AI - 0600398-98.2023.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/09/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, o agravante insurge-se contra a decisão interlocutória que, em sede de cumprimento de sentença, indeferiu o pedido de desbloqueio do montante de R$ 447,23, localizado via Sisbajud, em conta bancária do ora recorrente, por ausência de comprovação da impenhorabilidade da verba.

A decisão agravada está fundamentada nos seguintes termos (ID 45586958):

Vistos.

A Exequente requereu as providências constantes do ID 120546950, que foram parcialmente deliberadas pelo Juízo no ID 121350564, em razão da efetivação do bloqueio de R$ 447,23 (quatrocentos e quarenta e sete reais e vinte e três centavos) e imediato requerimento de desbloqueio de valores juntado pela Defesa do Executado.

Abriu-se vista à Exequente para se manifestar sobre o alegado, sobrevindo discordância quanto ao desbloqueio (ID 121408662).

Vieram os autos conclusos. Decido.

De início, cabe pontuar que, além da quantia já em discussão, foram bloqueados R$ 47,52 (quarenta e sete reais e cinquenta e dois centavos), sobre a qual não houve controvérsia.

Assiste razão à Exequente. Não basta alegar que os valores são alimentares, sem apresentar nenhum comprovante, senão uma simples captura de tela da conta bancária, o que não se mostra suficiente para a consideração de que a verba, de fato, tenha natureza alimentar ou se enquadre em outras hipóteses de impenhorabilidade.

Por isso, indefiro o pedido de desbloqueio e determino a conversão da indisponibilidade em penhora, bem como a transferência dos ativos financeiros para a conta vinculada ao Juízo, preferencialmente da Caixa Econômica Federal.

Todavia, como se depreende, a soma dos valores penhorados (R$ 494,75) fica muito aquém do débito (R$ 5.671,38), restando, ainda, R$ 5.176,63 devidos.

[...].

 

Em suas razões, o agravante relata que houve o bloqueio judicial na conta bancária na qual “recebe rotineiramente verbas como motorista de aplicativo”. Assim, postula a liberação dos valores em razão da impenhorabilidade legal, “pois se trata de verbas alimentares e foram penhorados valores inferiores ao 40 (quarenta) salários-mínimos” (ID 45583943).

Embora a peça recursal refira que o bloqueio alcançou “cerca R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais)” (ID 45583943, fl. 2), consultando-se os autos originais do cumprimento de sentença (CumSen n. 0600428-64.2020.6.21.0057) e os extratos bancários de IDs 45583944 e 121332340, confirma-se que a quantia em discussão se limita a módicos R$ 447,23; alocados em uma única conta bancária, tal como também consignado na decisão agravada.

Para comprovar seus argumentos, o recorrente acosta extrato bancário de conta no PagBank, do período de 09.11.2023 a 23.11.2023, com diversos créditos não superiores a R$ 20,00 e saldo residual máximo de R$ 447,23 (ID 45583944).

Embora não tenha sido apresentado nenhum outro documento em corroboração à alegação de que trabalho como motorista de aplicativo, os ingressos financeiros expostos em seu extrato bancário se compatibilizam com a atividade referida.

O agravante também sustenta que, sobre o montante total bloqueado, incide o disposto no art. 833, inc. X, do CPC, que prescreve a impenhorabilidade da “quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos”.

De acordo com a consolidada jurisprudência, tal proteção legal é extensível a outras espécies de contas, a fim de preservar um numerário mínimo para fazer frente a despesas ordinárias e extraordinárias que envolvem a subsistência básica do devedor e sua família. Nessa linha, destaco recente julgado deste Tribunal:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA DE VERBAS DESTINADAS AO SUSTENTO DO DEVEDOR. VALORES ATÉ 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. IMPENHORABILIDADE. DEMONSTRADO QUE OS VALORES SÃO ESSENCIAIS À SUBSISTÊNCIA DO EXECUTADO E DE SUA FAMÍLIA. TUTELA DE URGÊNCIA CONFIRMADA. DETERMINADO O DESBLOQUEIO DA QUANTIA OBJETO DA CONSTRIÇÃO. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra decisão que indeferiu pedido de desbloqueio de ativos financeiros requerido pelo agravante, mantendo o bloqueio da quantia, realizado via SISBAJUD, entendendo não comprovada a impenhorabilidade do valor.

2. O art. 833, incs. IV e X, do CPC veda sejam penhoradas as verbas destinadas ao sustento do devedor e de sua família, bem como os valores até 40 salários mínimos. Demonstrado que os valores mantidos em conta bancária são oriundos do recebimento de proventos relativos à sua atividade como servidor público municipal. Esta Corte, no que toca à constrição de valores destinados ao sustento do inadimplente e sua família (inc. IV do art. 833), tem entendimento firmado no sentido da impenhorabilidade.

3. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento, acompanhado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, de que a impenhorabilidade do art. 833, inc. X, do CPC abrange os valores de até quarenta salários mínimos poupados, sejam eles mantidos em papel-moeda, em conta-corrente, fundo de investimentos ou qualquer outra modalidade de aplicação financeira, e não exclusivamente em caderneta de poupança. Confirmada a atribuição de efeito suspensivo ao apelo, na esteira dos precedentes desta Casa, de maneira a prevenir prejuízos ao sustento mensal do devedor e sua família. Preenchidos os requisitos para a confirmação da tutela de urgência e atendido, no que tange à impenhorabilidade, o disposto no art. 833 do CPC, de sorte que o desbloqueio das verbas é impositivo.

4. Provimento.

(TRE-RS; AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 060042751, Acórdão, Desa. Eleitoral Fernanda Ajnhorn, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 02/04/2024) Grifei.

 

Na análise da referida hipótese de impenhorabilidade, é necessário considerar que, após a efetivação de buscas financeiras reiteradas ao longo de 30 dias, por meio da modalidade “teimosinha” do Sisbajud, em todas as contas bancárias sob a titularidade de devedor, somente se alcançou a módica quantia de R$ 470,48 (R$ 447,23 + R$ 23,25) em uma conta e R$ 47,52 em outra, do que se depreende a inexistência de acumulação financeira relevante pelo executado.

O montante localizado não atingiu sequer 10 % do total devido (R$ 5.671,38).

Assim, nas circunstâncias do caso concreto, ausentes indicativos de movimentações mais vultosas, julgo que o saldo de R$ 470,48 na referida conta bancária se compatibiliza com a presunção de impenhorabilidade de valores mínimos acumulados como reserva de patrimônio para a preservação de um mínimo de dignidade financeira ao devedor e à sua família.

Além disso, a exigência de que o devedor comprove não possuir outras fontes ou aplicações financeiras resulta em encargo probatório de difícil ou impossível realização, mormente ante a ausência de quaisquer indícios que infirmem as alegações do agravante.

Com a mesma perspectiva, o STJ tem entendido que “a previsão de impenhorabilidade das aplicações financeiras do devedor até o limite de 40 salários mínimos é presumida, cabendo ao credor demonstrar eventual abuso, má-fé ou fraude do devedor, a ser verificado caso a caso, de acordo com as circunstâncias de cada hipótese trazida à apreciação do Poder Judiciário” (STJ - AgInt no AREsp: N. 2258716/PR, Relator: Ministro Gurgel de Faria, Data de Julgamento: 15.5.2023, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe de 19.5.2023).

Na espécie, a parte agravada não apresentou comprovações mínimas de que o devedor estaria ocultando patrimônio ou teria outras acumulações de capital dentro ou fora do sistema bancário.

Ressalta-se, ainda, que, ante a natureza absoluta de tal impenhorabilidade, o STJ já proclamou que “são impenhoráveis valores inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos depositados em aplicações financeiras, de modo que, constatado que a parte executada não possui saldo suficiente, cabe ao juiz, independentemente da manifestação da parte interessada, indeferir o bloqueio de ativos financeiros ou determinar a liberação dos valores constritos, tendo em vista que, além de as matérias de ordem pública serem cognoscíveis de ofício, a impenhorabilidade em questão é presumida” (AgInt no AREsp n. 1.961.696/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27.3.2023, DJe de 31.3.2023).

Com essa mesma compreensão, colaciono julgado deste Tribunal:

AGRAVO INTERNO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO FEDERAL. ELEIÇÕES 2018. BLOQUEIO DE VALORES. INDEFERIMENTO. IMPENHORABILIDADE. QUANTIA INFERIOR A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. CONTA CORRENTE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. ANÁLISE DE OFÍCIO. DESPROVIMENTO.1. Agravo interno interposto, com fundamento no art. 1.021 do Código de Processo Civil, c/c o art. 115, § 2º, do Regimento Interno deste Regional, em face de decisão monocrática que indeferiu requerimento de bloqueio de valores, localizados em contas bancárias de titularidade do executado, com respaldo na interpretação extensiva conferida pelo Superior Tribunal de Justiça ao art. 833, inc. X, do Código de Processo Civil, considerando impenhoráveis valores inferiores a 40(quarenta) salários-mínimos, não apenas depositados em caderneta de poupança, mas, também, mantidos em conta-corrente e fundos de investimento e guardados em papel-moeda. 2. De acordo com a interpretação literal do art. 833, inc. X, do Código de Processo Civil, somente as reservas financeiras depositadas em caderneta de poupança até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos são impenhoráveis, escolha legislativa fundada no interesse governamental de custear as operações de financiamento habitacional.3. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça, atento à injustificável diferenciação do tratamento conferido à caderneta de poupança dentro da sistemática processual das impenhorabilidades, já no ano de 2014, em decisão paradigmática proferida pela sua 2ª Seção, decidiu que as quantias até o patamar de 40 (quarenta) salários mínimos são impenhoráveis, ainda que se encontrem depositadas em fundos de investimento e conta corrente ou guardadas em papel-moeda, desde que constituam a única reserva monetária disponível em nome do devedor, enquanto pessoa física, ressalvada eventual comprovação de abuso, má-fé ou fraude.4. Desse modo, nada obstante a possibilidade de o Superior Tribunal de Justiça rediscutir essa temática, resta inviável acolher a pretensão de que seja expedida ordem de indisponibilidade e penhora parcial dos bens do executado, bloqueando-se valores depositados em contas correntes de sua titularidade, porquanto quantia inferior a 40 (quarenta) salários mínimos.5. A impenhorabilidade prevista no art. 833, inc. X, do Código de Processo Civil se reveste de natureza absoluta, constituindo, assim, matéria de ordem pública que pode ser analisada de ofício pelo órgão julgador em qualquer fase do processo executivo, justamente para atender à diretriz fixada no art. 8º do mesmo diploma processual, de que as decisões judicias atendam às finalidades sociais do processo e às exigências do bem comum - previsão também contida no art. 5º da LINDB -,concretizando o acesso a uma ordem jurídica justa, que resguarde a dignidade da pessoa humana, e observe a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. O caráter alimentar dos valores até 40 (quarenta salários mínimos) é presumido, o que, por consequência, autoriza o órgão julgador a reconhecer, de ofício, a sua impenhorabilidade, independentemente da sua comprovação pelo executado, assim como a ordenar a sua liberação ou desbloqueio automático, dispensando-se a intimação da parte adversa (STJ, REsp n. 1880586/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, DJ de 28.8.2020). 6. Provimento negado.

(Prestação de Contas n. 060237164, Acórdão, Des. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, Julgamento: 10.12.2020; Publicação: PJE) Grifei.

 

Assim, em observância ao disposto no art. 833, inc. X, do CPC, estando ausentes indicativos de abuso, fraude, má-fé ou de que o devedor acumula outras reservas financeira, impõe-se o deferimento do pedido deduzido pelo agravante, com imediato desbloqueio dos valores localizados, evitando-se maiores prejuízos à subsistência do devedor e de sua família.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do agravo de instrumento para determinar o imediato desbloqueio da quantia de R$ 470,48 junto à conta do PagBank de titularidade do agravante.