REl - 0600243-46.2024.6.21.0005 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/09/2025 00:00 a 05/09/2025 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto por AIRTON ZUQUETTO DUTRA, candidato ao cargo de vereador de Alegrete/RS, contra a sentença que desaprovou suas contas referentes às Eleições Municipais de 2024, em virtude de falhas nos contratos relacionados aos gastos com pessoal para campanha, no valor total de R$ 9.507,00.

A controvérsia concentra-se na contratação de pessoas físicas para serviços de campanha por meio de contratos que estariam em desconformidade com art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[...].

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

Na hipótese, a sentença acolheu o parecer conclusivo que considerou os gastos irregulares com a seguinte motivação (ID 45970675):

Com base nos procedimentos técnicos de exame e na análise documental, foram constatadas irregularidades na comprovação dos gastos com o Fundo Especial de Financiamento de Campanha:
 

 

Analisando o contrato ID 124798204, firmado com NEIDA DELGADO, verifica-se que não foi especificado o local de trabalho e as horas trabalhadas.

Ainda, com relação aos demais prestadores de serviços (contratos IDs 124798197, 124798199, 124798200, 124798201, 124798198, 124798196, 124798215, 124798217, 124798214, 124798216 e 124798213), não foi especificado o local de trabalho e as atividades executadas. Nos contratos consta apenas "prestação de serviços, pelo(a) contratado(a) de tarefas ou atividades conforme cronograma ou necessidade do(a) candidato(a) durante a campanha eleitoral."

Com relação à prestadora de serviço EDITE SILVEIRA DE SOUZA, no contrato ID 124798196, consta que a remuneração foi de R$ 400,00 por quinzena. A prestadora teria trabalhado 3 (três) quinzenas (de 14/09 a 05/10/2024), o que resultaria no valor de R$ 600,00. No entanto, nos extratos eletrônicos, foi localizado o pagamento de apenas R$ 507,00.

 

Em relação ao objeto, constata-se que todos os contratos preveem a prestação de “tarefas ou atividades conforme cronograma ou necessidade do(a) CANDIDATO(A) durante a Campanha Eleitoral”.

Apesar da descrição realmente ampla e genérica, é cediço que a noção de “pessoal de campanha” encerra a execução de serviços gerais de militância no âmbito da campanha eleitoral, cujas ações típicas, notoriamente, consistem na abordagem de eleitores nas ruas; na distribuição de materiais a eleitores; na distribuição e no recolhimento de bandeiras, wind banners e outros artefatos de propaganda; no comparecimento em atos de campanha, dentre outros.

No caso dos autos, o candidato realizou gastos de grande quantidade de materiais impressos e outros produtos de propaganda, tais como 10.000 santinhos (IDs 45970625 e 45970640), 5.000 folders A4 (ID 45970626), 5.000 colinhas (ID 45970627) e 4 bandeiras (ID 45970651), os quais pressupõem os serviços de cabos eleitorais em suas distribuições e divulgações.

Quanto aos locais de execução dos trabalhos, este Tribunal tem assentado que “a ausência de referência a bairros de atuação não compromete a transparência do ajuste, especialmente considerando o porte reduzido do município” (REl n. 060085280, Acórdão, Relator Des. Nilton Tavares Da Silva, Publicação: DJe - Diário de Justiça Eletrônico, 20.6.2025), bem como que “por ser um município de pequeno porte, afigura–se desarrazoado exigir do trabalho da militância demonstrativo por ruas ou bairros” (REl n. 060086510, Relator: Des. Volnei dos Santos Coelho, Acórdão de 25.7.2025, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico 139, data 30.7.2025).

Assim, embora o contrato não especifique os bairros ou as ruas em que seria executados os serviços, tal nível de detalhamento já foi relativizado por este Tribunal, especialmente em se tratando de Município de pequeno porte, como no presente caso, não havendo qualquer indicativo de que as atividades se estenderam para além da circunscrição eleitoral do Município de Alegrete.

Sobre a carga horária diária, constata-se que um primeiro padrão de termos contratuais estipula uma jornada por oito horas diárias e quatro horas aos sábados, mediante o pagamento de R$ 800,00 por quinzena de trabalho. Nessa situação, estão os contratos com Edite Silveira de Souza (ID 45970628), Rosane Guterres Marques (ID 45970629), Eduarda Carvalho (ID 45970630), Carla Suzana Silva Araújo (ID 45970631), Melissa Trindade Oliveira (ID 45970632), Murillo Pereira Ferreira (ID 45970633) e Ângela Denize Pires Oliveira (ID 45970646).

Outro grupo de contratos prescrevem uma jornada de oito horas por dia, com o pagamento semanal de R$ 400,00 a cada semana. Com tais disposições, estão os contratos com Dalim Crispim Bacelar Machado (ID 45970649), Ronei Mendonça Franco (ID 45970648), Cleuza Marli Araújo Borges (ID 45970645) e Sônia Marisa dos Santos Trindade (ID 45970647).

Com relação a esses dois conjuntos de instrumentos contratuais, tenho que a discriminação da cláusula sobre jornada de trabalho permite a compreensão mínimo sobre as horas trabalhadas, sendo pago um valor que preserva a proporcionalidade de uma retribuição mensal pouco superior a um salário-mínimo por uma jornada de 44 horas semanais.

Em contextos fáticos semelhantes, este Tribunal já asseverou que “o valor eleito como contraprestação para um mês de trabalho revela–se módico, pouco acima de um salário mínimo, o que mitiga a importância da especificação da carga horária para se aferir a justeza do pacto celebrado” (REl n. 060052421, Relator: Des. Nilton Tavares da Silva, Acórdão de 11.7.2025, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico n. 130, data 17.7.2025), o que entendo aplicável ao caso concreto ao efeito de afastar a relevância da falha.

Ainda sobre o tópico, a sentença destaca o pagamento realizado para Edite Silveira de Souza, cujo contrato registra a remuneração R$ 400,00 por quinzena, no período de 14.9 a 05.10.2024, embora, nos extratos eletrônicos, tenha sido localizado o crédito de apenas R$ 507,00.

Contudo, a aparente incongruência entre o pagamento e o preço ajustado no contrato é esclarecida pelos recibos de quitação acostados em 22.10.2024, ou seja, antes do parecer conclusivo, demonstrando a contemporaneidade da prova em relação ao pleito.

Nesses documentos, está registrada a quitação de R$ 400,00 referente ao período de 14.9 a 28.9 (ID 45970628) e de R$ 107,00 em função do período posterior até 02.10.2024 (ID 45970635). Portanto, o pagamento a menor que o estimado se deveu ao encerramento antecipado da prestação de serviços, mas se preservando a proporcionalidade do preço em relação aos dias efetivamente trabalhados, sem que existam outros indicativos de sobrepreço ou fraude na contratação.

Assim, julgo que todos os contratos estabelecidos com Edite Silveira de Souza, Rosane Guterres Marques, Eduarda Carvalho, Carla Suzana Silva Araújo, Melissa Trindade Oliveira, Murillo Pereira Ferreira, Ângela Denize Pires Oliveira, Dalim Crispim Bacelar Machado, Ronei Mendonça Franco, Cleuza Marli Araújo Borges e Sônia Marisa dos Santos Trindade, embora apresentem falhas formais, não comprometem a confiabilidade e a regularidade dos gastos declarados, de modo que suficiente a aposição de ressalvas sobre a contabilidade.

Por outro lado, o reconhecimento de irregularidade deve ser mantido em relação ao contrato firmado com Neida Delgado, que, diversamente dos padrões antes analisados, prevê laconicamente a prestação dos serviços “em qualquer turno de trabalho necessário à execução deste”, por um preço fixo e global de R$ 1.000,00 (ID 45970636).

Logo, as disposições contratuais não permitem que se depreenda as horas trabalhadas e nem que se relacione o valor pago com a jornada cumprida, impossibilitando que se estime a razoabilidade e economicidade do valor contratado.

A fim de superar a falha, o candidato ofereceu, complementarmente ao contrato, uma declaração de Neida Delgada, na qual se registra a prestação dos serviços “de 21 de agosto a 05 de outubro de 2024, de segundas às sexta-feiras, das 09h às 12h e das 14h às 19h, e aos sábados das 14h às 18h” (ID 45970711).

Contudo, o documento consiste em mera declaração unilateral firmada após o pleito, em 21.01.2025, caracterizando-se como prova inidônea à comprovação pretendida

Nesses termos, esta Corte Regional já proclamou que “a ausência de detalhamento mínimo nos contratos de prestação de serviço com recursos do FEFC, nos termos do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, configura irregularidade que não pode ser suprida por declarações unilaterais e extemporâneas” (Recurso Eleitoral n. 0600212-26/RS, Relator: Des. Volnei Dos Santos Coelho, Acórdão de 06.6.2025, publicado no Diário de Justiça Eletrônico n. 108, data 16.6.2025).

A comprovação da efetiva prestação dos serviços demandaria a apresentação de relatórios de atividades, folhas de controle de ponto, RPAs ou aditamentos contratuais, dotados de elementos que atestem a autenticidade e a contemporaneidade em relação à campanha, o que não ocorre no caso em tela.

Destarte, está configurada a irregularidade na comprovação da contratação de Neida Delgado ante as deficiências do contrato na descrição da jornada de trabalho e da justificativa do preço, em desatendimento ao art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A única irregularidade ora mantida alcança o valor de R$ 1.000,00, que representa 4,6% do montante de recursos recebido pelo candidato (R$ 21.564,00). Tanto a cifra nominal quanto o valor percentual da falha autorizam a aprovação das contas com ressalvas por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, na esteira do entendimento sedimentado na jurisprudência do TSE (Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060542160/SP, Relator: Min. Edson Fachin, Acórdão de 25.02.2021, publicado no Diário de Justiça Eletrônico 48, data 17.3.2021).

Por fim, registro que, apesar da natureza pública das verbas em questão, o juízo da origem não determinou o recolhimento das quantias consideradas irregulares ao Tesouro Nacional, de modo que descabe o revolvimento do ponto em recurso exclusivo do prestador de contas, sob pena de configuração de vedada reformatio in pejus, conforme orientação deste Tribunal (REl n. 060039980/RS, Relator: Des. Eleitoral Volnei dos Santos Coelho, Acórdão de 13.8.2025, DJe de 18.8.2025; REl 060002222/RS, Relator: Des. Eleitoral Francisco Thomaz Telles, Acórdão de 04.4.2025, DJe de 10.4.2025; e REl n. 060017950/RS, Relator: Des. Voltaire de Lima Moraes, Acórdão de 29.9.2023, DJe de 03.10.2023).

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de AIRTON ZUQUETTO DUTRA, nos termos do art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.