REl - 0600415-66.2024.6.21.0076 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/09/2025 00:00 a 05/09/2025 23:59

VOTO

ADMISSBILIDADE

O recurso mostra-se tempestivo e preenche os demais pressupostos atinentes à espécie.

Por isso, conheço do apelo e passo a analisar a possibilidade de conhecimento dos documentos colacionados com o recurso.

 

PRELIMINAR

Com efeito, o recorrente apresentou após a prolação da sentença prestação de contas retificadora, a qual teve cópia juntada com o apelo, hipótese em que este Tribunal reputa inviável seu conhecimento em grau recursal, diante da necessidade de exame pormenorizado dos lançamentos contábeis apresentados e de verdadeira supressão de instância, nos termos de ementa do seguinte julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. NOVOS DOCUMENTOS APRESENTADOS EM FASE RECURSAL. CONHECIDO APENAS O INSTRUMENTO DE PROCURAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVANTES DA DEVOLUÇÃO DE SOBRAS DE VERBA PÚBLICA. OMISSÃO DE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA. PAGAMENTO DE DESPESA EM DESACORDO COM A NORMA REGENTE. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO. (...) 2. Da análise de novos documentos. O conhecimento de documentos em fase recursal é prática aceita por este Tribunal na classe processual sob exame, quando não apresentar prejuízo à tramitação do processo por se tratar de documentação simples, capaz de esclarecer as irregularidades apontadas sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. Entretanto, na hipótese, o conhecimento das peças exigiria a reabertura da instrução para o exame detalhado dos lançamentos, em cotejo com as demais informações e dados constantes dos extratos eletrônicos, resultando em supressão de instância e tratamento desigual à recorrente, privilegiado em relação aos demais candidatos da eleição para a qual concorreu. Admitido somente o instrumento de procuração, rechaçados os demais. (...) 6. Desprovimento. Mantido o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional. (Rel n. 0600469-47.2020.6.21.0084, Relator Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado em 10.3.2022.) (Grifei.)

Assim, descabido o conhecimento das peças, pois sua aceitação exigiria uma nova análise técnica, com reabertura de instrução para o exame detalhado dos lançamentos em cotejo com as demais informações e dados constantes dos extratos eletrônicos, resultando em supressão de atividade atinente, na espécie, ao Juiz Eleitoral da instância inicial.

De outra banda, o recorrente acostou cópia dos contratos de serviço de militância (ID 45885336) e de locação de veículo (ID 45885337), com os respectivos comprovantes de transferências dos valores pagos, que, segundo o candidato, demonstraria a regularidade dos pagamentos realizados com recurso do FEFC por irregulares.

A jurisprudência da Justiça Eleitoral e, especialmente, deste Regional tem admitido a juntada de documentos na fase recursal, mormente em sede de prestação de contas, quando esses sejam suficientes para, primo ictu oculi, ou seja, perceptível de plano, sanar as irregularidades, sem que seja necessário novo exame pela unidade técnica (TRE-RS - REl: n. 06000420620226210076 NOVO HAMBURGO - RS n. 060004206, Relator.: Francisco Thomaz Telles, Data de Julgamento: 29.01.2025, Data de Publicação: DJe n. 19, data 31.01.2025).

Tenho que os dois contratos referidos, assim como os comprovantes de transferência bancária, são documentos simples, que permitem o cotejo com as alegações do recorrente sem maiores análises técnicas, comportando, portanto, conhecimento.

Com estes fundamentos, conheço apenas dos documentos de IDs 45885336 e 45885337, trazidos com o recurso eleitoral.

Passo, agora, a analisar o mérito do recurso.

 

MÉRITO

Como relatado, cuida-se de examinar recurso eleitoral interposto por JEFERSON LUIZ DA SILVA, candidato ao cargo de vereador nas Eleições Municipais de 2024 no Município de Novo Hamburgo, em face da sentença proferida pelo Juízo da 076ª Zona Eleitoral de Novo Hamburgo/RS, que desaprovou a prestação de contas de campanha apresentada e determinou o recolhimento da quantia de R$ 2.000,00 ao Tesouro Nacional, devido à falta de comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

O parecer conclusivo (ID 45885281), que subsidiou a sentença, verificou diversas impropriedades atinentes à não apresentação de documentos essenciais para análise das contas, mas, a partir das informações constantes nos extratos disponibilizados pela Justiça Eleitoral, foi possível averiguar irregularidade decorrente de gastos não declarados com recursos do FEFC, especificamente com relação a duas despesas: (i) Transferência para CARLOS ROBERTO SANTOS DA SILVA, no valor de R$ 1.000,00; e (ii) Transferência para DIONI LEITE SILVA, também no valor de R$ 1.000,00.

A parte recorrente sustenta que ambas as despesas restaram comprovadas, sendo aquela contraída junto a DIONE LEITE SILVA, decorrente da contratação de serviços de militância e mobilização de rua; e os valores pagos a CARLOS ROBERTO SANTOS DA SILVA foram devidos à locação de veículo utilizado em campanha. A fim de comprovar o alegado, foram apresentados os contratos e comprovantes de transferência bancária já mencionados em preliminar.

Pois bem.

Ao cotejar o contrato de prestação de serviços firmado com DIONE LEITE SILVA (ID 45885337), constato que, apesar de genérico, estão presentes satisfatoriamente descrições sobre a definição do objeto do contrato, atividades, local da execução das atividades, duração do contrato, remuneração e obrigações recíprocas.

Assim, tenho que os documentos trazidos conduzem à aceitação dos valores pagos a título de militância, pois a importância paga corresponde exatamente aos valores contidos no instrumento contratual constante nos autos.

Nesse particular, me filio à jurisprudência deste Tribunal em considerar possível que a ausência do preenchimento integral ou de não se pormenorizar alguns requisitos nos contratos de prestação de serviços de militância não possui o condão de, por si só, macular a regularidade das contas, quando presentes outros elementos que permitam inferir tais informações, sem obstar a fiscalização da Justiça Eleitoral. Vejamos o recente julgado deste TRE, de relatoria do Excelentíssimo Desembargador Federal Leandro Paulsen a demonstrar tal posicionamento:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. USO DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). MILITÂNCIA. COMPATIBILIDADE ENTRE CONTRATOS E COMPROVANTES DE PAGAMENTO. APROVAÇÃO DAS CONTAS. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1.1. Recurso eleitoral interposto por candidata eleita suplente de vereadora contra sentença que desaprovou a prestação de contas de campanha e determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. 1.2. A sentença está fundamentada na suposta ausência de comprovação de gastos com serviços de militância pagos com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). 1.3. A recorrente sustenta que houve erro material no valor consignado relativo ao valor do dia trabalhado, e que em vários períodos houve prestação de serviço de 8 horas diárias, e não somente 6 horas. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.1. Verificar se os valores pagos guardam conformidade com os previstos contratualmente. III. RAZÕES DE DECIDIR 3.1. A jurisprudência deste Tribunal tem considerado possível que a ausência do preenchimento integral de alguns requisitos nos contratos de prestação de serviços não possui o condão de, por si só, macular a regularidade das contas quando presentes outros elementos que permitam inferir tais informações, sem obstar a fiscalização da Justiça Eleitoral. 3 .2. Na hipótese, eventual divergência decorrente da multiplicação do valor dia trabalhado pelo número de dias constantes no ponto não é causa hábil a determinar o recolhimento da importância, pois há identidade de valores entre o que constou nos contratos e o que foi efetivamente pago. Reforma da sentença. IV. DISPOSITIVO E TESE 4.1. Recurso provido. Aprovação das contas. Afastada a ordem de recolhimento de valores. Tese de julgamento: “A compatibilidade entre o valor global previsto em contrato e os comprovantes de pagamento afasta a presunção de irregularidade na aplicação de recursos do FEFC.” Dispositivos relevantes citados: Resolução TSE n. 23 .607/19, arts. 14, 32 e 74, inc. I. Jurisprudência relevante citada: TRE–RS, PCE n. 0602453–56.2022.6.21 .0000, Rel. Des. Kalin Cogo Rodrigues, j. 13 .12.2022; TRE–RS, PCE n. 0603030–34.2022 .6.21.0000, Rel. Des. Voltaire de Lima Moraes, j. 06.7.2023. (TRE-RS - REl: 06003446420246210076 NOVO HAMBURGO - RS 060034464, Relator.: Leandro Paulsen, Data de Julgamento: 18/07/2025, Data de Publicação: DJE-138, data 29/07/2025) (Grifei.)

Por tal fundamento, afasto a irregularidade quanto ao ponto.

Com relação ao segundo contrato apresentado, relativo à locação do veículo Fiat Siena, placa IUK5H64, firmado com CARLOS ROBERTO SANTOS DA SILVA, tenho não assistir razão ao recorrente.

Ocorre que, além da apresentação do aludido contrato, é necessária a demonstração de que o fornecedor é efetivamente proprietário do respectivo veículo locado.

Dessa forma, conclui-se, no ponto, que, inexistindo prova da propriedade do veículo automotor, se tem a inexistência de prova de vínculo jurídico entre o locador e o respectivo bem locado com recursos públicos, merecendo ser mantido o apontamento no montante de R$ 1.000,00, devendo a quantia ser recolhida ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, como apontado pela jurisprudência deste Regional, da qual seleciono o seguinte julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO NÃO ELEITO. CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. FALHAS NA APLICAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. LOCAÇÃO DE VEÍCULOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA PROPRIEDADE. DESPESAS COM PESSOAL. AUSÊNCIA DE DETALHAMENTO DOS GASTOS. IMPOSSIBILIDADE DE FISCALIZAÇÃO. DÉBITOS BANCÁRIOS SEM IDENTIFICAÇÃO DA CONTRAPARTE BENEFICIADA. EMISSÃO DE CHEQUES. INOBSERVÂNCIA DO ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23 .607/19. REALIZAÇÃO DE DESPESA QUE NÃO CONSTA DO ROL DOS GASTOS ELEITORAIS. “MARTELINHO DE OURO”. IRREGULARIDADES DE ALTO PERCENTUAL. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DETERMINADO O RECOLHIMENTO DOS VALORES IRREGULARES AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. 1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022. 2. Irregularidades no uso de recursos públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. 2 .1. Ausência de comprovação da propriedade de veículos locados para a campanha. Inexistência de prova de vínculo jurídico entre locadores e respectivos bens locados com recursos públicos. (..). 4. Desaprovação das contas. Determinado o recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - PCE: 06025141420226210000 PORTO ALEGRE - RS 060251414, Relator.: Patricia Da Silveira Oliveira, Data de Julgamento: 06/08/2024, Data de Publicação: DJE-153, data 08/08/2024) (Grifei.)

Deste modo, o montante irregular restante é de R$ 1.000,00 correspondente à despesa de locação realizada com o fornecedor CARLOS ROBERTO SANTOS DA SILVA, importância que corresponde a 50% do total de recursos arrecadados na campanha (R$ 2.000,00), porém, em valor absoluto menor que R$ 1.064,10.

Com isso, tenho que a referida quantia está abarcada pelo limite admitido pela jurisprudência deste TRE-RS, considerando-se o valor inexpressivo da quantia irregular observada em termos absolutos, para aprovar com ressalvas as contas de campanha do recorrente, como podemos extrair da ementa de julgado que colaciono a título exemplificativo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. UTILIZAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS ORIUNDO DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. VALOR NOMINAL DIMINUTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. REDUÇÃO DO VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovada prestação de contas de candidata a vereadora e determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, devido à realização de gastos sem observância da forma prescrita no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 e da falta de documentos comprobatórios de despesas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. 2. Aplicação irregular de recursos do FEFC. Ainda que demonstrada a regularidade no pagamento a dois prestadores de serviço, persiste a falha com referência ao cheque compensado sem a identificação da contraparte favorecida. Inobservância do disposto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Norma de caráter objetivo que exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado. Sufragado o entendimento por este Tribunal de que os pagamentos por meio de recursos públicos devem ser demonstrados por documentos que permitam a rastreabilidade dos valores e a vinculação do crédito com o fornecedor declarado. Determinado o recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. 3. Irregularidade remanescente que representa 6,63% dos recursos declarados pela candidata. Ínfima dimensão percentual das falhas e valor nominal diminuto. Aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas, pois se trata de valor módico e inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10, utilizado por este Tribunal para admitir tal juízo. 4. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Redução do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional. (Recurso Eleitoral n 060048129, ACÓRDÃO de 10/10/2022, Relatora VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Data 11/10/2022) (Grifei.)

Diante do exposto, superada parcialmente a preliminar suscitada para conhecer dos documentos juntados nos IDs 45885336 e 45885337, VOTO por DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de JEFERSON LUIZ DA SILVA para aprovas as suas contas de campanha com ressalvas e determinar o recolhimento da importância de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.