REl - 0600331-39.2024.6.21.0020 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/09/2024 às 14:00

VOTO

Colegas, o recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal a que alude o parágrafo 2º do art. 58 da Resolução TSE n. 23.609/19.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

Mérito.

Trata-se de recurso eleitoral interposto por SILVÉRIO FORTUNATO, candidato ao cargo de vereador de Erechim, contra sentença prolatada pelo Juízo da 20ª Zona Eleitoral, a qual indeferiu o seu pedido de registro de candidatura, ao reconhecer a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “e", da Lei Complementar n. 64/90, ao fundamento central de que o candidato fora condenado pelo crime de peculato (art. 312 do Código Penal), com trânsito em julgado em 25.6.2016 e com extinção da pena pelo cumprimento em 15.8.2018.

Antecipo que, em que pesem as aguerridas razões de recurso, a irresignação não merece prosperar.

A par de vindicar aplicabilidade de uma situação ainda sob exame nas Casas Legislativas – Projeto de Lei n. 192/23, Senado Federal, pleito de inviável acolhimento, até mesmo porque inconstitucional sob diversos vieses – v.g. princípio da anterioridade da legislação eleitoral (art. 16, caput), e igualdade de todos perante a lei (art. 5º, caput), o recorrente sustenta tese que não é novidadeira, qual seja, a de que as disposições da chamada “Lei da Ficha Limpa”, a Lei Complementar n. 135/10, que trouxe nova redação à tábua de inelegibilidades da Lei Complementar n. 64/90.

Dito de outro modo, caso ocorra seja de fato engendrado o denominado “contexto de aperfeiçoamento da legislação eleitoral”, ele será aplicado dentro dos parâmetros constitucionais e a todos os cidadãos, forma indistinta, evitando-se assim beneficiamentos à margem da legislação vigente.

Ademais, com tranquilidade se pode apontar que o Supremo Tribunal Federal (a mesma Corte que, de fato, indica a prevalência dos Tratados que versem sobre direitos humanos sobre disposições da lei doméstica, em caso de conflito) examinou por mais de uma vez a aplicabilidade e a constitucionalidade da Lei Complementar n. 135/10 – por exemplo o Recurso Extraordinário n. 630147, com repercussão geral (Tema 367), o Recurso Extraordinário n. 633.703, bem como as Ações Declaratórias de Constitucionalidade n. 29 e n. 30 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4578.

E, em todos os casos, a oportunidade fora, também, de exame da referida legislação sob o prisma da convencionalidade – pois são aplicáveis de ofício também os Tratados que o Brasil seja signatário, por integrarem, forma indubitável, o ordenamento jurídico pátrio.

E em momento algum a Excelsa Corte entendeu pela inconvencionalidade dos dispositivos da LC n. 135/10 – e não porque tenha se olvidado de abordar tal enfoque. Ao contrário, colho do Ministro Gilmar Mendes o seguinte trecho, que expressamente indica diversos diplomas de legislação internacional, por ocasião do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade n. 29 e n. 30 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4578:

(...)

O que se mostra importante assinalar, neste ponto, Senhor Presidente, é que, não obstante golpes desferidos por mentes autoritárias ou por regimes autocráticos, que preconizam o primado da idéia de que todos são culpados até prova em contrário, a presunção de inocência, legitimada pela idéia democrática, tem prevalecido, ao longo de seu virtuoso itinerário histórico, no contexto das sociedades civilizadas, como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana. Não foi por outra razão que a Declaração Universal de Direitos da Pessoa Humana, promulgada em 10/12/1948, pela III Assembléia Geral da ONU, em reação aos abusos inomináveis cometidos pelos regimes totalitários nazi-fascistas, proclamou, em seu art. 11, que todos se presumem inocentes, até que sobrevenha definitiva condenação judicial. Essa mesma reação do pensamento democrático, que não pode nem deve conviver com práticas, medidas ou interpretações que golpeiem o alcance e o conteúdo de tão fundamental prerrogativa assegurada a toda e qualquer pessoa, mostrou-se presente em outros importantes documentos internacionais, alguns de caráter regional, como a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Bogotá, 1948, Artigo XXVI), a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (São José da Costa Rica, 1969, Artigo 8º, § 2º), a Convenção Européia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (Roma, 1950, Artigo 6º, § 2º), a Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia (Nice, 2000, Artigo 48, § 1º), a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos/Carta de Banjul (Nairóbi, 1981, Artigo 7º, § 1º, “b”) e a Declaração Islâmica sobre Direitos Humanos (Cairo, 1990, Artigo 19, “e”) e outros, de caráter global, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Artigo 14, § 2º), adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1966.

 

Aliás, o mesmo Ministro Gilmar Mendes se pronunciara no Plenário do STF por ocasião do julgamento do já citado Recurso Extraordinário n. 633.703, como bem apontado na irretocável sentença.

Dessa forma, resta inconteste que a condenação referida tem como efeito secundário a incidência da inelegibilidade prevista na LC n. 64/90, in verbis:

Art. 1º São inelegíveis:

I – para qualquer cargo:

(...)

e) os que forem condenados, por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:

1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;

 

No que se refere ao início da contagem do lapso temporal de 8 (oito) anos previsto na LC n. 64/90, cumpre observar a prescrição da Súmula n. 60, do TSE:

Súmula - TSE n. 60

O prazo da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, da LC nº 64/1990 deve ser contado a partir da data em que ocorrida a prescrição da pretensão executória e não do momento da sua declaração judicial.

 

No caso, na esteira da sentença e do bem-lançado parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, tenho que o pretenso candidato encontra-se inelegível para participação nas Eleições Municipais de 2024, pois verifica-se que o marco inicial da prescrição da pretensão executória da condenação do pretenso candidato teria início com o trânsito em julgado da sentença condenatória para o Ministério Público, o que ocorreu em 25.6.2016, e com extinção da pena pelo cumprimento em 15.8.2018. Tal orientação encontra-se de acordo com a sistemática de repercussão geral (Tema n. 788) do Supremo Tribunal Federal (STF), que firmou a tese de que "o prazo para a prescrição da execução da pena concretamente aplicada somente começa a correr do dia em que a sentença condenatória transita em julgado para ambas as partes", com efeitos modulados pela Suprema Corte.

Nesse sentido:

AGRAVO EM EXECUÇÃO - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA - MARCO INICIAL - TEMA Nº 788 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - MODULAÇÃO DE EFEITOS - TRÂNSITO EM JULGADO PARA A ACUSAÇÃO - PRAZO PRESCRICIONAL TRANSCORRIDO - PUNIBILIDADE EXTINTA - 1. Nos termos do artigo 112, inciso I, do Código Penal, o marco inicial de contagem da prescrição da pretensão executória é o trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação. - 2. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o ARE 848.107, na sistemática de repercussão geral (Tema nº 788), firmou a tese de que "o prazo para a prescrição da execução da pena concretamente aplicada somente começa a correr do dia em que a sentença condenatória transita em julgado para ambas as partes". - 3. Contudo, os efeitos da referida decisão foram modulados pela Suprema Corte, a fim de que o entendimento firmado apenas seja aplicado aos casos cujo trânsito em julgado para a acusação tenha ocorrido após o dia 12/11/2020. - 4. Se o trânsito em julgado para o Ministério Público tiver ocorrido em data anterior àquela fixada pelo STF, deve-se aplicar a literalidade do inciso I do artigo 112 do Código Penal. - 5. Se desde o marco inicial para a contagem do prazo prescricional houve transcurso do lapso temporal necessário ao reconhecimento da prescrição, previsto no artigo 109 do Código Penal, deve se declarar extinta a punibilidade do agente. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL Nº 1.0000.23.158799-9/001 - COMARCA DE CONSELHEIRO LAFAIETE - AGRAVANTE (S): MILTON BARBOSA FAUSTINO - AGRAVADO (A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS (TJ-MG - EP: 15880058120238130000, Relator: Des.(a) Richardson Xavier Brant (JD Convocado), Data de Julgamento: 11/09/2023, Câmara Justiça 4.0 - Especiali, Data de Publicação: 11/09/2023) (Grifei.)

 

No presente caso, o período de inelegibilidade findará somente em 15.8.2026.

Assim, na esteira do parecer do Ministério Público Eleitoral, tenho por negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença que reconheceu a inelegibilidade de SILVÉRIO FORTUNATO, com fundamento no art. 1º, inc. I, al. "e", da Lei Complementar n. 64/90, e indeferiu o requerimento de registro de candidatura para as Eleições Municipais de 2024.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso.