RecCrimEleit - 0600026-14.2023.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/09/2024 às 14:00

VOTO

De plano, verifico que a presente ação penal padece de nulidades, consistentes na falta de regular citação da recorrente para responder à denúncia e na ausência de proposta de suspensão condicional do processo, por suposto descumprimento de acordo de não persecução penal formalizado com o Ministério Público Eleitoral em face da ausência de intimação pessoal do defensor público que assistia a recorrente sobre os atos do processo.

A matéria pode ser reconhecida de ofício, nos termos do enunciado da Súmula n. 523 do STF, uma vez que o processo tramitou à revelia da ré, com nomeação de advogado dativo em primeira instância e atual patrocínio da defesa pela Defensoria Pública da União, e que no processo penal a deficiência da defesa técnica é causa de nulidade quando provado o prejuízo para o réu, sendo esse o caso dos autos.

Inicialmente, verifica-se que na denúncia o Ministério Público Eleitoral afirma que: “deixa de propor à denunciada a SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO, em face do descumprimento do ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP), nos autos do Processo de Execução de Medidas Alternativas no Juízo Comum nº 0600066-30.2022.6.21.0045, da 45ª Zona Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, consoante autoriza o disposto no artigo 28-A, § 11, do CPP” (ID 45655914, p. 6).

O termo de acordo de não persecução penal (ANPP) foi juntado ao ID 45655920 (p. 7-11), e nele consta que a investigada estava assistida por defensor público. De acordo com a cláusula 3ª do documento: “Cláusula 3ª: a INVESTIGADA obriga-se a: - prestar um mês de serviços comunitários, à razão de 5 horas semanais, em entidade a ser designada pelo Juízo ‘e’ pagar, a título de prestação pecuniária, o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), parcelados em 10 (dez) vezes mensais de R$ 50,00 (cinquenta reais), a ser depositado na conta judicial das penas alternativas”.

Sobre a homologação do acordo, dispõe a cláusula 8ª “Cláusula 8ª: Para que produza seus jurídicos e legais efeitos, o órgão ministerial abaixo nominado submeterá o presente acordo à apreciação judicial, devendo as partes comparecer em audiência perante o juiz para fins de homologação, nos termos do § 4.º do art. 28-A do Código de Processo Penal”. Além disso, foi consignado no ANPP: “Por fim, consigna-se que, tendo sido gravada a audiência ajuste de ANPP, as partes deixam de assinar o presente termo, servindo o vídeo relativo ao ato como prova da celebração do presente acordo”.

Como se vê, houve acordo de que o ANPP deveria refletir os termos propostos na reunião realizada entre as partes, investigada, seu defensor e Ministério Público Eleitoral, em homologar o acordo em audiência judicial e no fato de que cabia ao juízo, no ato de homologação, designar o local em que seria desempenhada a prestação de serviços comunitários, bem como indicar a data de início do pagamento das prestações pecuniárias.

Ocorre que a denunciada e o defensor público jamais foram intimados da integralidade dos termos do acordo, da sua homologação, da promoção ministerial que alterou o prazo de duração da prestação de serviços comunitários de 1 mês para 3 meses e da decisão que determinou o início do seu cumprimento.

Com a denúncia, foram apresentados o ANPP, o pedido de homologação e a decisão de sua revogação (ID 45655922 e ID 45655921). Estão ausentes, nos autos, o vídeo da reunião para proposta do acordo, a decisão que o homologou e o aditamento da decisão homologatória, o qual fixou prazo de duração da prestação de serviços comunitários e data de início de cumprimento.

Todavia, logrei verificar tais peças no feito originário do PJe de 1o grau, nos autos do processo RpCrNotCrim n. 0600038-62.2022.6.21.0045, o qual tramitou perante a 45a Zona Eleitoral de Santo Ângelo.

Naqueles autos, consta o vídeo da reunião virtual de proposta do ANPP realizada em 17.02.2021 entre as partes, no qual a ré estava devidamente assistida por defensor público (ID 106320585). Na solenidade, restou acordado que o prazo de duração da prestação de serviços comunitários seria de 5h semanais por somente 1 (um) mês, período consignado a pedido da investigada. Foi combinado que o local da prestação seria designado em audiência, que o pagamento da verba pecuniária se daria em 10 (dez) vezes mensais de R$ 50,00 (cinquenta reais) e que a informação sobre o início do cumprimento também se daria em futura audiência judicial.

O prazo de 1 (um) mês do tempo de duração da prestação de serviços à comunidade não constou do termo de acordo apresentado pelo Ministério Público Eleitoral naquele feito. E, após distribuído o ANPP, o juízo a quo não cadastrou o defensor público nos autos e homologou o ANPP por simples decisão, em 15.6.2022, sem prévia audiência. Foi justificada a falta de designação do ato na circunstância de a investigada ter sido assistida por defensor público quando da reunião em que concordou com os termos do ANPP (ID 106441942 do processo RpCrNotCrim n. 0600038-62.2022.6.21.0045 do PJe de 1o grau, 45ª Zona Eleitoral de Santo Ângelo):

(…)

Sabidamente, como externado pelo Ministério Público, estabelece a lei (art. 28-A, §4º, do CPP), que para fins de homologação do ANPP será realizada audiência, em que o juiz deverá certificar-se da voluntariamente e legalidade da composição.

Contudo, entende-se possível a homologação da avença em gabinete, dado que a voluntariadade decorre naturalmente do consenso, estando a acordando assistida pelo Defensor Público no ato.

Destarte, e considerando adequado e suficiente as condições dispostas no acordo, mostra-se de rigor a homologação.

Assim, sem mais, HOMOLOGO o ANPP inserto nos autos, para que surta seus jurídicos e legais efeitos.

Especificamente, no que se refere a prestação pecuniária (cláusula 3ª), estabelecida no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), será paga em 10 (dez) parcelas mensais no valor igual e sucessivo de R$ 50,00 (cinquenta reais), com vencimento sempre no dia 10 de cada mês, vencendo a primeira no dia 01/07/2022. Referidos valores deverão ser depositado na conta das penas alternativas, a saber: conta-corrente nº 03.071316.0-1, agência 0370, com comprovação perante o juízo da execução.

No que diz com a prestação de serviços à comunidade (cláusula 3ª), á razão de 5 horas semanais, será cumprida junto à Escola Municipal Pedro II, devendo-se intimar a acordante para comparecer junto a entidade no prazo de cinco dias a contar da intimação, para dar início ao serviço.

Comunique-se a direção da escola, devendo ser encaminhado planilha concernente ao trabalho realizado.

Antes, deverá o MPE esclarecer ao juízo o tempo de duração do serviço comunitário.

Advirta-se o acordante de que o não cumprimento do acordo implicará na rescisão do ajuste com posterior oferecimento de denúncia.

De conformidade com o disposto no §6º do art. 28-A, do CPP, vão os autos ao MPE, fins de execução penal da Justiça Eleitoral.

Nos termos do art. 116, IV, do CP, enquanto não cumprido ou rescindido o ANPP resta suspenso o prazo prescricional.

Intimem-se!

 

O defensor público não foi intimado da decisão, em desatenção ao disposto no art. 370, § 4°, do Código de Processo Penal: “A intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal”.

Conforme se verifica da decisão, o juízo determinou que a primeira parcela do vencimento seria no dia 01.7.2022 e que a prestação de serviços à comunidade (cláusula 3ª) seria “realizada à razão de 5 horas semanais, será cumprida junto à Escola Municipal Pedro II, devendo-se intimar a acordante para comparecer junto a entidade no prazo de cinco dias a contar da intimação, para dar início ao serviço”.

Também apontou-se, na decisão, que deveria o Ministério Público Eleitoral “esclarecer ao juízo o tempo de duração do serviço comunitário”, e que, após tal informação, deveria ser advertida a acordante de que o não cumprimento do acordo implicaria na rescisão do ajuste com posterior oferecimento de denúncia (ID 106441942 do processo RpCrNotCrim n. 0600038-62.2022.6.21.0045 do PJe de 1o grau, 45a Zona Eleitoral de Santo Ângelo).

A seguir, manifestou-se o órgão acusador, em 28.06.2022, aumentando de 1 (um) mês para 3 (três) meses o prazo da prestação de serviços comunitários que havia sido acordado em reunião virtual com a investigada, nos seguintes termos: “Ante seu teor, o Ministério Público Eleitoral vem esclarecer que, de fato, por um lapso, deixou de constar na Cláusula Terceira do ANPP (fl. 09 – ID 106322052), o tempo de duração da prestação de serviço comunitário acordada. Diante disso, e na esteira das demais propostas de acordo, informa-se que será pelo período de 03 meses, com jornada de 05 horas semanais” (ID 106813344 do processo RpCrNotCrim n. 0600038-62.2022.6.21.0045 do PJe de 1o grau, 45a Zona Eleitoral de Santo Ângelo).

E, sem nova intimação da investigada e de seu defensor, após esse aditamento aos termos do acordo, o ANPP foi homologado pela seguinte decisão, proferida em 06.7.2022: “Ciente da manifestação Ministerial (ID 106813344), ficando portanto estabelecido que a prestação de serviços à comunidade acordada em sede de ANPP será prestada pelo período de 03 (três) meses, à razão de 5 (cinco) horas semanais. Assim, intime-se a acordante da homologação do acordo, bem assim para comparecer na Escola Municipal Pedro II no prazo de dez dias a contar da intimação, de modo a dar início ao serviço comunitário. Outrossim, de conformidade com o disposto no § 6º do art. 28-A, do CPP, vão os autos ao MPE com vista a execução perante a própria Justiça Eleitoral"(ID 107116544 do processo RpCrNotCrim n. 0600038-62.2022.6.21.0045 do PJe de 1o grau, 45a Zona Eleitoral de Santo Ângelo).

Dessa decisão, a denunciada e seu defensor nunca foram intimados.

Com isso, tem-se que o Ministério Público Eleitoral propôs à recorrente, em audiência virtual e na presença de defensor público, um ANPP contendo prazo de duração de 1 (um) mês de prestação de serviços à comunidade, que a proposta foi aceita na presença da investigada e de seu defensor, mas que posteriormente, modo unilateral, o órgão informou ao juízo que o prazo seria de 3 (três) meses, sem formalizar essa tratativa com a interessada e sua defesa. Não bastasse isso, a Defensoria Pública não foi cadastrada no feito e o acordo foi homologado sem intimação da defesa técnica.

Após a homologação, não foi determinada a intimação da defesa técnica de Paola, mas apenas da investigada, sobre a necessidade de realizar os pagamentos a partir de 01.7.2022 e de comparecer na Escola Municipal Pedro II, no prazo de dez dias a contar da intimação, para lá trabalhar pelo prazo de 03 (três) meses.

Com a tentativa de proceder a intimação, sobreveio àquele feito a certidão do ID 111977693, datada de 10.12.2022, dando conta de que o oficial de justiça não localizou Paola Alves Correa no endereço: “Rua Oscar Ernesto Jung, n. 1102, Bairro Meller, em Santo Ângelo/RS, telefone (55) 996394925” (processo RpCrNotCrim n. 0600038-62.2022.6.21.0045 do PJe de 1º grau, 45ª Zona Eleitoral de Santo Ângelo):

 

Não bastasse a falta de intimação da defesa técnica de Paola sobre os novos termos do ANPP, de sua homologação e início do prazo de cumprimento, constatei no PJe de 1º grau que também foi autuado contra a ré o processo ExMedAltJC n. 0600066-30.2022.6.21.0045, igualmente sem participação da Defensoria Pública, o qual tramitou perante a 45ª Zona Eleitoral de Santo Ângelo em 05.7.2022 (ID 107088493).

Esse feito foi ajuizado antes mesmo da formalização da íntegra do acordo com dados sobre data de início do pagamento, local e tempo de duração da prestação de serviços à comunidade e do retorno negativo do mandado de intimação pessoal de Paola sobre os termos do acordo e de sua homologação. No processo, o Ministério Público Eleitoral ajuizou o pedido de execução do ANPPP, indicando como endereço da investigada: Rua Oscar Ernesto Jung, n. 1002, em Santo Ângelo/RS, telefone (55) 996394925. Nesse feito, repita-se, a Defensoria Pública não foi cadastrada e não foi nomeado defensor dativo à investigada.

Nos autos do processo ExMedAltJC n. 0600066-30.2022.6.21.0045, o Ministério Público Eleitoral, além de propor a execução do acordo antes da sua completa formalização e homologação e das intimações da defesa técnica e da ré, quando ficou ciente da falta de localização da investigada para o início do cumprimento requereu a imediata execução do acordo e a intimação eletrônica da investigada por WhatsApp (ID 109970223)

Naquele feito, foi também certificado, pelo oficial de justiça, que a investigada não foi localizada pessoalmente para intimação. Constou ainda, do resultado do mandado, a certificação de que Paola estava atualmente morando em Santa Catarina (ID 111921762 do processo ExMedAltJC n. 0600066-30.2022.6.21.0045 do PJe de 1º grau, 45ª  Zona Eleitoral de Santo Ângelo):

 

Veja-se que, até tal momento processual, 10.12.2022, o último contato que havia sido realizado com a investigada e sua defesa técnica foi em 17.02.2021, quando do vídeo da reunião virtual de proposta do ANPP, na qual o Ministério Público Eleitoral deixou claro a Paola e ao defensor público que o ato se tratava de mera proposta de acordo. Naquela oportunidade, a recorrente e o defensor que a assistia foram cientificados de que a homologação do acordo com dados para o cumprimento (início de prazo e local de prestação de serviços comunitários por um mês) seria realizada em futura audiência, a qual nunca foi realizada (ID 106320585 do processo RpCrNotCrim n. 0600038-62.2022.6.21.0045 do PJe de 1º grau que tramitou perante a 45ª Zona Eleitoral de Santo Ângelo).

Pois bem.

Novamente intimado, e desconsiderando o ANPP que foi homologado sem intimação da investigada e de sua defesa técnica sobre os novos termos do acordo e prazos para início do seu cumprimento, o Ministério Público Eleitoral alegou, em 19.12.2022, não possuir os dados do paradeiro de Paola para intimação e requereu a rescisão da avença da seguinte forma (ID 112093737 do processo ExMedAltJC n. 0600066-30.2022.6.21.0045 do PJe de 1º grau, 45ª Zona Eleitoral de Santo Ângelo):

(…)

Ante seu teor, em consultas aos cadastros disponíveis nesta Promotoria de Justiça não foi localizar o atual paradeiro da Executada PAOLA ALVES CORRÊA, para fins de intimação objetivando o cumprimento do presente Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).

De outra parte, até o momento, a Executada NÃO juntou qualquer documento comprovando o pagamento valor do avençado no Termo de ANPP, tampouco o cumprimento da prestação de serviços à comunidade (Cláusula 3ª), o que caracteriza o descumprimento das obrigações ali assumidas (Cláusula 5ª).

Se isso não bastasse, conforme o certificado na certidão do ID 109808254, consta informação de que a Executada estaria residindo há algum tempo em outro Estado, e mesmo tendo celebrado o presente acordo, não adotou qualquer providência no sentido de comunicar, seja este Ministério Público Eleitoral seja este Juízo Eleitoral, a respeito do seu atual endereço.

DIANTE DO EXPOSTO, requer o Ministério Público Eleitoral a RESCISÃO do ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL celebrado com a pessoa de PAOLA ALVES CORRÊA, com fulcro no artigo 28- A, § 10, do CPP, conferindo-se posterior vista dos autos ao MPE para oferecimento da competente ação penal.

 

A seguir, em 17.02.2023, o ANPP foi rescindido e o processo foi arquivado, também sem intimação da defesa técnica (ID 113253270 e ID 114311024 do processo ExMedAltJC n. 0600066-30.2022.6.21.0045 do PJe de 1º grau, 45ª Zona Eleitoral de Santo Ângelo).

Considero que houve nulidade na homologação do acordo de não persecução penal, pois o ato foi realizado a partir de pedido unilateral da acusação no sentido de que a prestação de serviços comunitários durasse o período de três meses, e não um mês como havia sido combinado na audiência extrajudicial feita com a investigada e o defensor público. Além disso, a homologação ocorreu sem prévia intimação da ré e da defesa, e sem realização de audiência de que trata o art. 28-A, § 4º, do Código Penal, para verificar a voluntariedade do ato. Com esse entendimento:

"HABEAS CORPUS" - HOMICÍDIO CULPOSO - ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL - HOMOLOGAÇÃO - NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA - NULIDADE DA DECISÃO. É nula a decisão que homologa o Acordo de Não Persecução Penal sem a realização da audiência com a presença das partes (art. 28-A, § 4º, CPP).

(TJ-MG - HC: 20586041420228130000, Relator: Des. Franklin Higino Caldeira Filho, Data de Julgamento: 20.09.2022, 3ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 21.09.2022.)

 

MANDADO DE SEGURANÇA – DECISÃO JUDICIAL QUE DISPENSOU A AUDIÊNCIA PREVISTA NO § 4º DO ARTIGO 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, HOMOLOGOU O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP) E DETERMINOU O RETORNO DOS AUTOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA CUMPRIMENTO – INOBSERVÂNCIA DO RITO PROCESSUAL PREVISTO – ILEGALIDADE DEMONSTRADA – SEGURANÇA CONCEDIDA. I. A realização de audiência judicial prevista no § 4º do artigo 28-A do Código de Processo Penal é requisito essencial para a validade do ANPP e sua obrigatoriedade decorre de lei, de modo que, nem mesmo o atual cenário provocado pela pandemia COVID-19, tem o condão de permitir sua dispensa, sobretudo quando há meios para que o ato seja realizado de forma virtual, e assegurado, assim, o devido processo legal. II. O cumprimento das condições fixadas no ANPP será realizado em processo judicial, presidido pelo Juízo da Execução Penal e não pelo Ministério Público Estadual, cabendo a este apenas a distribuição no sistema SEEU. III. Com o parecer, segurança concedida.

(TJ-MS - MS: 14055504920218120000 MS 1405550-49.2021.8.12.0000, Relator: Des. Zaloar Murat Martins de Souza, Data de Julgamento: 30.07.2021, 1ª Seção Criminal, Data de Publicação: 05.08.2021.)

 

A rescisão, de igual modo, padece de nulidade, pois, segundo entendimento do STJ, deveria ter sido intimado o defensor público: “(…) Muito embora seja possível a rescisão do acordo de não persecução penal (§ 10 do art. 28-A do CPP ), necessário, para preservação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, oportunizar à defesa a manifestação acerca do pedido formulado pelo Ministério Público. (…)” (STJ - HC: 615384 SP 2020/0250469-5, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 09.02.2021, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11.02.2021).

Considerando que a recorrente e sua defesa nunca foram intimadas da homologação do acordo e do prazo para início do seu cumprimento, padece de nulidade o apontamento da acusação de que deixa de propor a suspensão condicional do processo por descumprimento de acordo de não persecução penal.

Conforme entende o STJ, o direito de defesa é indisponível e compreende a autodefesa e a defesa técnica, estando previsto no art. 5º, incs. LIV e LV, da Constituição Federal. Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Em face dos princípios do contraditório e da ampla defesa tem-se a natureza necessária da defesa técnica, estabelecida no art. 261 do Código de Processo Penal, ao dispor:

Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.

Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

 

Segundo Nestor Távora e Fábio Roque Araújo, a atuação da defesa técnica é consequência direta da indisponibilidade ao direito à liberdade e da indisponibilidade do direito à defesa (técnica) (Código de Processo Penal para Concursos. Bahia: Editora Juspodivm, 2010, p. 339-340).

Nos autos do HC n. 92.680-1/SP, da relatoria do Min. Cezar Peluso (julgado em 11.3.2008), o STF estabeleceu a diretriz jurisprudencial de que o art. 261 do CPP não apresenta uma singela exigência formal, dado que a defesa deve ser exercida de fato, com a observância de todos os meios oferecidos pela legislação. Deve o juiz declarar indefeso o réu, caso a defesa técnica não corresponda ao mínimo aguardado para uma efetiva ampla defesa.

No caso em apreço, não houve satisfação sequer formal da defesa técnica, padecendo o processo de nulidade.

Não é só.

Apesar da certidão do oficial de justiça, de 10.12.2022, dando conta de que a candidata havia se mudado para Santa Catarina e não mais residia no endereço Rua Oscar Ernesto Jung, n. 1002, em Santo Ângelo/RS (ID 111921762 do processo ExMedAltJC n. 0600066-30.2022.6.21.0045 do PJe de 1º grau, 45ª Zona Eleitoral de Santo Ângelo), foi oferecida a denúncia em 09.3.2023, com indicação do mesmo endereço (ID 45655914).

De acordo com a certidão do oficial de justiça, de 28.7.2023, Paola Alves Correa realmente não foi localizada no endereço e a citação da ação penal teria ocorrido por troca de mensagens, nos seguintes termos: “(…) não localizando a parte no endereço indicado, CITEI e INTIMEI PAOLA ALVES CORRÊA de todo o conteúdo do presente, mandado por meio eletrônico, com confirmação de leitura e troca de mensagens, ficando bem ciente de todo o teor. Na oportunidade a mesma afirmou que não reside mais na cidade de Santo Ângelo, porém, não atualizou seu endereço” (IDs 45655978 45655983):

Ainda que seja possível a citação de acusado de forma eletrônica, devem ser adotadas medidas suficientes para atestar a autenticidade do número telefônico, bem como a identidade do indivíduo destinatário do ato processual, o que não se verifica.

Na hipótese em apreço, embora tenha sido acostada a certidão de citação eletrônica, a qual, aparentemente, foi realizada por WhatsApp, o resultado da diligência foi descrito de forma lacônica. Não houve a documentação especificada no art. 10 da Resolução n.  354/20 do CNJ:

Art. 10. O cumprimento da citação e da intimação por meio eletrônico será documentado por:

I – comprovante do envio e do recebimento da comunicação processual, com os respectivos dia e hora de ocorrência; ou

II – certidão detalhada de como o destinatário foi identificado e tomou conhecimento do teor da comunicação.

§ 1º O cumprimento das citações e das intimações por meio eletrônico poderá ser realizado pela secretaria do juízo ou pelos oficiais de justiça.

§ 2º Salvo ocultação, é vedado o cumprimento eletrônico de atos processuais por meio de mensagens públicas.

 

O oficial de justiça não apresentou o comprovante de envio e do recebimento com os respectivos dia e hora da ocorrência, tampouco a certidão detalhada de como a destinatária foi identificada e tomou conhecimento do teor da comunicação.

Desse modo, em observância ao devido processo legal e em harmonia com os princípios do contraditório e da ampla defesa, impõe-se reconhecer a nulidade da citação promovida pelo WhatsApp.

De igual modo, verifico nulidade quanto à falta de intimação da recorrente para a instrução. Isso porque foi indicado como endereço da ré o mesmo local da citação, quanto ao qual o oficial de justiça já havia certificado não mais se tratar do endereço de residência.

E o resultado foi o mesmo, por lógico a ré não foi localizada pelo oficial de justiça, conforme seguinte certidão de cumprimento da diligência: “Certifico e dou fé que, em cumprimento ao presente, compareci ao endereço indicado no mandado, mas não encontrei a intimanda PAOLA ALVES CORREA – não havia ninguém no local – face ao que deixei aviso solicitando seu comparecimento ao fórum, o que não foi atendido. Em novas diligências, realizadas em dia e horário diversos, novamente não encontrei a intimanda, tendo recebido a informação de sua tia, a Sra. Elisiane, de que Paola não mora mais ali. Indagando-lhe acerca do atual endereço de Paola, ela disse não saber. Assim, face às diligências negativas, devolvo o mandado ao cartório para as medidas cabíveis” (IDs 45656006 e 45656007).

Desde antes do ajuizamento da denúncia era de conhecimento do Ministério Público Eleitoral o fato de a ré não mais residir no local indicado na inicial acusatória, mas sequer foi lá localizada para intimação sobre a homologação do ANPP.

E, mesmo assim, após a ré igualmente não ser lá localizada para a citação e o comparecimento à audiência, a acusação requereu a aplicação do art. 367 do CPP, segundo o qual “O processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo” (ID 45656010).

A aplicação do referido dispositivo legal é incabível, pois a ré em nenhum momento foi citada ou intimada pessoalmente no curso da instrução e dos demais processos correlatos.

Assim, de igual modo é nula a decretação da revelia da ré, realizada em audiência na qual houve inquirição de uma testemunha (ID 45656011).

Não houve diligências mínimas para localização da denunciada, existindo menção apenas à frustração do cumprimento de mandados realizados sempre no mesmo local. Não houve busca de endereços em sistemas de acesso do Poder Judiciário ou de empresas de consumo, não foram fornecidos outros locais para citação e sequer foi realizada a citação editalícia.

Era de se declarar a nulidade do feito por ofensa aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório( art. 5º, inc. LV, da CF). Trata-se de nulidade absoluta, que deve ser reconhecida de ofício. Como ensinam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, tratando-se de nulidade absoluta, “o vício atinge interesse público, razão pela qual deve ser reconhecido pelo juiz” (As Nulidades no Processo Penal, 5ª ed., Malheiros Editores, 1996, p. 27).

Contudo, supera-se a nulidade, na medida em que, desde logo, evidencia-se solução mais favorável, aplicado por analogia o disposto no art. 282, § 2º, do Código de Processo Civil.

Assim, deixo de determinar o retorno dos autos à 1º Instância para sanar as nulidades ora constatadas, em razão do princípio da economia processual, uma vez que a absolvição que se avizinha é mais benéfica à ré, ora recorrente.

Em prosseguimento, passo a analisar o mérito, considerando que a “(…) absolvição por falta de provas do crime é muito mais benéfica ao acusado do que o suprimento do vício com o reconhecimento de nulidade da decisão (...)” (STJ - AgRg no HC: 559214 SP 2020/0020738-5, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma. Publicado no DJe em 13.5.2022).

No mérito, a recorrente foi condenada por prática de corrupção eleitoral passiva, na forma do art. 299 do Código Eleitoral:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

No entanto, entendo que não restou devidamente comprovada a prática delitiva.

O fato narrado na denúncia consiste no envio de mensagem de texto na qual a recorrente solicita a instalação de um poste de luz em troca do seu voto e de outros votos, por intermédio de envio de mensagem de aplicativo WhatsApp ao candidato a vereador de Santo Ângelo/RS Everaldo de Oliveira Batista.

Entretanto, não há prova alguma de que o candidato tenha realmente tomado conhecimento do pedido efetuado pela recorrente, demonstração imprescindível para a sua responsabilização penal, uma vez que “O crime de corrupção eleitoral, por ser crime formal, não admite a forma tentada” (Ag n. 8.905/MG, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJ de 19.12.2007).

No relatório de extração de dados dos aparelhos telefônicos da recorrente e do candidato, consta que a ré enviou a mensagem e que não há resposta de Everaldo (ID 45655923). Tal fato foi considerado pelo Juízo Eleitoral da 45ª Zona quando do julgamento da representação por captação ilícita do sufrágio, cumulada com representação por conduta vedada e ação de investigação judicial eleitoral, ajuizada contra o candidato Everaldo de Oliveira Batista.

No julgamento daquela ação, concluiu-se por não comprovada a captação ilícita de sufrágio quanto a Paola. Consta da sentença da ação que: “em algumas situações não houve resposta do representado, afastando a caracterização de conduta ilícita” (ID 44738833 do processo AIJE n. 0600901-86.2020.6.21.0045 do PJe de 1o grau, 45a Zona Eleitoral de Santo Ângelo):

(…)

O representado negou todas as acusações, sustentando que em algumas situações sequer houve resposta aos pedidos e em outras foi apenas dado o encaminhamento ao setor competente.

De fato, em algumas situações não houve resposta do representado, afastando a caracterização de conduta ilícita.

Situações que não houve resposta do representado:

Elisandra – ID 63096689.

Fabiana – ID 63096693.

Jardel Filho Sandra, não houve resposta quanto ao pedido de gasolina e dinheiro, apenas que ia ver a questão de alimento – ID 63109852.

Paola Correa – ID 63109867.

Rose Rodrigues (Gilberto) – ID 63109870.

Por outro lado, as inúmeras outras situações demostram a captação ilícita de sufrágio, a prática de conduta vedada e o abuso do poder político e econômico do candidato, afetando a lisura do pleito de 2020.

(...)

 

O candidato não foi arrolado como testemunha neste feito e não foi ouvido durante a instrução, não tendo sido demonstrado que teve ciência do pedido de Paola. E a única testemunha inquirida no feito é Ricardo Borges dos Santos, policial militar que participou da operação desencadeada e realizou a análise das mídias, mas que referiu não recordar do nome de Paola.

Para a condenação fundada na prática do art. 299 do Código Eleitoral, é impositiva a comprovação da prática ilícita e da respectiva autoria para além de qualquer dúvida razoável (TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 47570, rel. Min. Herman Benjamin, rel. designado Min. Admar Gonzaga, DJE 13.12.2018; TRE/CE, Recurso Criminal Eleitoral n. 000004371, Acórdão, rel. Des. Roberto Soares Bulcao Coutinho, DJE 23.11.2022).

No caso concreto, infere–se que os elementos de prova colhidos em contraditório judicial não evidenciam, para além de qualquer dúvida razoável, a efetiva prática do ilícito, pois o mero envio de mensagem de texto de WhatsApp ao candidato, sem demonstração de que o candidato teve ciência da oferta de voto, não é apto, por si só, a embasar um decreto condenatório por corrupção eleitoral passiva.

Na hipótese em tela, entendo que, na dúvida, deve-se absolver, por ser preferível deixar de condenar um culpado do que fazê-lo a um inocente.

Por conseguinte, inexistindo prova segura da prática delitiva, reformo a sentença para absolver a recorrente, com fundamento no art. 386, inc. VII, do CPP (não existir prova suficiente para a condenação).

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para reformar a sentença e julgar totalmente improcedente a denúncia, afastando a condenação imposta, com fundamento no art. 386, inc. VII, do CPP.

Transitado em julgado, procedam-se às anotações necessárias e, após, arquivem-se na instância correspondente.