RecCrimEleit - 0600036-58.2023.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/09/2024 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

 

Da Inocorrência de Prescrição

Com o trânsito em julgado da sentença condenatória para o órgão acusatório, a prescrição passou a ser regulada pela pena concretamente aplicada na sentença, consistente em 1 (um) ano de reclusão, verificando-se no prazo de 04 (quatro) anos, conforme dispõe o art. 110, § 1º, c/c o art. 109, inc. V, do Código Penal.

A denúncia foi recebida em 02.4.2023 (ID 45656045), e a publicação da sentença penal condenatória, verificada pela juntada da decisão aos autos eletrônicos, deu-se em 21.6.2024 (ID 45656093).

Assim, não se verifica a implementação do prazo prescricional pela pena concretizada na sentença, seja entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória ou entre esse último marco e a presente data.

Assim, não há prescrição a ser reconhecida.

 

Inexistindo preliminares alegadas pelas partes, passo ao exame do mérito recursal.
 

Do Mérito

No mérito, cuida-se de recurso criminal interposto por DIEGO DO AMARAL, registrado civilmente como MICHELE INDAIARA DO AMARAL, contra sentença proferida pelo Juízo da 45ª Zona Eleitoral de Santo Ângelo/RS, que julgou procedente a denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, condenando-o pela prática do crime tipificado no art. 299 do Código Eleitoral.

O fato imputado está deduzido na denúncia nos seguintes termos:

[…].

Entre os dias 17 e 22 de outubro de 2020, na Cidade de Santo Ângelo, RS, a denunciada MICHELE INDAIARA DO AMARAL– eleitora regular no Município de Santo Ângelo-RS à época (conforme certidão acostada na fl. 370 do PIC) - solicitou que EVERALDO DE OLIVEIRA BATISTA, então candidato ao cargo de Vereador no Município de Santo Ângelo-RS, nas eleições municipais do ano 2020, fornecesse-lhe, ou lhe auxiliasse a obter junto à Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, uma cesta básica, a fim de que, em troca, ela e algumas pessoas que residiam com ela à época, dessem seus votos a ele no referido pleito.

Na oportunidade, a denunciada, fazendo uso do terminal telefônico de n.º (55) 96917447, encaminhou mensagens de texto, via aplicativo WhatsApp, ao referido candidato a Vereador no Município de Santo Ângelo-RS, no ano de 2020, usuário, à época, do terminal n.º (55) 999274012 (aparelho apreendido no processo cautelar acima enumerado, conforme cópia de auto de cumprimento de MBA acostada no Evento nº 15 do PIC), solicitando que, em troca do voto dela e de pessoas que residem com ela, ele lhe fornecesse, ou auxiliasse-a a obter junto à Prefeitura Municipal de Santo Ângelo-RS, “um ranchinho” para ela e sua genitora.

[…].

 

O crime em questão, em sua modalidade passiva, cujo bem jurídico tutelado é o livre exercício do voto, consuma-se com o ato de “solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer vantagem”, desde que imbuído pelo dolo específico de “dar voto” ou “promoter abstenção”, consoante a descrição do art. 299 do Código Eleitoral.

Na espécie, a narrativa acusatória se baseia em mensagens enviadas pelo denunciado, via aplicativo whatsapp, ao então candidato, obtidas a partir de apreensão do aparelho celular de Everaldo, com autorização judicial (Medida Cautelar de Busca e Apreensão n 0600840-31.2020.6.21.0045).

Do telefone apreendido, foram extraídas as seguintes mensagens, enviadas em 17.10.2020, pelo recorrente para Everaldo (ID 45656042):

Ooi pastor é a Michele queria ver se tu não arruma um ranchinho pra mim e pra minha mãe; temos meio apertados na comida, dei ontem teu folheto pra minha mãe ela disse que te conhece

Se puder arruma pra nos me avisa e não se preocupe que nosso voto pra ti ta garantido pastor

 

Para a configuração do crime de corrupção eleitoral previsto no art. 299 do CE, é necessária a prova inconteste do dolo específico da mercancia do voto, consistente no especial fim de obter ou dar voto como moeda de troca por alguma vantagem.

Vale dizer, para a realização do tipo penal, não bastam provas de que houve um pedido de benesses ou afirmação de apoio pelo eleitor, sendo exigida a demonstração de uma situação negocial, na qual a dação ou promessa do voto é condição para a vantagem pretendida. Nesse sentido:

RECURSOS CRIMINAIS. DENÚNCIA IMPROCEDENTE. CONHECIDO O RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DOS DEMAIS RECORRENTES. NÃO CONHECIDO O APELO REMANESCENTE. MÉRITO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. ART. 288 DO CÓDIGO PENAL. FALTA DE COMPROVAÇÃO DE UM VÍNCULO ASSOCIATIVO PERMANENTE PARA FINS CRIMINOSOS. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS OU INDÍCIOS SUFICIENTES PARA A PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO ACUSATÓRIA. PECULATO. INVIABILIDADE. CRIME PRÓPRIO. COAÇÃO ELEITORAL. ART. 301 DO CÓDIGO ELEITORAL. FRAGILIDADE DA PROVA. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO. MANTIDA A SENTENÇA. DESPROVIMENTO. […]. Ausência de prova hábil e segura sobre o dolo específico de “obter ou dar voto”, exigido pelo tipo do art. 299 do Código Eleitoral. Conforme a sedimentada jurisprudência do TSE, para a caracterização do crime do art. 299 do Código Eleitoral não bastam as evidências de promessa ou entrega de benesses, ainda que realizadas com o intuito indireto de autopromoção ou propaganda eleitoral pelo candidato, sendo indispensável a demonstração, por prova segura e robusta, do dolo específico de dar ou prometer vantagem em contrapartida do voto. […]. Desprovimento.

(TRE-RS - RecCrimEleit: 00002922420166210133 TRIUNFO - RS, Relator: Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Data de Julgamento: 15/05/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 87, Data 18/05/2023 ) (Grifei.)

 

Anota a abalizada doutrina de Rodrigo López Zilio:

A corrupção eleitoral resta configurada quando o voto é efetuado como uma contrapartida a um benefício ou vantagem pessoal. Dito de outro modo, a manifestação do eleitor, através do voto, surge como uma condicionante do benefício ou vantagem prometida, oferecida, ou, mesmo, recebida. (ZILIO, Rodrigo Lopez, Crimes Eleitorais. 4ª ed. Juspodivm: 2020, pág. 113.)
 

Sobre o elemento subjetivo reclamado pelo tipo, também leciona a doutrina de José Jairo Gomes:

Há previsão de elemento subjetivo do tipo, assim expresso: “para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção”. Destarte, para a perfeição do crime é preciso que a causa da conduta esteja relacionada diretamente ao voto, isto é, obter ou dar voto, bem como conseguir ou prometer abstenção de voto. Caso contrário, atípica será a conduta. (GOMES, José Jairo. Crimes e processo penal eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015, p. 56)

 

No caso em comento, observa-se que a solicitação de um “ranchinho”, realizada em plena calamidade social e econômica decorrente da pandemia de Covid-19, tem como justificativa a situação de vulnerabilidade social da família (“temos meio apertados na comida”), e não a contrapartida do voto.

As referências de que Diego e sua genitora conhecem o candidato e lhe garantem seus votos (“dei ontem teu folheto pra minha mãe ela disse que te conhece” e “nosso voto pra ti ta garantido”) não se equivalem a uma proposta de contraprestação pelo benefício solicitado. Nas circunstâncias, tais locuções são autônomas em relação à solicitação de auxílio e visam denotar a proximidade política com o interlocutor, facilitando a abertura do diálogo.

Em outros termos, as mensagens demonstram tão somente que Diego dirigiu-se ao político de sua preferência para obter ajuda em uma situação de crise financeira, sem agredir a liberdade eleitoral e sem utilizar o voto como “moeda de troca” por eventuais vantagens, o que torna o fato atípico por ausência do dolo específico exigido pelo art. 299 do CE.

Nessa linha de compreensão, este Tribunal Regional já se decidiu que “recompensas pela ajuda na campanha ou benefícios com o exclusivo fim de obter a simpatia do eleitor não se amoldam ao tipo penal em questão” (TRE-RS – AP n. 135214, Relator: Des. Eleitoral Jamil Andraus Hanna Bannura, DEJERS de 04.8.2016).

De modo semelhante, o TSE entendeu pela ausência da finalidade de “obter ou dar voto” em hipótese na qual “o recebimento da vantagem - materializada na distribuição de vale combustível -, foi condicionado à fixação de adesivo de campanha em veículo e não à obtenção do voto” (TSE – RESPE n. 000000291/RJ, Relator: Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, DJE de 04.03.2015).

Por seu turno, a suposta “confissão” do ora recorrente perante o Ministério Público Eleitoral, por ocasião da proposta de acordo de não persecução penal, posteriormente rescindido, resulta de declarações bastante frágeis, não se prestando como elemento de corroboração da prática delitiva.

Com efeito, em um primeiro momento, o acusado foi indagado pelo Promotor de Justiça Eleitoral se confirmava que enviou mensagens ao pastor Everaldo, “pedindo um poste e prometendo em troca seu voto”, ao que o depoente assentiu com um lacônico “sim”, em baixo tom de voz (ID 45656036, 00:30).

Ocorre que os fatos em análise não envolvem a obtenção de um “poste”, sugerindo que a concordância de Diego ocorreu sob nervosismo e premência de não ser processado.

Em uma segunda audiência perante o Ministério Público Eleitoral, o acusado corrigiu-se e reconheceu o envio das mensagens com o pedido de “rancho”, mas negou que o pastor Everaldo lhe tenha efetivamente dado alguma ajuda. Após a advertência de que, para a manutenção do acordo de não persecução penal, “não pode mentir em nada”, o Promotor de Justiça Eleitoral perguntou “a senhora confirma que pediu por causa da questão do voto”, ao que Diego respondeu “aham” (ID 45656038, 03:40).

Novamente, a aquiescência do depoente foi vacilante e inconsistente, cabendo ressaltar que, para pessoas não familiarizadas com os aspectos técnicos do crime de corrupção eleitoral, a expressão “por causa da questão do voto” pode ser compreendida tanto como a mera adesão política prévia quanto como a “troca” ou “venda” do voto, situação não suficientemente esclarecida naquele contexto.

Assim, as declarações extrajudiciais prestadas pelo acusado não conferem um juízo de certeza sobre o dolo específico do tipo penal.

Por outro lado, o ora recorrente não compareceu à audiência de instrução judicial, sendo-lhe decretada a revelia (ID 45656078).

Assim, inexistem elementos que demonstrem o dolo específico exigido pelo tipo penal, consistente na situação de mercancia do voto, utilizado como moeda de troca para a obtenção de algum bem.

Em realidade, as mensagens obtidas evidenciam uma mera confirmação de adesão e de militância eleitoral, não condicionada à entrega de benesses, o que deve conduzir à absolvição do recorrente, por atipicidade do fato.

 

Dispositivo

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso interposto para absolver DIEGO DO AMARAL, registrado civilmente como MICHELE INDAIARA DO AMARAL, nos termos do art. 386, inc. III, do CPP.