RecCrimEleit - 0600071-44.2021.6.21.0059 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/09/2024 às 14:00

VOTO

Da admissibilidade recursal

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento, tendo em vista o atendimento de todos os pressupostos recursais atinentes à espécie.

No que diz respeito à tempestividade, esclareço apenas que a defesa fora intimada no sistema eletrônico em 24.10.2023, terça-feira (ID 45612094). Após, em 25.10.2023, quarta-feira, a sentença foi publicada no Diário de Justiça Eletrônico – DJe, edição 196, páginas 143 a 149 (ID 45612098).

Dessa forma, a apelação foi interposta aos 06.11.2023, segunda-feira, data derradeira do prazo de 10 (dez) dias a que alude o art. 362, do Código Eleitoral, considerada a publicação no DJe posterior à intimação no sistema PJe e que, no caso, deve preponderar, sendo despicienda, no caso posto, a análise do início do prazo de contagem efetiva dos recursos no sistema eletrônico – que, como cediço, permite tolerância caso não sinalizada a visualização do ato pela parte.

1. Preliminar.

Crimes conexos aos eleitorais. Competência da Justiça Eleitoral.

Caros colegas, trago como matéria preliminar um ponto que a parte recorrente maneja de forma conjunta ao mérito de suas razões, no que diz respeito ao crime de porte ilegal de arma de fogo.

Argumenta no seguinte sentido:

O delito do artigo 16, § 1º, inciso IV, da Lei n. 10.826/2003, não deveria ser julgado por esta Justiça Especializada, que se revela incompetente, por ausência de conexão com o delito eleitoral. Afinal, de acordo com o inciso II do artigo 35 do Código Eleitoral, a competência desta Justiça está restrita aos crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, porém, no caso sub judice, não há qualquer demonstração de conexão entre o ilícito do Estatuto do Desarmamento com o delito eleitoral.

A conexão é sinônimo de dependência, nexo, necessitando de um liame entre os crimes para sua configuração. A conexão se revela como instrumento de unificação de fatos que guardam, entre si, algum vínculo. No entanto, nada há nos autos a indicar alguma vinculação do crime de porte ilegal de arma de fogo com o de boca de urna, já que em nenhum momento foi produzida prova nesse sentido, tampouco narrados os fatos de forma conexa. Não se tem notícia de que o recorrente Lucas tenha feito uso da arma de fogo para praticar o delito de boca de urna. Tal circunstância, que não pode ser presumida, por si só afasta a competência deste juízo para julgamento do ilícito da Lei n. 10.826/2003, o que deve ser reconhecido.

(...)

Na sequência, reconhecida a nulidade acima, resta cabível a oferta de institutos despenalizadores ao recorrente no tocante à imputação de boca de urna, o que se requer. No mérito, a imputação de porte ilegal de arma de fogo também merece desate absolutório. Destarte, a sentença deve ser reformada, sendo reconhecida a nulidade da sentença no tocante à imputação de porte ilegal de arma de fogo, sendo oportunizado ao recorrente a oferta de institutos despenalizadores quanto à acusação de boca de urna. No mérito, requer a absolvição quanto ao crime de porte ilegal de arma de fogo.

Sem razão, antecipo.

Em primeiro lugar, cabe salientar que a conexão se trata de instituto jurídico de natureza processual cuja base é fática – ou seja, requer análise tópica, a ser verificada caso a caso, conforme as nuances e circunstâncias de cada caso concreto, de modo que não é possível aplicar precedentes de ocorrência – ou inocorrência de conexão, como aqui arguido, a não ser que os casos sejam absolutamente idênticos.

Dito de outro modo, o liame é subjetivo – um crime é cometido para assegurar, ocultar, facilitar, et cetera, a execução de outro, de modo que os precedentes apresentados pelo recorrente não se prestam como paradigmas, pois assentados em outros contextos fáticos. Pode-se tão somente discutir a existência ou não do vínculo, em suma, com base no caso posto.

E, no caso dos autos, a flagrância do porte (ilegal) de arma por ocasião da abordagem relativa à prática de boca de urna é circunstância que nitidamente acarreta a conexão entre os delitos, tendo em vista que se encontra apoiada em testemunhos, auto de apreensão e laudo pericial definitivo – n. 42615/21. Em resumo, LUCAS portava, por ocasião da prisão em flagrante, realizada por integrantes da Brigada Militar, uma pistola Glock 9mm, cujo número de série fora suprimido (arma “raspada”), conforme igualmente documentado nos autos e indicado pela sentença condenatória.

Ora, negar liame subjetivo entre o porte ilegal de arma e a circunstância de prisão em flagrante por boca de urna revela-se, assim, inviável. Nos depoimentos, a policial militar Bianca da Silva Correa relatou que durante a busca encontraram uma arma de fogo com um dos suspeitos e que a arma de fogo estava na posse de LUCAS, na cintura, e que essa arma estava municiada. O policial militar Dartagnan Iastzmbski Venes informou que durante a revista encontraram uma pistola calibre 9 mm, que estava municiada, e afirmou que a arma apreendida estava na posse de LUCAS e, por seu turno, o policial militar Rafael Marques Oliveira disse que durante essa operação, encontraram uma arma de fogo, de posse de LUCAS.

E, como é cediço, identificada a conexão entre crimes comuns e crimes eleitorais (ainda que em hipótese), a competência recai sobre a Justiça Eleitoral, considerado sobretudo paradigmático julgamento pelo e. Supremo Tribunal Federal nos autos do quarto Agravo Regimental do Inquérito n. 4435, relator Ministro Marco Aurélio, em que a Excelsa Corte reafirmou posicionamento antes externado – PET 5.700/DF, Min. Celso de Mello, 22.9.2015, e CC n. 7.033/SP, Min. Sydney Sanches, 02.10.1996.

Afasto, assim, a alegação de inexistência de conexão.

2. Mérito.

A peça inicial da presente ação criminal trouxe a seguinte narrativa de parte do Ministério Público Eleitoral:

1º FATO: No dia 15 de novembro de 2020, por volta da 16h20min, Rua G, na via pública, próximo ao n. 279, Bairro Promorar, em Viamão, CARLOS ALEXANDRE FERREIRA DA SILVA e LUCAS MACHADO DA SILVA, em comunhão de esforços e conjugação de vontades entre si e com o inimputável Rafael Ferreira, realizaram propaganda de boca de urna.

2º FATO: Nas mesmas circunstâncias de tempo e local do 1º fato, LUCAS MACHADO DA SILVA portou 01 pistola, marca Glock, calibre 9mm, municiada com 05 munições de mesmo calibre, com numeração suprimida.

3º FATO: Nas mesmas circunstâncias de tempo e local do 1º fato, CARLOS ALEXANDRE FERREIRA DA SILVA e LUCAS MACHADO DA SILVA, em comunhão de esforços e conjugação de vontades entre si, corromperam Rafael Ferreira, menor de 18 anos de idade, com ele praticando o crime de boca de urna.

Circunstâncias comuns a ambos os fatos: Por ocasião dos fatos, o denunciado CARLOS ALEXANDRE FERREIRA DA SILVA e o adolescente Rafael Ferreira realizavam panfletagem com material de campanha de dentro do veículo GM Classic, de placa IOW3037, enquanto que LUCAS fazia o mesmo, mas desembarcado. Ato contínuo, ao perceber a aproximação de guarnição da Brigada Militar, LUCAS correu para o interior do automóvel.

Realizados acompanhamento e abordagem, em revista pessoal, foi localizada a arma de fogo, municiada, na cintura de LUCAS. No interior do automóvel os policiais localizaram e apreenderam cerca de 4 kg de material publicitário de candidato à eleição. O adolescente Rafael foi apreendido e contra ele foi confeccionada a Ocorrência 9747/2020/100464. Os crimes foram praticados período de calamidade pública1.

Assim agindo, incorreu o denunciado CARLOS ALEXANDRE FERREIRA DA SILVA nas sanções do art. 39, § 5º, II, da Lei 9.504/1997, e do art. 244-B, caput, da Lei 8.069/1990, e o denunciado 1 Declarado pelo Decreto Estadual nº 55.128/2020, reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 11.220 e reiterado pelo Decreto Estadual nº 55.240/2020, reiterado diversas vezes, incluindo pelo Decreto Estadual nº 55.782/2021.

LUCAS MACHADO DA SILVA incorreu nas sanções do art. 35, § 5º, II, da Lei 9.504/1997; do art. 244-B, caput, da Lei 8.069/1990, e do art. 16, § 1º, IV, da Lei 10.826/2003 , na forma dos arts. 61, II, j, e 69, caput, ambos do Código Penal.

E para que contra eles se proceda, oferece o Ministério Público a presente denúncia, requerendo seja recebida e autuada, determinando-se a citação dos denunciados para responder à acusação.

Requer, após, seja admitida a denúncia e designada audiência para inquirição das pessoas abaixo arroladas e interrogatórios dos réus, até final julgamento e condenação. Requer, ainda, sejam os denunciados condenados ao pagamento de indenização pelos crimes praticados, nos termos do art. 91, I, do Código Penal, e do art. 387, IV, do Código de Processo Penal.

 

E a sentença condenatória trouxe os seguintes elementos de fundamentação:

(...)

No mais, narra a denúncia, sucintamente, que o acusado, praticou o crime eleitoral de propaganda de boca de urna e porte ilegal de arma de fogo de uso restrito.

Os fatos imputados ao denunciado enquadram-se, em tese, no artigo 39, § 5º, inciso II, da Lei 9.504/1997 e do artigo 16, §1º, inciso IV, da Lei n.º 10.826/03, que assim prevê:

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

...

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;

1º Fato – Artigo 39, § 5º, inciso II, da Lei 9.504/1997:

O crime em questão é caracterizado pela mera conduta, conforme assentado na jurisprudência:

RECURSO. CRIME ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. PRÁTICA DO DELITO DE BOCA DE URNA. ART. 39, § 5º, INC. II, DA LEI N. 9.504/97. SENTENÇA CONDENATÓRIA. DEMONSTRADA A MATERIALIDADE E AUTORIA. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. REDUÇÃO DO PERÍODO DE CUMPRIMENTO DA PENA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. CONVERSÃO DA MULTA EM MOEDA CORRENTE. CUMPRIMENTO IMEDIATO DA PENA. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que condenou a recorrente pela prática do delito de boca de urna, tipificado no art. 39, § 5º, inc. II, in fine, da Lei n. 9.504/97. O delito imputado exige a distribuição de material de propaganda a eleitores ou a manifestação eleitoral que não seja realizada de forma individual e silenciosa, comportamento ressalvado no caput do art. 39-A da Lei das Eleicoes. Nos termos da jurisprudência do TSE, o crime é de mera conduta, consumando-se com a simples distribuição de material de propaganda política. 2. Materialidade do delito e autoria suficientemente demonstradas. Maculado o livre exercício do voto e a lisura do processo de sua obtenção, bens jurídicos tutelados pela norma eleitoral. Na ausência de qualquer causa excludente de tipicidade, antijuridicidade ou de culpabilidade, a manutenção da condenação deve prevalecer. 3. Redução do período de cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade, a fim de não inviabilizar o exercício de atividade laborativa pela recorrente, em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Conversão da multa fixada na sentença para moeda corrente nos termos do art. 85 da Resolução TSE n. 21.538/03. 4. Alinhamento desta Corte à orientação jurisprudencial firmada pelos tribunais superiores, a fim de acolher a promoção ministerial pelo cumprimento imediato da pena, ainda que provisoriamente. 5. Provimento parcial. (TRE-RS - RC: 2758 BAGÉ - RS, Relator: RAFAEL DA CÁS MAFFINI, Data de Julgamento: 04/06/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 103, Data 07/06/2019, Página 9)

Ademais, registro que o tipo penal em voga busca, mormente, resguardar o direito do eleitor de, no dia da eleição, exercer sua liberdade de voto, em um ambiente tranquilo, sem sofrer nenhuma espécie de pressão ou constrangimento por outras pessoas.

No crime de “boca de urna, a propaganda ocorre de forma pessoal, direta, por exemplo: mediante ostentação de bandeiras e estandartes, distribuição de santinhos e panfletos aos eleitores que se apresentam para votar”. (GOMES, José Jairo, Crimes e Processo Penal Eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015, pág. 226).

Entretanto, importante deixar assente que o legislador, então, resguardando a liberdade de expressão, enquanto direito fundamental, inseriu a regra prevista no art. 39-A, caput, do mesmo diploma legal, ponderando, pois, a vedação genérica contida no art. 39, § 5º, da Lei nº 9.504/97:

“É permitida, no dia das eleições, a manifestação individual e silenciosa da preferência do eleitor por partido político, coligação ou candidato, revelada exclusivamente pelo uso de bandeiras, broches, dísticos e adesivos.”

A esse propósito, faz-se mister trazer à colação o entendimento doutrinário:

“A Lei Maior assegura a liberdade de expressão, traduzida em direito subjetivo público de manifestação do pensamento. O que se veda é a realização de propaganda eleitoral, não o exercício do direito de opinião. Este não poderia jamais ser completamente suprimido, sob pena de sucumbir à essência do regime democrático. Isso porque está-se diante de cláusula pétrea, que não pode ceder a lei ordinária. De maneira que a só a manifestação individual e silenciosa do eleitor não chega a realizar a figura típica em tela”. [grifou-se] (GOMES, José Jairo. Crimes e Processo Penal Eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015, pág. 227).

Pois bem, a materialidade do delito vem consubstanciada pelo Auto de Prisão em Flagrante (pág. 24),Ocorrência Policial n.º 9743/2020/100464 (pág. 28), Auto de Apreensão (pág. 33), Inquérito Policial nº 1912/2020/100461/A e laudo pericial nº 42615/2021 (pág. 224),assim como pela prova oral colhida.

O acusado não foi interrogado, eis que revel.

A policial militar Bianca da Silva Correa relatou que estavam realizando patrulhamento de rotina quando avistaram dois indivíduos do lado de fora de um veículo e outro indivíduo dentro do carro, todos eles envolvidos na distribuição de panfletos eleitorais. Quando perceberam a presença da polícia, os indivíduos entraram no veículo e partiram. Os policiais conseguiram abordá-los, e durante a busca, encontraram uma arma de fogo com um dos suspeitos, bem como vários materiais eleitorais, como panfletos, santinhos e adesivos, dentro do carro. No entanto, a policial Bianca não conseguiu recordar a qual candidato esse material estava relacionado. Ela afirmou que a arma de fogo estava na posse de Lucas e que essa arma estava municiada. Além disso, os indivíduos que estavam do lado de fora do carro estavam envolvidos na distribuição de panfletos, enquanto acredita que o menor de idade estava dentro do veículo.

O policial militar Dartagnan Iastzmbski Venes informou que estavam conduzindo uma patrulha de rotina em uma Zona Eleitoral próxima à escola Frederico Dihl, localizada no Jardim Krahe. Durante o patrulhamento, eles avistaram três indivíduos envolvidos em atividades de boca de urna, que é uma prática ilegal relacionada a atividades eleitorais. Quando os policiais se aproximaram, os suspeitos entraram em um veículo e tentaram fugir. Os policiais iniciaram uma perseguição e conseguiram abordá-los. Durante a revista, encontraram uma pistola calibre 9 mm, que estava municiada, com um dos suspeitos. No interior do veículo, havia vários panfletos relacionados a um candidato. O policial Dartagnan Iastzmbski Venes afirmou que a arma apreendida estava na posse de Lucas, mas não conseguiu recordar qual candidato os suspeitos estavam apoiando. Ele também mencionou que todos os suspeitos estavam distribuindo panfletos em frente à escola que estava sendo usada como local de votação. É importante destacar que o motorista do veículo não era Lucas, e havia um menor de idade entre os suspeitos, que era irmão do motorista.

O policial militar Rafael Marques Oliveira disse que estavam conduzindo operações de policiamento nas proximidades de escolas designadas como locais de votação. Durante essa operação, eles avistaram indivíduos dentro de um veículo e outro indivíduo caminhando ao lado do veículo, distribuindo panfletos relacionados a um candidato. Os policiais tentaram abordá-los, mas os suspeitos fugiram com o veículo. Mais tarde, os policiais conseguiram abordar os suspeitos em questão. Durante uma revista, encontraram uma arma de fogo. O policial Rafael Marques Oliveira não conseguiu recordar qual candidato estava sendo apoiado pelos suspeitos. Ele afirmou que Lucas estava na posse da arma de fogo, que estava municiada. É importante ressaltar que essa abordagem ocorreu nas proximidades de uma escola que estava sendo usada como local de votação.

Importante mencionar que o acusado não foi interrogado, pois a sua revelia foi decretada. Por outro lado, os depoimentos dos policiais militares foram consistentes ao afirmar que Lucas e Carlos Alexandre estavam envolvidos na distribuição de panfletos relacionados a um candidato nas proximidades de uma escola que servia como local de votação.

Destarte, a prova oral é eficaz e os demais elementos probatórios são contundentes, sendo robustos os dados de convicção que se harmonizam e conduzem à certeza moral para sua condenação, pois dúvidas não pairam de que o réu distribuiu panfletos relacionados a um candidato no dia do pleito, próximo às seções eleitorais. Assim, o réu amoldou a sua conduta ao tipo penal descrito no artigo 39, § 5º incisos II da lei 9504/97, a seguir descrito: “Art. 39. § 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR. (...) II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna. Não há que se falar, portanto, em absolvição conforme pleiteia a Defesa.

2 º Fato - Art. 16, § 1º, IV, da Lei 10.826/2003:

A existência do fato vem comprovada pelo auto de apreensão (pág. 20), pela imagem da apreensão (pág. 30) e pelo laudo pericial definitivo n.º 42615/2021 referente a arma apreendida (pág. 224). A prova oral, por sua vez, é contundente no sentido de quem portava a arma de fogo era o acusado Lucas.

Com base nas evidências disponíveis nos registros do caso, a autoria do incidente está claramente estabelecida e é apoiada por testemunhos apresentados nos autos. Além disso, foi identificada a apreensão de uma pistola da marca Glock, modelo 17 Gen 4, cujo número de série foi suprimido, conforme documentado na página 20 dos registros.

Registra-se, ainda, que, de acordo com o entendimento das Cortes Superiores e do TJRS, pouco importa se a arma é de uso permitido ou não quando possui numeração raspada, ainda que seja parcialmente identificada posteriormente por exame químico metalográfico (Apelação Criminal n.º 70065274417, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Júlio César Finger, Julgado em 25/05/2016).

Consigna-se que o tipo penal em tela não exige que o agente pretenda utilizar a arma de fogo para prática de crimes. Basta que incorra numa das condutas tipificadas. Por essa razão, o crime em apreço é considerado como de mera conduta, ou seja, não exige nenhum resultado fático para sua consumação (HC 158.279/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 16/09/2010, DJe 16/11/2010).

Dito isso, e sabendo-se que tenha sido apreendido uma pistola com numeração raspada, a conduta é, efetivamente, aquela prevista no art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei n.º 10.826/03.

Sendo assim, a condenação do denunciado é medida que se impõe.

Adianto que a sentença é, em uma palavra, irretocável. É possível extrair dos autos, e com tranquilidade, a materialidade e a autoria dos crimes pelos quais LUCAS fora condenado pelo juízo de origem.

Note-se que, muito embora tenha lhe sido ofertada oportunidade de exercício do direito à ampla defesa, o recorrente foi declarado revel – e não se fez presente para contrapor, por exemplo, o testemunho de 3 (três) policiais militares (Bianca da Silva Correa, ID 45612061, Dartagnan Iastzmbski Venes, ID 45612062, e Rafael Marques Oliveira, ID 45612063, todos depoimentos gravados no formato “mp4”, em áudio e vídeo) absolutamente coerentes intrinsecamente e entre si, no sentido de que ocorrera abordagem a três indivíduos (um dos quais LUCAS) que em 15.11.2020 (dia da eleição em primeiro turno, naquele ano) distribuíam panfletos (santinhos) relacionados a candidato a vereador. Houve tentativa de evasão e a abordagem somente ocorreu após rápida perseguição policial.

Durante a revista, foi encontrada farta quantidade de material de campanha eleitoral (cerca de 4 quilos) e uma pistola Glock 9mm, com a numeração raspada. Dartagnan indica que o motorista não era LUCAS, e Bianca referiu que “o que estava fora do carro estava distribuindo santinhos”.

LUCAS praticou, portanto, forma induvidosa, a distribuição ilegal de propaganda eleitoral no dia da eleição, configurando o tipo penal de prática de “boca de urna” (art. 39, § 5º, inc. II, parte final, da Lei n. 9.504/97), em concurso material com o crime de porte ilegal de arma de fogo (art. 16, § 1º, inc. IV, da Lei n. 10.826/03).

A sentença, como referido, não merece reparos.

3. Questão incidental. Fixação de honorários. Advogado dativo.

Trato, a título de desfecho, do pedido de fixação de honorários, realizado pelo defensor nomeado dativo, atuante no primeiro grau de jurisdição, Dr. Gustavo Saara Gemignani, OAB/RS 76.916, ID 45617553.

Em seu parecer (ID 45635935), a Procuradoria Regional Eleitoral opinou como segue:

Por derradeiro, no que toca à fixação de honorários ao advogado dativo, sabe-se que este “tem direito aos honorários fixados pelo magistrado e pagos pelo Estado de acordo com os valores mínimos estabelecidos na tabela da Ordem dos Advogados do Brasil da respectiva Seccional. Precedentes.” (STJ. RE nos EDcl no AgInt no REsp n. 1.544.484, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 16/12/2019) Assim, frente à omissão da sentença neste pormenor, mas considerando que a lei processual penal admite o suplemento dos princípios gerais de direito (art. 3º do CPP) – como a razoabilidade e a eficiência (art. 8º do CPC) –, deve essa egrégia Corte fixar os honorário do peticionante, nos termos rezados pelo CPC e também tendo como parâmetro os valores arbitrados à advogada dativa que o antecedeu. (ID 45612089) Ante o exposto, o Ministério Público Eleitoral, por seu agente signatário, manifesta-se pelo desprovimento do recurso, bem como pela fixação de honorários ao advogado dativo.
 

Não é tarefa facilitada a fixação de valores sobre a realização de trabalho de quem quer que seja. Dito isso, julgo que o caso concreto merece solução intermediária, sem que, expressamente indico, tenha o condão de criar precedente.

Explico.

Há, como base regulamentar, a Tabela de Valores da Justiça Federal (Resolução nº 305/2014-CJF, com alteração promovida pela Resolução n. 775, de 28.6.2022) que estabelece limites mínimos e máximos a serem arbitrados como honorários ao defensor dativo em ações criminais, a saber: R$ 212,49 e R$ 536,83. A advogada que precedeu o Dr. Gustavo, Dra. Rita de Cássia de Moura, teve arbitrados honorários, em 31.8.2023, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), por ter realizado uma petição de defesa e representação em duas audiências (23.5.2023 e 08.8.2023, ID 45612089).

Entendo que não se pode olvidar da especialidade da matéria eleitoral, inclusive na seara penal, de modo que os parâmetros estabelecidos pelo Conselho da Justiça Federal devem ser seguidos com a permissão eventual, tópica, de que, em situações pontuais - como as que se identificam nesta Especializada -, o valor possa ser ligeiramente majorado.

Esta é a minha posição pessoal, evidentemente que sob censura dos eminentes colegas – aliás, cuida-se aqui de tema que tem recebido neste Plenário, no mais das vezes, julgamento por maioria: por exemplo, o RecCrimEleit 0000063-46.2015.6.21.0021, relator o então Des. Afif Jorge Simões Neto, em que por apertada maioria, quatro votos a três, assim restou decidido:

RECURSO CRIMINAL. PECULATO. CONTINUIDADE DELITIVA. MATÉRIA PRELIMINAR. TEMPESTIVIDADE. PRESCRIÇÃO. EMENDATIO LIBELLI. RECLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS REALIZADA DE OFÍCIO. PECULATO-DESVIO. ART. 1º, INC. I, DO DECRETO-LEI N. 201/67. MÉRITO. DESVIO DE PATRIMÔNIO PÚBLICO. FINALIDADE DE REELEIÇÃO AO CARGO DE PREFEITO. EVIDENCIADO O DOLO. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DEMONSTRADA AUTORIA E MATERIALIDADE. APLICAÇÃO DA PENA. REFORMA. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS. DEFENSOR DATIVO. PARCIAL PROVIMENTO. (...) 8. Honorários ao defensor dativo. Especialidade da matéria eleitoral, inclusive na seara penal, de modo que os parâmetros estabelecidos pelo Conselho da Justiça Federal devem ser seguidos, mas com a permissão eventual de que, em situações pontuais - como a que ora se identifica -, o valor possa ser majorado. Dada a complexidade da matéria, o volume de provas e o trâmite do presente processo, mostra-se justa a fixação dos honorários acima do estipulado pelo CJF e abaixo da tabela de honorários da OAB para defesa criminal em procedimento comum. Majorados os honorários ao defensor dativo. (...) (Grifei.)
 

Na ocasião (recente, processo julgado aos 19.12.2023) o valor arbitrado foi de R$ 8.000,00 e considerou o fato de que a primeira sentença foi declarada nula por este Tribunal, ocasionando o retorno dos autos à origem. O voto de desempate foi proferido pela então Presidente desta Corte, Desa. Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak. Transcrevo elucidativo trecho, o qual, adianto, expressamente adoto como razões de decidir:

“Quanto ao arbitramento dos honorários advocatícios, questão que gerou maiores debates, também acompanho o Desembargador Relator, Afif Jorge Simões Neto, com as ponderações por ele trazidas no voto e os acréscimos da Desembargadora Patrícia da Silveira Oliveira, e do Desembargador Caetano Cuervo Lo Pumo.

Todos muito bem referiram o trabalho que o profissional da advocacia desenvolveu ao longo deste processo, que tramitou durante muitos anos, tratando de vários fatos que demandaram esforço, situação que há de ser valorizada.

Ademais, eu não vejo como vinculantes os temas repetitivos, em especial o de número 984, na Justiça Especializada Eleitoral, que sequer tem seus casos apreciados pelo Superior Tribunal de Justiça.

As teses, no meu ponto de vista, não vinculam os julgados da Justiça Eleitoral, pois os recursos são apreciados pelo Tribunal Superior Eleitoral. Desse modo, muito embora se possa ter alguma orientação jurídica, as decisões do STJ não podem vincular os julgamentos analisados pela Justiça Eleitoral – em razão do caráter especialíssimo da matéria, por exemplo, lembro que o próprio Código de Processo Civil é utilizado de forma subsidiária, devendo ser observada, sempre, a compatibilidade sistêmica em relação às demandas eleitorais, a teor do artigo 2º da Resolução TSE n. 23.478/2016. Ora, se a legislação federal necessita sofrer adaptações para o bom andamento dos processos eleitorais, é certo que a atuação dos profissionais, nesta Especializada, há igualmente de ser sopesada conforme as peculiaridades da Justiça Eleitoral, e não apenas se balizar, forma cogente, em uma orientação de outro ramo do Poder Judiciário.

Temos, ainda, outro ponto, trazido pelo Desembargador Ricardo Teixeira do Valle Pereira e também pelo Desembargador José Luiz John dos Santos, que diz respeito à questão orçamentária. Parece-me que é possível superar esta questão orçamentária, porque aqui se trata de uma decisão judicial fixando honorários advocatícios. Não estamos apenas no âmbito administrativo, normativo dos tribunais, que necessitam, obviamente, observar previsões de orçamento.

A decisão judicial, por sua natureza, pode (e em alguns casos, deve) se sobrepor a essas questões prévias de reserva de orçamento para pagamento de honorários previstos em Tabela, porque aqui não estamos aplicando uma tabela, mas cumprindo uma decisão judicial que fixou honorários advocatícios, até mesmo para que seja possível analisar, no caso concreto, a mais justa remuneração ao profissional da advocacia “(...)conforme o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado e o tempo despendido para o serviço”, nos termos do voto da Desa. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, relatora do Recurso Eleitoral nº 5153, publicado no DJe do TRE-RS na data 11/11/2016.
 

Portanto, da análise dos autos, considerada a complexidade da matéria, o volume de prova e o trâmite do presente processo, arbitro os honorários do advogado Gustavo Saara Gemignani em R$ 3.000,00 (três mil reais), razoavelmente acima do indicado pelo CJF e, também, consideravelmente abaixo da tabela de honorários da OAB (pois, em acesso ao site da Seccional Rio Grande do Sul, há a indicação do valor de R$ 32.829,40 para defesa por crime eleitoral, acesso em 19.8.2024).

Saliento que considero a tabela do digno órgão de classe um instrumento bastante válido, mas que serve, obviamente, para orientar a advocacia de caráter privado, sem cogência, portanto, sobre casos de advocacia dativa, sob pena de inviabilizar a nomeação de advogados em casos criminais. A presente situação, inclusive, bem demonstra o quão recomendável é a remessa de processos aos órgãos da Defensoria Pública no presente grau de jurisdição. O trabalho do advogado peticionante foi parcial, circunscrito a parcela do trâmite perante o primeiro grau de jurisdição.

Penso que a presente fixação obedece ao vetor de avaliação caso a caso, indicado nos precedentes deste Tribunal, "(…) conforme o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado e o tempo despendido para o serviço. Critérios a serem observados casuisticamente, de modo a alcançar a justa remuneração. (…)" (Recurso Eleitoral n. 5153, Acórdão, Relatora Desa. Maria de Lourdes Braccini, DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 206, Data: 11/11/2016, Página 2).

Diante do exposto, VOTO para (i) afastar a preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral, no que toca ao crime de porte ilegal de arma; (ii) no mérito, negar provimento ao recurso; e (iii) fixar em R$ 3.000,00 (três mil reais) os honorários do advogado dativo atuante no primeiro grau, nos termos da fundamentação.