REl - 0600074-05.2024.6.21.0023 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/09/2024 às 14:00

VOTO

 

O recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

No mérito, a petição inicial narra que Ubirajara Machado Teixeira, a partir do mês de julho de 2024, enviou correspondências, via correio, a vários eleitores de Ijuí/RS, divulgando sua pré-candidatura e pedindo apoio a eleitores, bem como distribuiu uma publicação intitulada “Bira News”, a respeito da história do Parque da Pedreira e projeto de obras para sua melhoria, utilizando-se de elementos de propaganda eleitoral antecipada.

Os atos de pré-campanha são autorizados e regulados pelo art. 36-A da Lei n. 9.504/97, o qual expressamente permite a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais de determinada pessoa sem que isso caracterize propaganda eleitoral antecipada, desde que não haja pedido explícito de votos.

Logo, o ponto essencial para o deslinde do caso é aferir se as mensagens, no contexto em que veiculadas, apresentam elementos e expressões com o mesmo conteúdo semântico de um pedido explícito de votos, afrontando o art. 36-A da Lei n. 9.504/97.

Com efeito, a jurisprudência do TSE enuncia que “o pedido explícito de votos pode ser identificado pelo uso de determinadas 'palavras mágicas', como, por exemplo, 'apoiem' e 'elejam', que nos levem a concluir que o emissor está defendendo publicamente a sua vitória" (AgR-AI n. 29-31, Relator: Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 3.12.2018).

Mais recentemente, a Corte Superior proclamou que “o pedido explícito de voto ou não voto legalmente proibido não se limita às locuções ‘vote em’ ou ‘não vote em’, podendo ser objetivamente extraído de locuções outras, igualmente explícitas e diretas, materializadas naquilo que não apenas a jurisprudência desta Corte, mas também a abalizadíssima doutrina de Aline Osorio, designam de "magic words", tais como "vote", "não vote", "eleja", "derrote", "tecle na urna", "apoie", etc. (OSORIO, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2017, 194)” (Recurso na Representação n. 060030120, Acórdão, Min. Maria Claudia Bucchianeri, Publicado em Sessão de 19.12.2022).

O entendimento restou normatizado no art. 3º-A da Resolução TSE n. 23.610/19, incluído pela Resolução TSE n. 23.732/24, consoante o qual “o pedido explícito de voto não se limita ao uso da locução ‘vote em’, podendo ser inferido de termos e expressões que transmitam o mesmo conteúdo”.

Estabelecidas essas premissas, passo à análise individual dos fatos relatados.

 

Da Correspondência Enviada Via Correios

A petição inicial narra que Ubirajara Machado Teixeira, no mês de julho de 2024, enviou correspondências, via correio, a vários eleitores de Ijuí/RS, com o seguinte teor (ID 45671944):

 

A referida comunicação apresenta em seu teor as seguintes frases, destacadas nas razões recursais: “Estou preparado e quero contar com teu apoio para ajudar a construir esta pré-candidatura.” e “O que pensa sobre isso, posso contar com você?”.

Por sua vez, o recorrido alega que “esta não foi dirigida a eleitores em geral, mas sim aos filiados do partido após a convenção partidária”.

Muito embora a palavra “apoio” possa ser enquadrada entre as “palavras mágicas” assentadas pela jurisprudência do TSE em determinados casos, a comunicação em tela não apresenta um conteúdo eleitoral explícito, consistindo em mensagem envolvendo a unificação e a mobilização interna dos filiados do Partido dos Trabalhadores de Ijuí/RS.

Os trechos “o momento exige de nós espírito de colaboração e comprometimento”; “a unidade interna é fundamental” e “coloquei meu nome à disposição do nosso partido”; “precisamos manter viva a voz do PT na Câmara de Vereadores” denotam que se trata de mensagem intra-partidária dirigida aos membros e filiados acerca do projeto político da agremiação.

Além disso, a representação está instruída com um único exemplar da correspondência, que teria sido expedida em 10.7.2024 para Rosangela Fernandes Busller Viana (ID 45671944).

De seu turno, os recorridos demonstram que a referida destinatária é filiada ao PT desde 1º.4.2015 (ID 45671955), corroborando a narrativa defensiva.

Assim, não há nos autos prova mínima de que a divulgação da carta tenha extrapolado o contexto interno da organização partidária para alcançar de modo relevante o universo geral de eleitores, aspecto essencial à caracterização da propaganda eleitoral antecipada.

Nessa linha, a jurisprudência entende que a divulgação direcionado ao âmbito intra-partidária, desde que não atinja o público em geral, não configura propaganda eleitoral antecipada, consoante ilustra o seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROPAGANDA ELEITORAL. PRÉVIAS. CONVENÇÕES PARTIDÁRIAS. OSTENSIVIDADE E POTENCIAL DE ATINGIR OS ELEITORES EM GERAL. PROPAGANDA ANTECIPADA CONFIGURADA. NÃO PROVIMENTO.1. A utilização de faixas, cartazes e carros de som é permitida nas prévias e nas convenções partidárias desde que a mensagem seja dirigida aos filiados e que o âmbito intrapartidário não seja ultrapassado. Precedente.2. Na espécie, o Tribunal de origem afirmou que a publicidade veiculada durante a realização de convenção intrapartidária foi ostensiva e com potencial de atingir os eleitores em geral.3. Agravo regimental não provido.

(TSE; Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº362814, Acórdão, Min. Nancy Andrighi, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 22/04/2013) Grifei.

Desse modo, a correspondência enviada afigura-se como uma comunicação destinada à circulação interna no partido, objetivando ao anúncio e ao chamamento interno em prol do projeto político da sigla, a qual não viola o art. 36 da Lei n. 9.504/97 quando ausentes provas conclusivas de que tenha ultrapassado o âmbito dos filiados, tal como ocorre na hipótese dos autos.

Nesses termos, não merece reparos a sentença que julgou improcedente a representação em relação ao ponto.

 

Do Informativo Denominado “Bira News”

Sobre o segundo fato relatado, a peça inicial refere que o recorrido fez circular, também no mês de julho deste ano, uma publicação denominada “Bira News”, em que consta um logotipo com a expressão “Vem com Bira”, da qual extraio o seguinte fragmento (ID 45671945):

 

A publicação denominada “Bira News” consiste em um folheto sobre “a história do Parque da Pedreira”, no qual o ora recorrido ressalta sua participação na “transformação da região da pedreira em um local contemplativo e de lazer”, quando ocupou o cargo de vice-prefeito de Ijuí/RS, ressaltando, ainda, "o que ainda falta fazer".

Em contrarrazões (ID 45672130), Ubirajara Machado Teixeira defende licitude do impresso, afirmando que “o material em questão sequer menciona a condição de pré-candidato do representado, tornando impossível qualquer cogitação de ‘pedido implícito de votos' e que “a expressão ‘Vem com Bira’ no final do texto não pode ser interpretada como pedido de voto.”

Entretanto, o informativo registra a data de “agosto de 2024”. Portanto, no momento em que circulou, Ubirajara já havia se anunciado publicamente como pré-candidato ao cargo de vereador de Ijuí/RS.

Embora a mera exaltação das qualidades pessoais do pré-candidato e de suas ações anteriores no exercício de mandato eletivo, por si só, não configure ilícito eleitoral, o material carrega elementos típicos de estratégias de propaganda, incluindo o uso do nome e do símbolo de campanha com padronização de forma e cores (“Bira” escrito na cor preta com pingo da letra “i” em vermelho e estrela nas cores verde, amarelo e vermelho) e do slogan “Vem com Bira”.

Tendo em conta a condição de pré-candidato, a locução “vem com”, acompanhada dos demais elementos gráficos, carrega a mesma carga semântica do pedido explícito de voto, o que não é permitido pela norma de regência antes do início da campanha eleitoral.

O TSE já reconheceu, por exemplo, o uso de “palavras mágicas” na utilização de expressões tais como “venha fazer parte dessa corrente do bem”, “venha ser um elo dessa corrente do bem” e “vem com a gente nessa?”, consideradas suficientes para configurar a propaganda eleitoral antecipada, consoante os seguintes julgados:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. ARTS. 36 E 36-A DA LEI 9.504/97. POSTAGEM. REDE SOCIAL. "PALAVRAS MÁGICAS". CONFIGURAÇÃO. MULTA. SÚMULA 30/TSE. NEGATIVA DE PROVIMENTO. [...]. 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, reafirmada para o pleito de 2022, na caracterização de propaganda eleitoral antecipada é possível identificar o requisito do pedido explícito de votos a partir do uso de "palavras mágicas". Nesse sentido, entre outros, o AREspE 0600340-54/MG, Rel. Min. Sérgio Silveira Banhos, DJE de 30/5/2023.3. No caso, extrai-se da moldura fática do aresto a quo que "[o] recorrente, em 6 (seis) publicações na rede social Instagram, veiculou o seguinte conteúdo: 'posso contar com você nessa jornada?', 'posso contar contigo nessa?', 'vamos juntos construir essa parceria de sucesso! Quem vai com a gente nessa?', 'posso contar com você nessa jornada?', 'posso contar com você nessa luta?' e 'vem com a gente nessa?".4. Considerando que o ilícito foi cometido por seis vezes em diferentes postagens, mostra-se razoável e proporcional o valor da multa estabelecido pela Corte de origem no patamar de R$ 10.000,00.5. Agravo interno a que se nega provimento.

(Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº060418619, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 06/10/2023) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. PREFEITO E VICE-PREFEITO. PEDIDO EXPRESSO DE VOTO. "PALAVRAS MÁGICAS". EXPRESSÕES SEMANTICAMENTE EQUIVALENTES. ELEMENTOS OBJETIVOS DA MENSAGEM PUBLICITÁRIA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR. ENUNCIADO Nº 30 DA SÚMULA DO TSE. ENTENDIMENTO DOMINANTE. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO UNIPESSOAL. ART. 36, § 6º, DO REGIMENTO INTERNO DO TSE. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO. [...]. 3. Todavia, também com base na sólida jurisprudência reiterada nas eleições de 2020, a propaganda antecipada pode ser identificada a partir do uso, na mensagem publicitária, de expressões que contenham a mesma carga semântica do pedido de voto - as denominadas "palavras mágicas" -, que constituem elemento objetivo da propaganda impugnada. Precedentes. [...]. 5. Na hipótese dos autos, as conclusões do Tribunal de origem de que o uso de "palavras mágicas", consubstanciadas em expressões tais como "venha fazer parte dessa corrente do bem" e "venha ser um elo dessa corrente do bem", é suficiente para configurar a propaganda eleitoral antecipada encontram-se em conformidade com a jurisprudência do TSE. Incide na espécie o Enunciado nº 30 da Súmula deste Tribunal Superior. 6. Negado provimento ao agravo interno.

(Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº060034703, Acórdão, Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 26/08/2022) (Grifei.)

 

No mesmo sentido, colaciono julgados de outros Tribunais Regionais nos quais a utilização de expedientes publicitários agregados à expressão “vem com”, direcionada aos eleitores, foi considerada propaganda eleitoral antecipada:

RECURSO ELEITORAL – ELEIÇÕES 2020 – Representação – Propaganda eleitoral antecipada – Pedido explícito de voto – Sentença de procedência – [...]. No caso, as condutas desbordam dos limites da pré–campanha, caracterizando–se a prática de propaganda eleitoral antecipada, pois embora não se possa extrair pedido expresso, há indiscutível delineamento de pedido explícito de votos – Veiculação de vídeo na rede social Facebook com utilização de expressões que induzem o eleitor ao voto nos pré–candidatos (“Eu te peço, agora eu te peço, eu preciso de uma chance, de uma única chance, conto com você, segue a gente, fica com a gente, confie na gente, acredite no projeto.”; “Mostre seu apoio à nós, mostre seu apoio à Dra. Cristiane e à Clebão do Posto”; Vamos entrar nessa corrente junto, vem com a gente, eu preciso só de uma oportunidade para mudar minha cidade, e você também precisa da oportunidade, mudando a sua cidade, dando confiança e participando desse projeto, vem com a gente.”) – Caracterização de pedido explícito de voto – Na linha da jurisprudência do E. TSE, “o pedido explícito de votos pode ser identificado pelo uso de determinadas palavras mágicas, como, por exemplo, apoiem e elejam, que nos levem a concluir que o emissor está defendendo publicamente a sua vitória” (AgR–AI 29–31, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE 3/12/2018) – Ilicitude caracterizada – Sentença mantida – Matéria preliminar rejeitada – Recurso desprovido.

(TRE-SP - REl: 06004812720206260115 SANTA ISABEL - SP 060048127, Relator: Des. Mauricio Fiorito, Data de Julgamento: 28/10/2020, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2022. RECURSO INOMINADO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ANTECIPADA. INTERNET. QUEBRA DA PARIDADE DE ARMAS. POSTAGEM DE VÍDEOS EM REDES SOCIAIS. PRÉ-CANDIDATURA. GOVERNADOR DO ESTADO DE PERNAMBUCO. NOME DO PRÉ-CANDIDATO. JINGLE. FRASES #VAI FAZER PELO ESTADO TODO.# #ACORDA PERNAMBUCO.# #MIGUEL GOVERNADOR.# #VEM COM MIGUEL QUE VAI DAR BOM.# #MEU GOVERNADOR.# #MIGUEL COELHO.# #NOSSO GOVERNADOR.# E USO DE HASTAGS #PERNAMBUCO #MIGUELCOELHO #PERNAMBUCODETODOS #PERNAMBUCOGERANDONAALTA. COM PALAVRAS MÁGICAS E VÍDEO EM FORMATO REELS PARA AUMENTAR O ENGAJAMENTO. ANO ELEITORAL. AFASTADA HIPÓTESE DE MERO POSICIONAMENTO POLÍTICO OU DE SIMPLES CONVITE PARA CONVENÇÃO PARTIDÁRIA. CONFIGURADA REINCIDÊNCIA. IMPROVIMENTO. [...]. 2. Não há um simples convite a convenção partidária ou mero posicionamento político, no vídeo (id. 29243015), publicado nas redes sociais (Instagram E Facebook) do recorrente no dia 29.07.2022, quando está presente o uso de #palavras mágicas# no jingle de campanha como: #VAI FAZER PELO ESTADO TODO. ACORDA PERNAMBUCO. MIGUEL GOVERNADOR. VEM COM MIGUEL QUE VAI DAR BOM. MEU GOVERNADOR. MIGUEL COELHO. NOSSO GOVERNADOR.#, acompanhado de diversas hastags como #pernambuco #miguelcoelho #pernambucodetodos #pernambucogerandonaalta, além da divulgação para o público em geral da coreografia da campanha do representado MIGUEL COELHO. [...]. 5. Recurso Inominado a que se nega provimento. Confirmação da decisão monocrática e aplicação da multa do art. 36 § 3º da Lei 9504/97.

(TRE-PE - REL: 060056478 RECIFE - PE 060056478, Relator: ROGÉRIO DE MENESES FIALHO MOREIRA, Data de Julgamento: 16/09/2022, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 16/09/2022) (Grifei.)

 

Portanto, no caso vertente, a difusão de material impresso destacando o apelido e nome de urna do pré-candidato, acompanhado da expressão “vem com”, dentre outros elementos gráficos com apelo publicitário, evidencia propaganda eleitoral antecipada em razão de “palavras mágicas” equivalentes ao pedido explícito de voto.

Assim, entendo que, neste ponto, a sentença recorrida deve ser reformada para aplicar a multa ao representado, conforme preceituam o art. 2º, § 4º, da Resolução TSE n. 23.610/19 e o art. 36, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Por consequência, o arbitramento da multa deve considerar a reprovabilidade e a lesividade concreta das condutas para alcançar valores superiores ao mínimo previsto na norma sancionatória.

No caso em análise, não havendo causas que justifiquem o seu aumento, tenho que a multa deve ser aplicada no patamar mínimo de R$ 5.000,00, na forma do art. 2º, § 4º, da Resolução TSE n. 23.610/19.

Da Alegação de Gastos Irregulares de Recursos em Campanha

Por derradeiro, quanto ao argumento do recorrente no sentido de tratar-se “de materiais e atividades que envolvem o dispêndio de recursos”, importa referir que a representação por propaganda eleitoral irregular, prevista no art. 96 da Lei n. 9.504/97, não se constitui em via adequada à apuração e ao sancionamento de eventuais gastos ilícitos de campanha ou abuso do poder econômico, o que, se for o caso, deve ser intentado através do manejo da ação eleitoral adequada.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso para, nos termos da fundamentação, condenar Ubirajara Machado Teixeira ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00; com fundamento no art. 2º, § 4º, da Resolução TSE n. 23.610/19 e do art. 36, § 3º, da Lei n. 9.504/97.