REl - 0600070-61.2024.6.21.0089 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/09/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos processuais, razão pela qual dele conheço.

Como posto no relatório, a controvérsia versa sobre representação envolvendo propaganda antecipada divulgada pela recorrente no seu Facebook, a qual, julgada procedente, lhe impôs o pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00.

Transcrevo a postagem impugnada:

Hoje conversando com uma vozinha no Padu (onde fomos bem atendidos) Está vô me contou que pra vir na cidade precisa colocarn (sic) um travesseiro no banco, pois as estradas tem um buraco do lado de outro e a mesma tem 82 anos e precisa vir no médico. A estrada é a que passa na localidade de Itamarati.

E você sabem os acertos que o MDB fez?

Que o chefe de obras será o Sr. Elói, que é o chefe de Parque de Máquina.

Vcs querem que continue a mesma situação???

Como que os motoristas vão andar nas estradas do município de Alegria.???

As estreadas estão intransitável, mas as patrolas são levadas na lavagem toda a semana.

Vcs acham que o MDB vai mudar a situação da forma que vivem as pessoas que precisam usar as estradas.

Vamos mudar o nosso município?????

Amigos vocês confiam????

Vamos eleger pessoas com ideias e pensamentos no povo.

Vamos votar no 44. Dia 8 de outubro

Vamos ter gente nova que sabe das dificuldades do povo.

 

Em sede de apelo, forma sintética, argumenta a recorrente com seu desconhecimento das regras eleitorais e defende que a postagem não teve o condão de desequilibrar o pleito vindouro, na medida em que não se trata de pessoa conhecida na localidade.

Consabido, entretanto, que a ninguém é permitido alegar o desconhecimento da lei, no intuito de escusar-se quanto ao seu cumprimento. Por tal viés, portanto, haveria de ser negado provimento ao recurso.

Todavia, tenho por merecer guarida a tese relativa à ausência de alcance da publicação feita pela recorrente, uma vez que incapaz de macular a paridade de armas no pleito que se avizinha no Município de ALEGRIA/RS, restando a meu sentir injustificada a sanção que lhe foi imposta na origem.

Explico:

A divulgação, segundo denúncia, foi postada no dia 16.7.2024, momento prévio ao período eleitoral, o qual, conforme Resolução TSE n. 23.738/24 (Calendário Eleitoral), iniciou com as convenções partidárias no dia 20.7.2024.

Ou seja, conquanto sinalize sua intenção de voto, a veiculação se deu antes da indicação de possíveis nomes pelas agremiações, traduzindo-se, no meu sentir, diante da generalidade do pedido, em solicitação de apoio, essa autorizada nos termos do art. 3º, inc. V e § 2º, da Resolução TSE n. 23.610/19:

Art. 3º Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais das pré-candidatas e dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet (Lei nº 9.504/1997, art. 36-A, caput, I a VII e §§) :

[..]

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive em shows, apresentações e performances artísticas, redes sociais, blogs, sítios eletrônicos pessoais e aplicativos (apps); (Redação dada pela Resolução nº 23.732/2024)

[…]

§ 2º Nas hipóteses dos incisos I a VII do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver, observado o disposto no § 4º deste artigo (Lei nº 9.504/1997, art. 36-A, § 2º).

 

Sublinho que a menção à pré-candidatura, a exaltação das qualidades pessoais do pré-candidato, a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas e o pedido de apoio político, não são, por si só, atos irregulares e passíveis de serem sancionados.

Na lição de Walber de Moura Agra que, acerca do tema propaganda antecipada, ensina que o "desiderato para a sua criação era impedir aqueles candidatos que fossem detentores de poder econômico de começar mais cedo as suas campanhas, não respeitando o início do prazo para veiculação de propaganda eleitoral, com o intuito de obterem vantagem através da distribuição antecipada de material de campanha, no que desequilibraria o pleito eleitoral em virtude do acinte ao princípio da paridade de armas" (Manual Prático de Direito Eleitoral. 4ed. Belo Horizonte. Ed. Fórum. 2022).

Assim, do cotejo entre o regramento eleitoral e a doutrina, penso que o agir da recorrente não atentou contra a norma, tampouco maculou a igualdade dos concorrentes ao prélio eleitoral do ano em curso, mormente porque incapaz de atingir o eleitorado em expressão suficiente, de modo, enfim, a gerar desequilíbrio no pleito à míngua de especificidade no que se refere aos possíveis candidatos.

Ademais, não há notícia de que a recorrente tenha vida política pregressa, e a publicação foi removida tão logo teve ciência da ordem judicial de exclusão, contando, após 13 dias da postagem, com apenas 1 comentário e 11 "curtidas".

Nesse quadro, entendo inviável atribuir à divulgação reputada irregular força suficiente a desequilibrar a disputa eleitoral em curso, não desbordando de simples manifestação volitiva frente aos problemas locais que, na visão da recorrente, haveriam de ser priorizados na próxima gestão.

Mais a mais, a liberdade de expressão é a regra; o tolhimento a exceção. Vale dizer, sempre que não seja exercida ao arrepio das leis, deve prevalecer esse direito constitucionalmente a todos assegurado.

Em outras palavras, haverão de ser coibidos os excessos e a divulgação de inverdades, na medida em que "a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção da Justiça Eleitoral deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão dos candidatos" (TSE, REspe 0600025-25.2020 e AgR no Arespe 0600417-69, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES).

Por fim, no mesmo sentido decidiu esta Corte conforme aresto que a seguir transcrevo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROCEDENTE. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. REDE SOCIAL. FACEBOOK. PEDIDO DE VOTO EM FAVOR DE CANDIDATO A VEREADOR. LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO DE ELEITOR. BAIXA REPERCUSSÃO OU EFEITO LESIVO SOBRE O PLEITO. REFORMA DA SENTENÇA. REPRESENTAÇÃO IMPROCEDENTE. AFASTADA SANÇÃO PECUNIÁRIA. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou procedente representação por propaganda eleitoral antecipada, em virtude de publicação em perfil na rede social Facebook de manifestação contendo pedido de voto em favor de candidato ao cargo de vereador. Aplicada multa.

2. A Lei n. 13.165/15, ao modificar a redação do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, conferiu maior liberdade no período de pré-campanha. Assim, nos termos do dispositivo, são autorizadas veiculações que contenham menção à pretensa candidatura, exaltação de qualidades pessoais dos candidatos, bem como divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais, entre outros, sendo imperioso que não envolvam pedido explícito de voto. Paralelamente, a Resolução TSE n. 23.610/19 estabeleceu que a livre manifestação do pensamento do eleitor na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem ou divulgar fatos sabidamente inverídicos sobre candidatos, partidos ou coligações, ainda que antes do início do período da propaganda eleitoral.

3. A normatização privilegiou a liberdade do eleitor na difusão de ideias e opiniões na internet, sob a perspectiva de que a democracia está assentada na exposição e no confronto de propostas e concepções, em plena compatibilidade com o art. 5º, inc. IV, da CF/88, que consagra como garantia e direito individual a livre manifestação do pensamento, vedado o anonimato.

4. No caso dos autos, trata-se da manifestação isolada de apoio de simples eleitora à candidatura de terceiro, com quem nutria amizade anterior, e não de propaganda efetuada pelo próprio pré-candidato ou por qualquer outro ator eleitoral que pudesse obter proveito, ainda que indireto, da postagem. Circunstâncias que denotam que a conduta, embora formalmente ilícita, apresenta mínima repercussão ou efeito lesivo sobre o pleito. Tais peculiaridades concretas, que demonstram a ausência de desequilíbrio ou dano ao processo eleitoral, justificam o afastamento da penalidade.

5. Afastada a configuração da agressão à norma sob a perspectiva material do fato e de suas repercussões. Reforma da sentença. Representação improcedente.

6. Provimento.

(TRE/RS - REl 0600875-85.2020.6.21.0143, Rel. Des. Eleitoral SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Sessão de 08/04/2021)

Argumento, por fim, que a meu sentir o caso concreto comporta inclusive julgamento sob a perspectiva de gênero conforme recomendação do egrégio CNJ, consubstanciada na Resolução n. 492/2023-CNJ.

Com efeito, trata-se a recorrida de uma mulher idosa, sem vida ou militância política partidária, atual ou pregressa. Sopesadas enfim todas as circunstâncias retratadas nos autos, não me soa razoável, vênias àqueles que pensam em contrário, impor-lhe o pagamento de R$ 5.000,00 por uma simples postagem em seu Facebook, onde se limitou a externar sua opinião acerca do que entendia melhor relativamente aos futuros administradores para o seu município, sem que, vale repetir e enfatizar, tenha de algum modo acarretado desequilíbrio à disputa eleitoral que estava prestes a ser desencadeada.

Permito-me lembrar aos eminentes colegas, finalmente, que ultimamente temos julgado vários processos semelhantes, impondo aos infratores, reiteradamente, a sanção pecuniária prevista na legislação eleitoral pela prática de propaganda antecipada. E em tais julgados, na quase totalidade das vezes alcançando agremiações partidárias, candidatos ou militantes políticos.

Enfim, punindo pessoas afeitas aos embates políticos.

No caso dos autos, a meu sentir temos uma situação distinta da quase totalidade dos casos que têm aportado nesta Corte. Como já externado, trata-se a infratora de pessoa sexagenária sem qualquer vínculo partidário ou que tenha, ao longo da sua vida, tido qualquer participação em episódios eleitorais. Ou que goze de influência capaz de interferir no voto dos seus concidadãos do pequeno Município de Alegria, onde, o que é próprio dos pequenos municípios, os ganhos das pessoas costumam ser singelos.

Por tal viés, despojar essa mulher simples do povo da significativa importância de R$ 5.000,00, acarretando-lhe, quiçá, dificuldades financeiras até mesmo para aquisição de medicamentos de uso contínuo que, como sabido, é próprio às pessoas da sua idade, com todo o respeito dos entendimentos em contrário, quer me parecer uma demasia. Diria até desumano.

E isso, em derradeira análise, a meu ver teria o condão de ferir de morte o sagrado princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, dogma este tão caro para todos nós operadores do direito, e sobremaneira prestigiado pelo nosso ordenamento jurídico.

Tudo, insisto, por uma razão extremamente singela: uma única publicação no Facebook que até pela perenidade (três dias), conteúdo (não contém pedido expresso de voto) e repercussão não pode, insisto, ter a dimensão pretendida na representação. Em outras palavras, ao final e ao cabo não acarretou qualquer disparidade de armas entre os candidatos, ou de algum modo tenha tido o condão de desequilibrar a disputa. Ao menos, nada em termos probatórios restou sequer indiciado ou remotamente sinalizado no acervo probatório.

E não se argumente, finalmente, que ao se relevar o deslize da representada pela publicação feita, estar-se-ia a fazer-se tábula rasa do sagrado "princípio da isonomia" insculpido na Magna Carta. Isto porque, de todos sabido que esse basilar princípio constitucional só se realiza ao dar tratamento diferenciado a situações distintas. Em outras sucintas palavras, não se pode tratar igualmente situações desiguais.

No caso dos autos, à vista de tudo o que foi explanado, não há se negar a diferença gritante entre a condição pessoal da recorrente em relação aos demais destinatários da norma, alguns deles por ela já alcançados nesta Corte. Sempre com vistas ao fim por ela almejado, qual seja evitar o desequilíbrio do pleito e garantir a paridade de armas entre os candidatos.

Ante o exposto, redobradas vênias à douta Procuradoria Regional Eleitoral que diversamente concluiu, assim como aos eminentes colegas que porventura à mesma conclusão chegarem, VOTO pelo provimento do recurso de modo a tornar insubsistente a multa imposta à recorrente.