REl - 0600382-94.2024.6.21.0070 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/09/2025 00:00 a 05/09/2025 23:59

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo. A intimação da sentença ocorreu no PJe em 10.12.2024, e a interposição recursal deu-se na data de 13.12.2024.

Outrossim, encontram-se presentes os demais requisitos hábeis à tramitação do recurso.

Dessarte, conheço do recurso e passo a seu exame de mérito.

 

MÉRITO

As falhas que levaram a desaprovação das contas foram as seguintes: (a) utilização de recursos de origem não identificada, no valor de R$ 3.446,55; e (b) gastos irregulares pagos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, no valor de R$ 1.800,00.

Quanto à primeira irregularidade apontada, a sentença reconheceu a omissão de três notas fiscais emitidas em favor da campanha dos recorrentes e a consequente utilização de recursos de origem não identificadas para seu pagamento: (i) nota n. 56951083, emitida em 26.9.2024, no valor de R$ 1.800,00, pelo fornecedor KALIU SLAVIERO DARONCHI; (ii) nota n. 43900, emitida em 11.9.2024, no valor de R$ 248,00, pelo fornecedor ALBUQUERQUE COMÉRCIO DE COMBUSTÍVEIS LTDA.; e (iii) nota n. 693, emitida em 11.9.2024, no valor de R$ 1.398,55, também emitida pelo fornecedor ALBUQUERQUE COMERCIO DE COMBUSTIVEIS LTDA.

Acerca da irregularidade, os recorrentes sustentam “que os apontes não se referem a omissão de despesas, eis que não foram utilizados recursos de campanha para pagamento de tais notas, tampouco foram utilizados serviços ou adquiridos produtos pelos candidatos para justificar a sua emissão, havendo declaração expressa dos fornecedores de que uma nota foi emitida em duplicidade e as outras duas foram emitidas por equívoco no CNPJ dos recorrentes”.

Tal tese, contudo, não merece prosperar. A alegação dos recorrentes, por si só, não elide a irregularidade apontada, uma vez que as notas fiscais se encontram válidas e foram regularmente emitidas em nome e no CNPJ da campanha eleitoral.

O simples argumento de culpa de terceiro sem que tenha havido o cancelamento do documento fiscal não é capaz de modificar a sentença que bem decidiu a questão. Este Tribunal, possui entendimento pacificado de que compete ao prestador de contas a comprovação do cancelamento das despesas apontadas, junto com os esclarecimentos firmados pelo fornecedor, nos termos do art. 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.67/19. Vejamos:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. OMISSÃO DE DESPESAS. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. IRREGULARIDADE NA APLICAÇÃO DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE ASSISTÊNCIA FINANCEIRA AOS PARTIDOS POLÍTICOS – FP. COTAS DE GÊNERO E DE CANDIDATURAS DE PESSOAS NEGRAS. BAIXO PERCENTUAL DAS IRREGULARIDADES. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas apresentada por diretório estadual de partido político, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022. 2. Recurso de origem não identificada – RONI. Omissão de despesas. Apesar da declaração do partido de que está aguardando a emissão de notas fiscais de estorno, até a presente data não foram juntados aos autos documentos comprobatórios de cancelamento das referidas despesas, o que contraria o art. 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23 .607/19. Caracterizada a irregularidade. Dever de recolhimento. 3. Irregularidade na aplicação de recursos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos – FP às cotas de gênero e/ou de candidaturas de pessoas negras. 3.1. Não repassada a integralidade dos valores. Inobservância do art. 19, §§ 3º, 5º, 8º e 9º, da Resolução TSE n. 23.607/19 e da ADPF n. 738/DF. Recolhimento ao erário. 3.2. Transferência intempestiva de recursos, em violação ao art. 19, § 3º, da referida Resolução (16 dias depois do prazo final). Neste caso, inexigível o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, uma vez que, ainda que fora do prazo, o recurso financeiro foi destinado em favor da candidatura feminina de pessoa negra. 4. As falhas apuradas representam 1,69% do total arrecadado. Conforme jurisprudência pacífica desta Corte, mostra–se cabível a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 5. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - PCE: 06024397220226210000 PORTO ALEGRE - RS 060243972, Relator.: Volnei Dos Santos Coelho, Data de Julgamento: 13/08/2024, Data de Publicação: DJE-166, data 20/08/2024) (Grifei.)

Assim, de rigor, a manutenção do apontamento que implica na determinação de recolhimento do valor irregular de R$ 3.446,55 ao Tesouro Nacional, uma vez que o montante não transitou pela conta de campanha, caracterizando-se, portanto, como recurso de origem não identificada.

Quanto à aplicação irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), em razão da ausência de descrição detalhada na nota fiscal n. 56757731, emitida em 13.9.2024 por KALIU SLAVIERO DARONCHI no valor de R$ 1.800,00, os recorrentes sustentam, em síntese, que “a despesa atinente à instalação/decoração do comitê de campanha encontra a devida autorização legal no art. 35, inc. VI, da Resolução n. 23.607/19”.

A legislação eleitoral é clara ao exigir que a comprovação dos gastos com recursos públicos "deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das (os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço" (grifei), nos termos do art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Este Tribunal tem entendimento consolidado pela necessidade de comprovação dos dispêndios com recursos públicos por meio de documento fiscal emitido pelo respectivo fornecedor, com descrição detalhada do serviço ou material, sob pena de configuração de irregularidade na aplicação de verbas públicas, consoante ilustra o seguinte julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. USO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. APLICAÇÃO DE VALORES NA CAMPANHA QUE SUPERARAM O MONTANTE DO PATRIMÔNIO DECLARADO. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS QUE COMPROVAM A CAPACIDADE DE AUTOFINANCIAMENTO. IRREGULARIDADE AFASTADA. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS PROCEDENTES DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA EFETIVA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DEVER DE RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas apresentada por candidato ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022. [...].3. Aplicação irregular de recursos procedentes do Fundo Especial de Financiamento de campanha - FEFC. Ausência na nota fiscal dos pormenores da operação “edição de estatística e de outras informações para divulgação na internet”, de forma a comprovar a prestação efetiva do serviço, em conformidade com art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19. Sobre o tema, esta Corte tem entendimento consolidado pela necessidade de comprovação dos dispêndios com recursos do FEFC por meio de documento fiscal emitido pelo respectivo fornecedor, com descrição detalhada do serviço ou material, sob pena de configuração de irregularidade na aplicação de verbas públicas. Recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. 4. O vício representa 2,32% do total auferido em campanha, devendo a contabilidade ser aprovada com ressalvas, na esteira do entendimento desta Corte, mediante aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 5. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional. (PCE n. 0603224-34, Acórdão, Des. Eleitoral Fernanda Ajnhorn, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 22/02/2024) Grifei.

Dito isso, mais uma vez andou bem a sentença ao analisar a despesa relativa à nota fiscal n. 56757731, emitida por KALIU SLAVIERO DARONCHI, no valor de R$ 1.800,00, em 13.9.2024.

Isso porque o documento fiscal citado trouxe em seu bojo descrição de serviço “DECORACAO COMITE PL”, que é incompleta e insuficiente, não especificando efetivamente o serviço prestado. Não foram detalhados, por exemplo, os materiais empregados (revestimentos, mobiliários ou acessórios decorativos), nem as atividades executadas (como pintura, instalação de iluminação ou outros serviços afins), impossibilitando a verificação da real aplicação dos recursos públicos e da conformidade da despesa, nos termos do art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Deste modo, impõem-se a manutenção da sentença que reconheceu a irregularidade e determinou o recolhimento da quantia correspondente ao Tesouro Nacional.

Deste modo, o montante irregular é de R$ 5.246,55, que corresponde a 5,04% da movimentação financeira da campanha (R$ 104.040,02). Assim, embora não se configurem irregularidades de natureza grave, as falhas detectadas afetam a regularidade formal das contas, não sendo possível aprová-las sem qualquer reparo.

Nesta altura, indispensável referir que a jurisprudência deste TRE-RS no que tange a prestações de contas de campanhas eleitorais tem considerado como inexpressivos os montantes que não ultrapassam determinados limites, tanto em termos absolutos quanto relativos, alternativamente. Em termos absolutos, o valor de R$ 1.064,10 é observado como um limite para considerar a irregularidade como inexpressiva. Em termos relativos, a jurisprudência deste sodalício também tem aceitado que irregularidades que não ultrapassem 10% do total de recursos arrecadados podem ser admitidas como inexpressivas, desde que não comprometam a confiabilidade das contas e que a boa-fé do prestador seja evidenciada.

A aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade é um fator determinante na análise dessas situações, permitindo a aprovação das contas com ressalvas quando as falhas são consideradas de pequeno impacto.

No caso em tela, verifica-se que a quantia apontada como irregular na prestação de contas da candidata perfaz um montante de R$ 5.246,55, grandeza que de longe supera o limite tradicionalmente reconhecido de R$ 1.064,10, para ser aceito em termos absolutos de inexpressividade financeira.

Porém, extreme de dúvidas que tal quantia não atinge o teto relativo igualmente reconhecido no percentual de 10% do total de recursos arrecadados pela candidata.

Note-se que os requisitos não são cumulativos, mas sim alternativos.

Neste sentido, refiro, a título exemplificativo, entendimento firmado em decisão desta Corte na qual bem elucida-se o caráter alternativo da possibilidade de reconhecimento de pouca monta a valores apontados em processos de prestação de contas, “em relação à pretensão de aprovação das contas com ressalvas, com base na pequena expressão do valor irregular, a jurisprudência considera inexpressivo o montante que não ultrapassar: (a) em termos absolutos, o valor de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos); ou (b) em termos relativos, o percentual de 10% (dez por cento) do total de recursos arrecadados” (TRE-RS, REl n. 060002152, Relator: Des. Mario Crespo Brum, Publicação: 03.9.2024.

Ressalte-se, sendo o valor envolvido inferior a 10% da receita arrecadada, autorizada estará a aprovação com ressalvas da prestação de contas, consoante se depreende de julgado em tal sentido citado inclusive na sentença do Juízo a quo, “irregularidade remanescente que representa 6,63% dos recursos declarados pela candidata. Ínfima dimensão percentual das falhas e valor nominal diminuto. Aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas” (TRE-RS, RE n. 0600481-29, Rel. Desa. Vanderlei Teresinha Kubiak, DJe de 11.10.2022.

Assim, gize-se, no caso em apreço, o valor discutido representa 5,04% das receitas da campanha, de tal modo que entendo constatáveis razões ensejadoras de aprovação das contas com ressalvas, merecendo, assim, provimento parcial ao apelo.

Ante o exposto, VOTO por DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto por HOMERO FOCHESATTO e FERNANDO LUIS DE SOUZA, para aprovar com ressalvas as contas dos recorrentes, mantendo-se a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 5.246,55, nos termos da fundamentação.