REl - 0600858-87.2024.6.21.0085 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/09/2025 00:00 a 05/09/2025 23:59

VOTO

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

No mérito, cuida-se de recurso interposto por FRANCIELI DA SILVA PORAZZI OLIANI, candidata ao cargo de vereadora pelo partido PL, no Município de Arroio do Sal/RS, contra sentença proferida pelo Juízo da 085ª Zona Eleitoral de Torres/RS, que desaprovou suas contas, em razão da ausência da comprovação de gasto realizado com recurso do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, e determinou o recolhimento do valor de R$ 3.500,00 ao Tesouro Nacional.

Com efeito, a Unidade Técnica registrou, no item 8 do seu Parecer Conclusivo (ID 45906396), que a candidata pagou aos prestadores de serviço EMERSON ALFREDO OLIANI, identificado como parente de Francieli, e SAMARA GONÇALVES VICENTE, respectivamente, R$ 2.500,00 e R$ 1.000,00, com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), contrariando os arts. 35, 53, inc. II, al. "c", e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19, devido à ausência de registros relativos aos locais de trabalho, às horas trabalhadas, às atividades desenvolvidas e à justificativa de preços.

Nesse diapasão, constou do referido Parecer Conclusivo:

 

(...)

Saliento porém que os contratos de prestação de serviços não apresentam a integralidade dos detalhes previstos no art. 35 § 12° da Resolução TSE nº 23.607/2019 .

Foi identificado que o contratado EMERSON ALFREDO OLIANI possui o mesmo sobrenome da candidata, faz-se necessário, neste caso, justificativa por parte da candidata em relação a referida contratação, haja vista que pode indicar desvio de finalidade, a par de o gasto não ter sido devidamente detalhado.

 

Intimada, a prestadora de contas não juntou novos documentos para que os apontamentos fossem respondidos, assim, considerando os documentos constantes nos autos, esta examinadora se manifesta pela irregularidade nas despesas pagas com recurso público e opina-se pelo recolhimento dos recursos públicos utilizados para gastos com pessoal no valor de R$3.500,00 (três mil e quinhentos reais), nos termos do artigo 79, §1º da Resolução TSE n. 23.607/2019, que não foi possível verificar a origem e regularidade do gasto.

 

A prestadora fez juntada de petição ID 126808114, onde apresentou informações em relação aos contratos de militância, inclusive informando que o cabo eleitoral contratado EMERSON ALFREDO OLIANI possui grau de parentesco com o candidato e que o valor pago ao mesmo foi inferior aos demais cabos. Após análise, observa-se a não integralidade dos detalhes previstos no art. 35 § 12° da Resolução do TSE nº 23.607/2019, onde não foi informado a descrição dos locais de atuação, dias, horários e comprovação dos serviços prestados por parte dos contratados, permanecendo o apontamento e a indicação de recolhimento dos recursos públicos nos termos do artigo 79, §1º da Resolução TSE n. 23.607/2019. (grifo nosso)

 

Já a sentença assim consignou:

 

(...)

A candidata indicou o uso de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para pagamento de parente, EMERSON ALFREDO OLIANI, fato, inclusive, incontroverso conforme petição ID 126808114.

A jurisprudência sedimentada no Tribunal Superior Eleitoral e no Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, não há regularidade no uso de recurso público em prol de parente de candidato.

Nesse sentido, trecho do voto da Eminente  Desembargadora Relatora ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA no bojo do processo PCE n. 0603203-58.2022.6.21.0000:

"A despeito de não haver restrição legal expressa, a contratação de familiar do prestador como cabo eleitoral para campanha, com a utilização de recursos públicos oriundos do Fundo Partidário - FP ou Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, implica conduta que representa uma sobreposição de interesses privados em detrimento de interesses públicos, em afronta a diversos princípios, sobretudo quando há ausência de documentação que ateste, com a devida certeza, o emprego correto das verbas públicas.

Nesses casos, “a escolha do prestador dos serviços ou do valor a ser pago, dentro do juízo de definição do que seja costumeiro, vantajoso e útil para a campanha, cabe, em regra, exclusivamente ao candidato; contudo, ao fazê-lo na administração de recursos públicos, o agente se vincula aos princípios-deveres que regem a administração pública, como previsto no caput do art. 37 da Constituição da República. Na ausência de regra jurídica infraconstitucional, o princípio deve atuar, subsumindo os fatos, ensejando quando verificada a sua violação a irregularidade no uso dos recursos públicos, que vista no seu conjunto levou o julgador de primeira instância a aprovar com ressalvas as contas, determinado a devolução dos valores gastos com a contratação como cabo eleitoral de parente de segundo grau na linha colateral ao erário” (RECURSO ELEITORAL n. 060101804, Acórdão, Relator (a) Des. Adenir Teixeira Peres Junior, Relator (a) designado (a) Des. Jeronymo Pedro Villas Boas, Publicação: DJE – DJE, Tomo 107, Data: 20/06/2022).

A corroborar, segue excerto de ementa de aresto de relatoria da Min. Rosa Weber:

5. À luz do princípio da moralidade, não há como admitir que sejam contratadas para prestar serviços ao partido empresas pertencentes a dirigentes dele. Da mesma forma, tal contratação não permite o atendimento do princípio da economicidade, pois nunca se poderá saber se os serviços foram prestados com qualidade e modicidade de custo ou se eventual falta de qualidade ou preço acima do justo foram relevados pelo fato da empresa pertencer a dirigente partidário. (TSE – PC n. 0000228–15.2013.6.00.0000, Relatora Min. Rosa Weber, julgado em 26.4.2018, publicado no DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 110, Data: 06.6.2018, pp. 57–58.)

(...)

Assim, não há como se considerar comprovada, de modo escorreito, a utilização de valores provenientes do FEFC, de sorte que se impõe o reconhecimento da irregularidade na aplicação da verba pública (FEFC) e o recolhimento do valor equivalente ao gasto não comprovado, conforme o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19."

Portanto, a candidata terá que recolher a Tesouro o montante de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), visto que irregularmente utilizado.

 

Ademais, nos contratos do parente indicado e no de SAMARA GONÇALVES VICENTE - que recebeu R$ 1.000,00 (mil reais) não houve observância integral ao que dispõe o artigo 35, § 12°, da Resolução TSE nº 23.607/2019, demandando também restituição de valores por esse motivo.” (Grifei.)

 

Pois bem.

A jurisprudência do TSE e deste Regional é firme no sentido de que, embora inexista vedação expressa, a utilização de recursos públicos em benefício de parente do candidato afronta os princípios da moralidade, da impessoalidade, da economicidade e da transparência, impondo-se rigor na comprovação documental da efetiva prestação dos serviços e da adequação dos valores pagos.

Confira-se:

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. SUPLENTE . DEPUTADO FEDERAL. OMISSÃO DE DESPESAS. NOTA FISCAL NÃO DECLARADA. CANCELAMENTO NÃO REALIZADO . CARACTERIZADO RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. CONTRATAÇÃO DE PARENTE COM RECURSOS PÚBLICOS. SOBREPOSIÇÃO DE INTERESSE PRIVADO. AUSENTE DOCUMENTAÇÃO COMPROVANDO O USO CORRETO DA VERBA PÚBLICA . PERCENTUAL ÍNFIMO DAS IRREGULARIDADES. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS . 1. Prestação de contas apresentada por candidato eleito suplente ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022. 2. Omissão de despesas . Identificada nota fiscal não declarada na prestação de contas. A emissão de nota fiscal para o CNPJ da campanha gera a presunção de existência da despesa subjacente ao documento. Ausente ou insuficiente a justificativa ou o registro de sobra de campanha, conclui–se que a despesa eleitoral ocorreu e que houve omissão de gasto na prestação de contas. Se o gasto não ocorreu, as notas fiscais deveriam ter sido canceladas e adotados os procedimentos previstos no art . 92, §§ 5º e 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Compete ao prestador comprovar, documentalmente, a origem dos recursos utilizados de forma a afastar a configuração da despesa não escriturada como um gasto eleitoral que foi adimplido a partir de uma fonte não identificada. Na hipótese, não comprovada a procedência da fonte de custeio do gasto não contabilizado, o que importa a caracterização do recurso como de origem não identificada, o valor deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, conforme o art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19 . 3. Contratação de parente com recursos públicos. A despeito de não haver restrição legal expressa, a contratação de familiar do prestador como cabo eleitoral para campanha, com a utilização de recursos públicos oriundos do Fundo Partidário – FP ou Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, implica conduta que representa uma sobreposição de interesses privados em detrimento de interesses públicos, em afronta a diversos princípios, sobretudo quando há ausência de documentação que ateste, com a devida certeza, o emprego correto das verbas públicas. Nesse sentido, jurisprudência do TSE e deste Tribunal . Não comprovada, de modo escorreito, a utilização de valores provenientes do FEFC, deve o valor equivalente ser recolhido ao Tesouro Nacional, conforme o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. 4. A soma das irregularidades representa 3,86% das receitas declaradas na prestação, permitindo, na linha de entendimento pacificado deste Tribunal, um juízo de aprovação com ressalvas mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 5. Aprovação com ressalvas . Recolhimento ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - PCE: 06032035820226210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator.: Des. ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA, Data de Julgamento: 20/07/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 133, Data 24/07/2023 ) (grifo nosso)

 

Ademais, no caso, os contratos de prestação de serviços apresentados, cujo objeto seria a atividade de militância e mobilização de rua, não detalham de forma suficiente os locais de trabalho, as horas trabalhadas, as atividades desempenhadas e a justificativa do preço contratado, em desacordo com a norma eleitoral, o que inviabiliza aferir a regularidade da despesa com recursos públicos.

Conforme delineado no parecer técnico, e consignado na sentença, os documentos apresentados não atendem ao disposto no art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, que exige a identificação integral dos prestadores, locais de trabalho, horas trabalhadas, especificação das atividades e justificativa dos valores pagos, em especial quando se trata de contratação de parente, situação que demanda maior cautela e comprovação rigorosa em razão da natureza pública dos recursos utilizados.

Sobre a matéria, assim já decidiu este Tribunal:

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO NÃO ELEITO. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL . FALHAS RELATIVAS À COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM O FUNDO PARTIDÁRIO. PROPRIEDADE DE BEM OBJETO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL. SANADA A FALHA. DESPESA COM CONTRATAÇÃO DE PESSOAL . ATIVIDADE DE MILITÂNCIA E MOBILIZAÇÃO DE RUA. INOBSERVÂNCIA DO § 12 DO ART. 35 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23 .607/19. DECLARAÇÃO UNILATERAL. BAIXO PERCENTUAL DA IRREGULARIDADE. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE . DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas de candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022 . 2. Identificadas falhas relativas à comprovação de gastos com o Fundo Partidário. 2.1 . Não demonstrada propriedade de bem objeto de contrato de locação. Embora o contrato particular de compra e venda juntado pelo candidato esteja incompleto e não tenha sido apresentada cópia da matrícula do imóvel, a cópia da fatura de energia elétrica, de titularidade do locador, demonstra que este detinha a posse do bem e, portanto, possuía legitimidade para locar o imóvel. Sanada a falha. 2 .2. Despesa realizada com contratação de pessoal. Atividade de militância e mobilização de rua. Ausência de indicação de elementos mencionados no § 12 do art . 35 da Resolução TSE n. 23.607/19. Apresentado contrato genérico de prestação de serviços, que não atende aos requisitos da resolução de regência . Ademais, a declaração confirmando os termos do contrato e sua execução foi produzida de forma unilateral e não é contemporânea à prestação dos serviços, circunstâncias que inviabilizam sua admissão para comprovar a regularidade do uso de recursos públicos. 3. A irregularidade remanescente representa 3,12% do total das receitas declaradas na campanha, percentual que autoriza a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovação das contas com ressalvas, na esteira da jurisprudência do TSE e deste Tribunal. 4 . Aprovação com ressalvas. Determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - PCE: 0603029-49.2022 .6.21.0000 PORTO ALEGRE - RS 060302949, Relator.: Voltaire De Lima Moraes, Data de Julgamento: 27/07/2023, Data de Publicação: DJE-141, data 03/08/2023)

 

A alegação da candidata de que a ausência de indicação dos bairros seria justificável pela extensão reduzida do município não afasta a obrigatoriedade de apresentação da documentação mínima exigida, tampouco supre a ausência de comprovação material efetiva da prestação dos serviços contratados.

Ressalte-se que a ausência de elementos mínimos para comprovação dos gastos realizados com recursos públicos compromete a transparência, a rastreabilidade e a confiabilidade das contas apresentadas, configurando irregularidade de natureza grave, apta a ensejar a desaprovação das contas com a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nesse contexto, em consonância com o parecer ministerial, impõe-se a manutenção da decisão que desaprovou as contas da ora recorrente.

O total das irregularidades foi de R$ 3.500,00 e corresponde a 70% do total de recursos recebidos (R$ 5.000,00), nominalmente superior a R$ 1.064,10 - parâmetro de aplicação dos princípios de proporcionalidade e de razoabilidade - e muito acima, proporcionalmente, de 10% do montante total arrecadado, para aprovação das contas com ressalvas, de modo que deve ser mantido o juízo de desaprovação, bem como a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.