulgados - art. 9º, caput, da Resolução nº 23.610/2019) em que se atribui à representante, sem qualquer comprovação, a defesa de adolescente que teria estuprado um cadáver de uma menina de 14 anos. E o faz na esteira do fato, explorado pela própria representada no decorrer do vídeo, da fuga de um apenado condenado por estupros, na Capital, e que foi amplamente divulgado na mídia local e com enorme repercussão.

Assim, de modo totalmente descontextualizado, associa claramente a candidata representante, sem qualquer prova, com a defesa de um "estuprador de cadáver de adolescente", e, por extensão, com estupradores como aquele que, à época, estava foragido.

 

Logo, se a postagem é manifestamente inverídica e ofende a honra alheia, é legítimo o direito de veicular uma resposta que seja visualizada pelos mesmos destinatários da mensagem original.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.

Comunique-se, com urgência, ao Juízo da 161ª Zona Eleitoral para providências.