RecCrimEleit - 0600004-71.2022.6.21.0115 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/09/2024 às 14:00

VOTO

Trata-se de recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral postulando reforma parcial da sentença no ponto que absolveu por ausência de prova suficiente da autoria delitiva: a) Leisiane Gois Martins, por (a1) corrupção eleitoral e (a2) transporte ilegal de eleitores, e b) Volnei Rudimar Braun, por transporte irregular de eleitores (ID 45653813).

Conforme as razões recursais, teria restado comprovada a conduta criminosa dos recorridos, para sustentar um decreto penal condenatório a partir da prova colhida na fase inquisitorial conduzida pelo órgão ministerial no procedimento investigatório criminal (PIC-MP) n. 00819.001.198/2020, lastreada (a) na informação sobre a referência da ação de Leisiane em diálogos do corréu Cláudio Martins com terceiros em aplicativo de mensagem eletrônica (Whatsapp), a partir do resultado da quebra de sigilo do conteúdo do telefone móvel pertencente ao corréu Cláudio apreendido pelo Ministério Público no dia da eleição; e (b) no vídeo gravado por servidora do Ministério Público no dia da eleição, em via pública, contendo a imagem e a voz do recorrido Volnei supostamente confessando, na versão do recorrente, a condução de eleitores, em desacordo com a legislação eleitoral, durante o processo de votação do pleito municipal de 2020 (ID 45654567).

Por sua vez, após cotejar os testemunhos prestados perante o Juízo com os elementos do procedimento investigatório, a sentença concluiu que as referidas conversas do corréu Cláudio, extraídas do aplicativo de mensagens, seriam insuficientes para aferir ação delituosa dos recorridos Leisiane e Volnei e que inexiste no feito prova capaz de apontar a autoria dos delitos imputados na peça acusatória aos recorridos (ID 45654564).

Com esse entendimento, o seguinte excerto da sentença recorrida (ID 45654564):

(...)

Entretanto, no que diz respeito à autoria, dos autos não se extraem elementos que a relacionem com os corréus Leisiane, Volnei e Luã, uma vez que todos as provas são direcionadas ao réu Claudio, conforme prints anexados acima.

Assim, não havendo demonstração da autoria em relação a Leisiane, Luã e Volnei, necessário absolvê-los, com fundamento no princípio in dubio pro reo.

O mesmo não se aplica em relação ao réu Claudio, cuja autoria foi suficientemente comprovada, pelos mesmos documentos e depoimentos que atestaram a materialidade, que demonstram a prática do delito de corrupção eleitoral pelo acusado, impondo-se, por consequência, o édito condenatório.

(...)

Noto, a esse respeito, que os fatos em questão foram objeto de julgamento por esta Corte, sob a ótica cível-eleitoral, no âmbito de ação de investigação judicial eleitoral, nos autos do REl n. 0600737-08.2020.6.21.0115, de minha relatoria (acórdão de 22.9.2023, DJE 25.9.2023, transitado em julgado em 05.10.2023).

Naquele julgamento, este Tribunal manteve sentença condenatória dos denunciados com declaração da inelegibilidade, cassação do diploma e multa, por prática de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico, e concluiu que as ações de Cláudio acarretaram benefício para a candidatura de Leisiane, com ciência da candidata sobre o cometimento das infrações.

Todavia, o ilícito civil não transborda automaticamente para um ilícito criminal, exigindo-se, sob o prisma do Direito Penal, a adequação típica de ação (ou de omissão) da recorrida, o que não foi confirmado na instrução desta ação.

Na hipótese dos autos, ao analisar o caderno probatório sob a égide do Direito Penal Eleitoral, verifico o acerto da sentença, na medida em que não vislumbro ação delituosa pela recorrida Leisiane (a), limitando-se a denúncia na descrição de ciência e do benefício de Leisiane sobre a ação criminosa perpetrada pelo corréu Cláudio Martins.

Aliás, o recurso está alicerçado somente em indícios sobre a corrupção eleitoral praticada pela recorrida (a1), não confirmados em juízo após a produção de extensa prova testemunhal. 

Repiso que todas as ações descritas pela acusação foram produzidas pelo corréu Cláudio, o qual detinha total domínio do fato, como precisamente apontado na peça acusatória e como se verificam nas conversas de Cláudio com terceiras pessoas transcritas na fase inquisitiva através de informação da servidora do órgão ministerial (ID 45653819, p. 02 a 26):

555597123032@s.whatsapp.net (Jéh): durante a conversação, a interlocutora refere ter falado com Leisiane, “se ela me ageitava uma gasolina e uns troco”, ao que a interlocutora “ageitava pra ela 2 votos”, sinalizando que o combustível e os valores seriam utilizados em suporte a tratamento de saúde do pai da interlocutora

(ID  45653819, p. 7; resumo extraído do diálogo do ID 45653819, p. 143-150)

555584466472@s.whatsapp.net (Leandro): interlocutor, que se identifica como “filho do Luiz”, refere ter sofrido um acidente automobilístico, e solicita a quantia de R$ 300,00 para o investigado – dizendo, inclusive, que queria “uma mão de vc e da sua esposa”. O investigado, aparentemente, concorda com a negociação, tanto que realiza algumas chamadas ao interlocutor, que chega a referir ter ido ao escritório do investigado

(ID 45653819, p. 12; resumo extraído do diálogo do ID 45653819 – p. 335-352)

555592240497@s.whatsapp.net (BiiaH): interlocutora solicita “duas passagens” “para Porto Alegre”, esclarecendo que deseja fazê-lo “pela Prefeitura”. A interlocutora sinaliza ter conhecimento de que esse tipo de providência é efetivada pelo Centro de Referência em Assistência Social – CRAS, o investigado refere que “agilizaria”. Vale dizer que a esposa do investigado, candidata Leisiane Gois Martins, é Assistente Social, sendo que, até pouco tempo antes das eleições, prestava serviços junto ao CRAS de Panambi.

(ID 45653819, p. 17; resumo extraído do diálogo do ID 45653820 – p. 345-357)

Assim, percebe-se claramente que a ré-recorrida não é interlocutora dos diálogos, sendo meramente referida, fator que não demonstra, por si só, juízo de certeza de sua conduta delitiva.

Ao mesmo passo, há dúvida razoável sobre a efetiva participação da recorrida no transporte ilegal de Damaris Lima Bock, (a2) que ouvida em juízo, na condição de testemunha de defesa, asseverou ter ido por meios próprios para o local de votação, não dependendo dos recorridos para seu deslocamento no dia da eleição (ID 45654451).

No mesmo depoimento, ademais, a testemunha Damaris afirma ter trabalhado como "cabo eleitoral" para a campanha de Leisiane no pleito de 2020, com remuneração de R$ 50,00 por dia de trabalho. Tal prova, dessarte, colide frontalmente com a afirmação de conluio para o seu transporte no dia da eleição e, deste modo, correta neste ponto a sentença ao decidir in dubio pro reo.

De igual forma, (b) a transcrição de trecho da fala do recorrido Volnei reproduzida no recurso não comprova o descumprimento ilegal da proibição de transportar eleitores com o especial fim de agir de macular o sufrágio, mas apenas inferência da servidora do Ministério Público que colhia a prova:

Servidora - Vieram aqui...?

Volnei - Não, eu ia falar com ele sobre o negócio de... eu preciso saber onde buscar gente... eu ajudei ele na campanha, sabe?

Servidora - Ah, o senhor tá carregando as pessoas?

Volnei - É, não, só pra buscar...

Servidora- O senhor tá cobrando?

(razões recursais, ID 45654567, p 7).

De fato, pela simples leitura acima, o acusado sequer sabia "onde buscar gente".

Além disso, ao contrário do que defende o órgão ministerial no recurso, o entendimento da sentença acompanha a diretriz doutrinária e jurisprudencial no sentido de que, para a caracterização do tipo, deve haver prova “não apenas do traslado realizado mas, igualmente, da respectiva interferência ou influência na vontade do eleitor mediante a indução ou mero sugestionamento de voto para um determinado candidato ou partido”, conforme lição de Rodrigo López Zilio:

A jurisprudência tem acentuado que o crime de transporte de eleitores exige uma finalidade eleitoral específica para sua configuração, consistente na prova do aliciamento dos eleitores. Conforme o TSE, ‘o delito tipificado no art. 11, inciso III, da Lei nº 6.091/1974 dirige-se a inibir o aliciamento impeditivo da escolha livre do candidato’ (AgR-REspe nº 1171014/MG – j. 23.11.2016 – DJe 16.02.2017). Daí que não basta apenas a prova de que houve o transporte de eleitores (requisito objetivo), sendo indispensável a comprovação de que esse transporte teve por finalidade o aliciamento do voto desses eleitores (requisito subjetivo). Nesta linha, conclui-se que o crime de transporte irregular de eleitores exige o dolo específico, consistente no aliciamento de eleitores em favor de determinado candidato, partido ou coligação. O TSE já acentuou que ‘para a configuração do crime previsto no art. 11, III, da Lei nº 6.091/74, há a necessidade de o transporte ser praticado com o fim explícito de aliciar eleitores’ (REspe nº 21.641/PI – j. 19.05.2005 – DJ 05.08.2005).

Com efeito, a Corte Superior tem destacado que ‘a conformação da conduta ao tipo penal do transporte irregular de eleitores exige não apenas a presença do elemento ‘fornecimento de transporte a eleitores’, mas, também, da finalidade de aliciar eleitores, conspurcando o livre exercício do voto’ e, assim, ‘para a comprovação do dolo não basta conjecturar acerca do benefício auferido’ mas ‘é necessário apontar elementos concretos que evidenciem a atuação com a finalidade de aliciar eleitores’ (AgR-REspe nº 133/RJ – j. 12.09.2017 – DJe 29.09.2017).

(…)

Para fins de aferição do elemento subjetivo de aliciamento no crime de transporte irregular de eleitores importa demonstrar, por exemplo, além da apreensão do veículo, a quantidade de pessoas transportadas, a condição de eleitores (porte de título de eleitor ou outros dados eleitorais), a existência de propaganda no interior do veículo ou de adesivos nos vidros, a presença de pessoas que conduzem esses eleitores e possuam alguma espécie de vínculo com partido ou candidato, além de verificar quem é o responsável pela contratação do referido veículo. Desse modo, o elemento subjetivo do tipo de aliciamento, no crime de transporte irregular de eleitores, deve ser demonstrado a partir não apenas do traslado realizado mas, igualmente, da respectiva interferência ou influência na vontade do eleitor mediante a indução ou mero sugestionamento de voto para um determinado candidato ou partido.

(ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral – 9ª ed., São Paulo : Editora JusPodivm, 2023, p. 1037-1038).

 

Como se vê, é firme o entendimento de que não basta a certeza do fato e o conhecimento da sua autoria para a conformação da tipicidade do delito em análise, pois há necessidade de prova do especial fim de agir, a finalidade de influenciar artificialmente a vontade do eleitor. Esse elemento subjetivo não encontra lastro nos autos.

Por outra senda, no interrogatório do recorrido em juízo, Volnei afirmou ter sido contratado na condição de "cabo eleitoral", percebendo R$ 50,00, e teria comparecido ao escritório do córreu para receber sua remuneração na medida em que estava desempregado e tinha esse valor como sustento de sua família (ID 45654530 e 45654531).

Versão que, ausente outras provas, parece verossímil. Acrescento, a propósito, que, nestes autos, sequer foi possível localizar a mídia contendo a íntegra do vídeo referida no recurso como fonte da transcrição da fala do recorrido Volnei.

Não vislumbro, nem mesmo, prova de eventuais atos preparatórios das condutas dos recorridos pelos fatos a eles imputados.

Por conseguinte, no caso concreto, ainda que para a condenação na ação cível eleitoral baste a comprovação da ciência da candidata sobre a ocorrência da infração e a demonstração de benefício ilegal para a candidatura, posto que o bem jurídico eleitoral é a legitimidade do pleito, após detida análise do caderno probatório não há como afastar a conclusão da Juíza Eleitoral no sentido de que, quanto aos recorridos Volnei e Leisiane, a “autoria não foi atestada pela prova dos autos".

Consequentemente, é caso de manutenção da absolvição com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal - não existir prova suficiente para a condenação.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso para manter a sentença absolutória de LEISIANE GOIS MARTINS e VOLNEI RUDIMAR BRAUN em relação a todos os fatos narrados na denúncia com fundamento no art. 386, inc. VII, do CPP.