REl - 0600106-62.2024.6.21.0038 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/09/2024 às 14:00

VOTO

Preliminarmente, a Procuradoria Regional Eleitoral requer o não conhecimento do recurso em razão de sua intempestividade, pois da publicação da sentença (27.8.2024) a interposição do recurso (02.9.2024) teria decorrido prazo superior a três dias corridos como previsto no art. 58, § 2º, da Resolução TSE n. 23.609/19, c/c art. 8°, caput, da Lei Complementar 64/90.

Em que pese o argumento do órgão ministerial, ao enfrentar o tema nas Eleições Municipais de 2020, esta Casa superou preliminar semelhante ao reafirmar a vigência do art. 58, § 3º, da Resolução TSE n. 23.609/19 no sentido de que: “Se a publicação e a comunicação referidas no § 1º ocorrerem antes de três dias contados da conclusão dos autos à juíza ou ao juiz eleitoral, o prazo para o recurso eleitoral passará a correr, para as partes e para o Ministério Público, do termo final daquele tríduo", na forma das razões de decidir do voto do ilustre Desembargador Eleitoral Armínio José Abreu Lima da Rosa (TRE/RS, REl n. 0600125-10, Desembargador Eleitoral Armínio José Abreu Lima da Rosa, Publicado em Sessão, 04.11.2020):

Inicialmente, anoto que a preliminar arguida pela Procuradoria Regional Eleitoral, de que o recurso seria manifestamente intempestivo, não comporta acolhida.

Com efeito, a conclusão dos autos ao juízo, para decisão, foi feita no dia 07.10.2020 (ID 7447433) e a sentença prolatada e publicada no mural eletrônico no mesmo dia, incidindo o disposto no art. 58, § 3º, da Resolução TSE n. 23.609/19, verbis

(...)

Logo, considerando a data da conclusão, 07 de outubro, o termo final do tríduo para o juiz prolatar a sentença se deu 10 de outubro, iniciando-se nessa data a contagem do prazo de três dias para a interposição de recurso.

Assim, o apelo é tempestivo, pois protocolado em 13.10.2020 (ID 7447933).

Com essas considerações, rejeito a preliminar

(TRE/RS, REl n. 0600125-10, Desembargador Eleitoral Armínio José Abreu Lima da Rosa, Publicado em Sessão, 04/11/2020)

Na presente hipótese, concluiu-se os autos para julgamento no mesmo dia da publicação da sentença em mural (27.8.2024), desta maneira o prazo recursal somente começou a correr após o decurso do tríduo para o juiz prolatar a sentença (art. 58, § 3º, da Resolução TSE n. 23.609/19), apresentando-se, assim, tempestivo o recurso apresentado em 02.9.2024.

Desta forma, rejeito a preliminar.

Quanto ao mérito, Rosangela Soder Reimann recorre da sentença que indeferiu o seu requerimento de registro de candidatura por não demonstrar sua regular filiação partidária à sigla PODE (Podemos) sob a qual pretende concorrer.

Alega que, em 01.4.2024, o PL (Partido Liberal) indevidamente registrou a recorrente, sem sua anuência, no sistema FILIA (Sistema de Filiação Partidária) e, por esse motivo, teve seu vínculo partidário ao PODE automaticamente excluído nesta mesma data, conforme certidão de ID 45686409.

Juntou na contestação, antes da sentença, correspondência eletrônica do Diretório Estadual do PL no Estado do Rio Grande do Sul por erro de integração entre o sistema de gerenciamento próprio de filiação (DATAVENCE) e o da Justiça Eleitoral (FILIA), no período de dezembro de 2023 a abril 2024, foram lançadas diversas filiações em abril sem conferência das fichas de filiação ou de novas anotações no FILIA, de forma automática, incluindo-se equivocadamente a recorrente (ID 45686412):

Prezado Presidente, boa tarde.

A título de esclarecimento, referente as filiações do município de Rio Pardo, conforme relação enviada à direção estadual, informamos:

1. Recentemente tivemos um problema em nosso sistema de gerenciamento partidário (DATAVENCE), onde mais de 2.000 filiações on-line ficaram aguardando processamento/transmissão para o sistema oficial FILIA (TSE). Este problema teve início em Dezembro/23, prevalecendo até o presente momento.

2. Considerando o prazo legal para pré-candidatos (06/04), e a janela partidária para vereadores (05/04), o Partido Liberal, através das municipais, com auxílio da Estadual, realizou as respectivas filiações diretamente no sistema FILIA (TSE), e com isso, migraram-se via sistema, todas as filiações que estavam cadastradas no Sistema DATAVENCE deste período (dez/23 a abr/24), e pelo que foi identificado, a pessoa relacionada de Rio Pardo (Rosangela Soder Reimann - CPF 637.529.690/15 - TE 006149790400), estava neste cadastro do DATAVENCE, aguardando o processamento de conclusão da sua filiação.

3. Neste período, o sistema em si, não identifica se a pessoa assinou ficha de filiação em outro partido, isso só ocorre, se a própria pessoa comunicar o PL da sua desfiliação partidária. Considerando que não houve este comunicado, o sistema processou automaticamente a filiação, pois estava dentro de um banco de dados, previamente cadastrada, aguardando apenas a transmissão de dados do sistema DATAVENCE, para o sistema FILIA do TSE.

4. Considerando que a relação que nos foi informada, do filiado de Rio Pardo, o qual teria neste intervalo de tempo, assinado ficha de filiação ao Partido Podemos, recomendamos, que o respectivo filiado, compareça ao Cartório Eleitoral, apresente a ficha de filiação, e comunique que não mais permanece no Partido Liberal, para que seja considerado a filiação no atual partido Podemos, visto que não há comprovação de assinatura de ficha no Partido Liberal.

Atenciosamente,

Direção Estadual do PL - 22/RS

O fato, aliás, ganha relevo jurídico, pois o registro mais recente de filiação constante do lançamento eletrônico da filiação nos sistemas da Justiça Eleitoral importa no cancelamento automático dos vínculos partidários anteriores, na forma do parágrafo único do art. 22 da Lei n. 9.096/95 e do art. 22, caput, da Resolução TSE n. 23.596/19.

Recordo que, em determinadas circunstâncias, é possível, com segurança, afastar a regra da prevalência da anotação mais recente, como neste caso no qual está presente a declaração do partido de inexistência da ficha de filiação correspondente ao registro mais recente no FILIA, bem como provável erro no sistema.

Por oportuno, sublinho que esta Casa, em voto de minha relatoria, alinhou-se ao entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que, “não havendo segurança sobre a real data de filiação e considerando a manifestação expressa da recorrente de permanecer vinculada à filiação mais antiga” (TRE/RS, REl n. 0600014-53, Relatora Desembargadora Eleitoral Patricia Da Silveira Oliveira, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 06.8.2024):

RECURSO. PEDIDO DE MANUTENÇÃO DE FILIAÇÃO. IMPROCEDENTE. DETERMINADA A VALIDADE DA FILIAÇÃO MAIS RECENTE. SÚMULA TSE N. 20. FICHA DE FILIAÇÃO. DOCUMENTO UNILATERAL. DESTITUÍDO DE FÉ PÚBLICA. INCAPAZ DE COMPROVAR A DATA DE FILIAÇÃO. AUSENTE SEGURANÇA SOBRE DATA DA NOVA FILIAÇÃO. POSSIBILIDADE DE QUEBRA DA BOA-FÉ OBJETIVA. IN DUBIO PRO IUS HONORUM. RESPEITO À CAPACIDADE PASSIVA ELEITORAL DA RECORRENTE. REFORMA DA SENTENÇA. CANCELADA FILIAÇÃO MAIS RECENTE E MANTIDA A MAIS ANTIGA. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente pedido de manutenção de filiação, ajuizada contra o diretório municipal de partido político. Determinado o cancelamento da filiação mais antiga e a validade da filiação mais recente, sob o fundamento de que a data de filiação é verificada pelo preenchimento da ficha, não pelo registro no sistema;

2. O registro mais recente de filiação nos sistemas da Justiça Eleitoral importa no cancelamento automático dos vínculos partidários anteriores, na forma do parágrafo único do art. 22 da Lei n. 9.096/95 e do art. 22, caput, da Resolução TSE n. 23.596/19. Por outro lado, a ficha de filiação caracteriza, nos termos da jurisprudência pacífica, documento produzido unilateralmente incapaz de comprovar a data de filiação. De acordo como o Enunciado da Súmula TSE n. 20, não pode a referida ficha, destituída de fé pública, ser considerada isoladamente para a determinação da data de filiação, devendo-se aferir o tempo de filiação também por outros elementos de convicção.

3. Precedente do TSE no sentido de que: “Em determinados casos de contornos excepcionais, nos quais evidenciada controvérsia acerca da existência de mácula na filiação com data mais recente, decorrente de fraude ou fortes evidências de coação ou vício na vontade do eleitor, denotando possível abuso de direito, cabe uma análise cognitiva mais ampla, de modo a viabilizar o exame de circunstâncias e fatos capazes de contribuir com a formação da convicção do julgador para além da interpretação literal do disposto no parágrafo único do art. 22 da Lei nº 9.096/95.” (TSE - RespEl 0600104-65, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Publicação: DJe, 23.3.2021)

4. Na hipótese, indícios de preenchimento da ficha de filiação em data posterior à da filiação. Possibilidade de quebra da boa-fé objetiva sobre a anuência da eleitora-recorrente a respeito de elemento essencial do ingresso nos quadros da grei. Dúvida razoável. Não havendo segurança sobre a real data de filiação e considerando a manifestação expressa da recorrente de permanecer vinculada à filiação mais antiga, a solução deve preservar ao máximo o exercício da sua capacidade eleitoral passiva. Assente na ponderação dos princípios constitucionais da autonomia partidária (art. 17, § 1º, CF/88), dos direitos fundamentais à cidadania (art. 1º, inc. II, CF/88) e à liberdade de associação (art. 5º, inc. XX, CF/88). Ademais, a retenção de filiado contra a sua expressa vontade de deixar os quadros partidários representaria possível abuso de direito.

5. In dubio pro ius honorum. Respeitada a máxima realização da capacidade passiva eleitoral da recorrente, decorrência direta de fundamento deste Estado Democrático de Direito, a cidadania. Reforma da sentença. Cancelada a nova filiação e mantida a mais antiga.

6. Provimento.

(TRE/RS, REl n. 0600014-53, Relatora Desembargadora Eleitoral Patricia Da Silveira Oliveira, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 06/08/2024) (Grifei.)

A propósito, a candidata-recorrente nega ter assinado qualquer ficha de filiação ao PL em 01.4.2024, ou seja, ausente sua anuência para nova reinclusão ao sistema FILIA (ID 45686407). Adicionalmente, nenhuma comprovação da nova filiação veio aos autos.

Assim, em face das especificidades deste caso concreto, havendo reconhecimento do equívoco pela agremiação que realizou a anotação mais recente no FILIA e considerando a manifestação expressa da candidata ao cargo de vereador de permanecer filiada ao PODE, entendo que, a partir da ponderação dos princípios constitucionais da autonomia partidária (art. 17, § 1º, CF/88) e dos direitos fundamentais à cidadania (art. 1º, inc. II, CF/88) e à liberdade de associação (art. 5º, inc. XX, CF/88), a solução deve preservar ao máximo o exercício da capacidade eleitoral passiva da recorrente.

Por conseguinte, divirjo da Procuradoria Regional Eleitoral e entendo tempestivo o recurso e, no mérito, presente o requisito de filiação partidária para deferir o pedido de candidatura da recorrente para participar das Eleições Municipais de Rio Pardo. Verifico que, segundo a sentença, inexiste outro impedimento ao deferimento do registro de candidatura da recorrente.

Ante o exposto, rejeito a preliminar apresentada pela Procuradoria Regional Eleitoral e VOTO pelo provimento do recurso de ROSANGELA SODER REIMANN para reformar a sentença, a fim de deferir seu requerimento de registro de candidatura para concorrer ao cargo de vereadora no pleito de 2024.