REl - 0600303-70.2024.6.21.0085 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/09/2024 às 14:00

VOTO

Irresignado, Jailton da Silva Miguel recorre da sentença que indeferiu seu registro de candidatura arguindo que o delito de violação de direitos autorais, previsto no art. 184, § 2º, do Código Penal, não estaria descrito nas hipóteses de inelegibilidade estabelecidas no art. 1º, inc. I, al. “e”, da Lei Complementar n. 64/90, bem como seus direitos políticos estariam plenamente reestabelecidos com a extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena em 27.8.2024.

Todavia, a partir do voto-vista do Exmo. Ministro Herman Benjamin, em análise de situação similar, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral superou a jurisprudência anterior e passou a entender que o “crime de violação a direito autoral (art. 184, caput e §§ 1º, 2º e 3º do CP) ofende o patrimônio privado e pode ensejar inelegibilidade do art. 1º, I, e, 2, da LC 64/90 (TSE, REspEl nº145-94, Relator para o acórdão Ministro Herman Benjamin, Publicação: DJE, 02/08/2018; no mesmo sentido: TSE, RO-El n. 0601190-05, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Publicado em Sessão, 29/09/2022; TSE, AgR-RO-El n. 0600651-83, Relator Ministro Sergio Silveira Banhos, Publicado em Sessão, 30/09/2022.):

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, E, 2, DA LC 64/90. CRIME. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. ART. 184, § 2º, DO CP. PATRIMÔNIO IMATERIAL E PRIVADO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E SISTEMÁTICA. PROVIMENTO.

(...)

INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E SISTEMÁTICA DO ART. 1º, I, E, 2, DA LC 64/90

10. Normas jurídicas não podem ser interpretadas única e exclusivamente a partir de método gramatical ou literal. Há de se considerar os valores ético-jurídicos que as fundamentam, assim como sua finalidade e o disposto no sistema da Constituição e de leis infraconstitucionais, sob pena de se comprometer seu real significado e alcance.

11. Os dispositivos da LC 64/90 (Lei de Inelegibilidades) - originários e alterados pela LC 135/2010 (Lei da Ficha Limpa) - devem ser objeto de interpretação teleológica e sistemática.

12. A LC 135/2010, que alterou e acresceu novos prazos e casos de inelegibilidade à LC 64/90, visa atender aos anseios da cidadania, norteados pela exigência cada vez maior de eleições livres de candidatos cujas vidas pregressas sejam desabonadoras e não preencham requisitos mínimos, nos campos ético e legal, imprescindíveis ao desempenho de mandato eletivo no Estado Democrático de Direito.

13. A leitura do art. 1º, I, e, 2 da LC 64/90 de modo algum pode se dissociar do § 9º do art. 14 da CF/88, que visa proteger a probidade administrativa e a moralidade para exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato.

INELEGIBILIDADE E DIREITOS AUTORAIS: DIMENSÃO IMATERIAL DO PATRIMÔNIO PRIVADO

14. O exame das causas de inelegibilidade por prática de crime - art. 1º, I, e, da LC 64/90 - deve levar em conta o bem jurídico protegido, sendo irrelevante a topografia (locus) do tipo no Código Penal ou em legislação esparsa.

15. A circunstância de o art. 184 do CP inserir-se em título próprio, por si só, não desnatura o bem jurídico tutelado, qual seja, o patrimônio imaterial.

16. Embora os bens imateriais sejam incorpóreos, evidencia-se seu expressivo valor econômico, cultural e artístico, a consubstanciar patrimônio privado de seu titular.

17. Se o direito de autor manifesta-se, patrimonialmente, em relação à atividade intelectual exteriorizada, inexiste dúvida de que se trata de propriedade de quem o detenha, a revelar ideia de patrimônio privado.

18. Como decorrência da liberdade de expressão "intelectual, artística, científica e de comunicação" (art. 5º, IX, da CF/88), tem-se que "aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar" (inciso XXVII do mesmo artigo), o que atrai sanções criminais e cíveis a quem desrespeite esse patrimônio.

19. O entendimento proposto não ofende o princípio da taxatividade e respalda-se em julgados desta Corte: REspe 76-79, Rel. Min. Marco Aurélio, DJE de 15.10.2013; REspe 353-66, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJE de 28.9.2010 e AgR-REspe 302-52, Rel. Min. Arnaldo Versiani, sessão de 12.11.2008.20. Extrai-se do REspe 76-79 que "o preceito da inelegibilidade é linear, não limitando geograficamente o crime praticado: se previsto no Código Penal ou em diploma diverso na legislação esparsa". No REspe 353-66, tem-se que "os valores especificamente protegidos pelo Direito Penal devem ser buscados no tipo da imputação, pois sob o título de 'crimes contra o patrimônio' (Título II do CPB) encontram-se capitulados delitos tão distintos como o roubo (art. 157) e a apropriação indébita previdenciária (art. 168-A)".

21. Interpretação literal ou gramatical do disposto no art. 1º, I, e, 2, da LC 64/90 esvaziaria o dispositivo, tendo em vista inexistir, no Código Penal ou em legislação esparsa, a exata nomenclatura "Crimes Contra o Patrimônio Privado".

22. Assim, crime de violação a direito autoral (art. 184, caput e §§ 1º, 2º e 3º do CP) ofende o patrimônio privado e pode ensejar inelegibilidade do art. 1º, I, e, 2, da LC 64/90.

HIPÓTESE DOS AUTOS

23. É incontroverso que o recorrido foi condenado por posse, em estabelecimento de comércio, de 49 CDs falsos, o que configurou crime de violação a direito autoral previsto no art. 184, § 2º, do Código Penal.

24. Ademais, extrai-se da moldura fática do aresto a quo que a sentença condenatória transitou em julgado em 15.10.2012, com quitação de multa em 27.1.2014 e pena restritiva de direitos (em substituição à reclusão de nove meses) finda em 26.7.2016.

25. Dessa forma, o recorrido encontra-se inelegível, porquanto praticou crime contra o patrimônio privado.

CONCLUSÃO

26. Recurso especial provido para indeferir o registro de Eloir Meirelles Laurek ao cargo de vereador de Rio Negrinho/SC nas Eleições 2016, com as devidas vênias à e. Relatora.

(REspEl nº145-94, Relator para o acórdão Ministro Herman Benjamin, Publicação: DJE, 02/08/2018, grifei).

Por conseguinte, encontro óbice intransponível para acolher a tese recursal, pois se faz necessária a jurisprudência desta Casa acompanhar a evolução do entendimento consolidado no Tribunal Superior Eleitoral sobre a matéria, concretizando princípios de segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia (art. 927, § 4º, in fine, do CPC).

Logo, seguindo os precedentes da Corte Superior, considero que, apesar de empregar todo o cuidado em interpretar restritivamente a limitação aos direitos políticos, incide a causa de inelegibilidade na condenação por delito de violação de direito autoral, capitulado no art. 184, § 2º, do Código Eleitoral, conforme exige o art. 14, § 9º, da Constituição Federal, complementado pelo art. 1º, inc. I, al. “e” da Lei Complementar n. 64/90 (com as modificações normativas introduzidas pela “lei da ficha limpa”, Lei Complementar n. 135/10).

Dessa maneira acompanho integralmente o raciocínio da Procuradoria Regional Eleitoral de que “o recorrente não está elegível”, na medida em que é incontroversa a sua condenação pelo crime de violação de direito autoral e “o exaurimento da pena se deu em 27 de agosto de 2024, após o requerimento do registro de candidatura, não tendo transcorrido, evidentemente, o lapso temporal de 8 anos desde aquela data” (ID 45695342, p. 5).

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso de JAILTON DA SILVA MIGUEL para manter a sentença, indeferindo seu requerimento de registro de candidatura para concorrer ao cargo de vereador no pleito de 2024, uma vez configurada a hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, in. I, al. “e”, da Lei Complementar n. 64/90.