REl - 0600044-58.2024.6.21.0123 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/09/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso é adequado e tempestivo. Atende a todos os pressupostos recursais atinentes à espécie e, portanto, merece conhecimento.

Preliminar. Nulidade da sentença. Colheita, de ofício, de provas.

O recorrente insurge-se, forma prefacial, contra o que atribui como colheita “de ofício de provas”. Em suma, o magistrado da origem procedeu a pesquisas na Internet e entendeu estar devidamente instruído o feito, sem oferecer o contraditório, o que resultou em “decisão surpresa”, especialmente em relação ao item “a” da sentença. Colho trecho da irresignação:

(...)

Especificamente em relação ao item “a”, a sentença se baseou única e exclusivamente em provas colhidas pelo próprio juízo, de ofício, na internet, no momento de sua prolação, sem permitir o contraditório entre as partes, para entender que o ora recorrente desempenharia cargo ou função de direção, administração ou representação da CORSAN:

 

Adianto que a preliminar deve ser afastada.

Como bem asseverado no parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral, a legislação eleitoral confere tratamento específico aos poderes do magistrado – art. 23 da Lei Complementar n. 64/1990:

Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.

 

Ademais, nota-se que a integralidade das informações obtidas se tratavam de fatos notórios – comunicados institucionais da empresa na qual labora o recorrente, ou notícias de veículos de comunicação, não cabendo, igualmente, a alegação de ausência do contraditório porque, em verdade, todos os elementos fáticos buscados correlacionavam-se com o cerne da controvérsia – a posição hierárquica ocupada por DAVI na AEGEA/CORSAN – situação em relação à qual o candidato impugnado já vinha exercendo seu legítimo direito ao contraditório.

Afasto a preliminar.

Mérito

Colegas, O objeto do presente recurso é a necessidade de desincompatibilização de DAVI GREQUE LUCAS de seu cargo da AEGEA/CORSAN, na cidade de Pedro Osório.

Para tal decisão, impõe-se a análise da demanda sob dois vieses, quais sejam, a natureza jurídica do contrato de concessão do sistema de saneamento até 2058, firmado entre a AEGEA/CORSAN e, nos dizeres da sentença, o “Poder Público” – se revestido por cláusulas uniformes, ou se possui cláusulas não uniformes, situação esta que atrairia a previsão do art. 1º, inc. II, al. “i”, da LC n. 64/90, inclusive sob o ponto de vista do ônus de comprovação de existência de cláusulas não uniformes, nos termos da jurisprudência pacífica do Tribunal Superior Eleitoral, conforme se verá, e, acaso firmado contrato de cláusulas não uniformes, a natureza do cargo ocupado, na AEGEA/CORSAN, por DAVI – meramente executiva, ou de gestão.

À análise.

A imposição de desincompatibilização de cargos é a tentativa de coibir ou minimizar a possibilidade de que os pretensos candidatos se valham da máquina administrativa em benefício próprio, o que ofenderia os princípios fundamentais que regem a Administração Pública, vulneraria a igualdade de chances entre os participantes da competição eleitoral e afetaria a higidez e a lisura das eleições.

A teleologia subjacente do instituto da desincompatibilização é proteger a legitimidade e normalidade do pleito, bem jurídico previsto § 9º do art. 14 da Constituição Federal.

Ou seja, a regra é a necessidade de desincompatibilização de cargos públicos e, não houvesse exceções, o presente processo estaria resolvido, pois a AEGEA/CORSAN é uma empresa privada – foi submetida a recente privatização, conforme o Edital n. 01/2022, constante nos autos.

Transcrevo, ao que importa no momento:

O processo de desestatização da CORSAN foi precedido de Audiência Pública, nos termos do art. 39 da Lei Federal nº 8.666/1993, devidamente divulgada no sítio eletrônico https://sema.rs.gov.br/privatizacoes e publicada no Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul e em jornal de grande circulação em 17 de outubro de 2022, com sessão virtual realizada em 1º de novembro de 2022, cujos regulamento, relatório e ata de presença estão disponíveis no referido sítio eletrônico.

 

O cargo ocupado por DAVI GREQUE LUCAS não é público, portanto.

Ainda assim, a LC n. 64/90 prevê, com grifos meus:

Art. 1º São inelegíveis:

II - para Presidente e Vice-Presidente da República:

(…)

i) os que, dentro de 6 (seis) meses anteriores ao pleito, hajam exercido cargo ou função de direção, administração ou representação em pessoa jurídica ou em empresa que mantenha contrato de execução de obras, de prestação de serviços ou de fornecimento de bens com órgão do Poder Público ou sob seu controle, salvo no caso de contrato que obedeça a cláusulas uniformes;

IV - para Prefeito e Vice-Prefeito:

a) no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, observado o prazo de 4 (quatro) meses para a desincompatibilização;


 

Ainda, está posta em causa a natureza da contratação do AEGEA/CORSAN com o Poder Público. Friso apenas, por relevante, que o Parquet não recorreu da sentença, apenas apresentou contrarrazões, e pugnou expressamente pela manutenção da sentença: “requer seja conhecido e improvido o recurso eleitoral interposto por Davi Greque Lucas, mantendo-se na íntegra a sentença que indeferiu seu registro de candidatura”.

Transcrevo o trecho em questão da sentença, que vai com grifos meus:

(…)

O fato narrado na inicial e admitido na contestação é que o impugnado, na condição de Gestor da Unidade de Saneamento de Pedro Osório, deixou de se afastar do cargo, no prazo legal, para concorrer a Vice-Prefeito.

Pois bem, a norma objeto de análise pressupõe a presença de três requisitos cumulativos:

a) exercício de cargo ou função de direção, administração ou representação em pessoa jurídica ou em empresa que mantenha contrato com órgão de poder público ou que seja por este controlada;

b) existência de contrato de prestação de serviços, de fornecimento de bens ou de execução de obras entre pessoa jurídica ou empesa e o poder público; e

c) inexistência de contrato com cláusulas uniformes.

Quanto ao “item c”, o Tribunal Superior Eleitoral, em processo de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa (Ac. de 17.12.2008 no AgR-REspe nº 34097), enunciou que “a ressalva relativa aos contratos de cláusulas uniformes não incide nos contratos administrativos formados mediante licitação”.

De tal sorte, como o contrato entre “Aegea Saneamento” e o poder público foi realizado mediante licitação, na modalidade leilão, não pode ser considerado um “contrato de adesão”, estando presente a circunstância “inexistência de contrato com cláusulas uniformes”.

Quanto à “existência de contrato de prestação de serviços, de fornecimento de bens ou de execução de obras” (item “b”), é fato público e notório que a CORSAN foi desestatizada no ano de 2023, bem como que a empresa privada e o “poder público” assinaram um contrato de concessão do sistema de saneamento até 2058.

Resta, portanto, analisar o último requisito “exercício de cargo ou função de direção, administração ou representação em pessoa jurídica ou em empresa que mantenha contrato com órgão de poder público ou que seja por este controlada”.

(...)

 

Mais: na petição inicial da Ação de Impugnação ao Registro de Candidatura (demanda autônoma que, a rigor, apenas tramita nos autos do requerimento de registro de candidatura por questões de segurança jurídica e conveniência processual), o Ministério Público Eleitoral não realizou o cotejo do contrato que suportaria o pedido de necessidade de desincompatibilização, de forma a apontar a ocorrência de cláusulas que não seriam uniformes, que no contrato celebrado pela AEGEA/CORSAN com o Estado do Rio Grande do Sul, ou com o município de Pedro Osório.

E, nas alegações finais, o tema das cláusulas uniformes fora tratado apenas em referências jurisprudenciais, conjuntamente à referência de “tratar o feito exclusivamente sobre matéria de direito”, e de que “O contrato de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, por certo, precisa ser negociado entre a CORSAN e cada um dos Municípios por ela atendidos, de acordo com suas peculiaridades, admitindo alterações ajustadas entre as partes especialmente porque precisa tomar em conta o interesse público envolvido na relação”.

Ocorre que a matéria envolve, sim, dilação probatória específica, e o Ministério Público Eleitoral de 1º Grau não se desincumbiu de um ônus que lhe cabia, pois a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, decide, há muito, ser ônus do impugnante a apresentação, o apontamento expresso das cláusulas não uniformes em sede de AIRC:
 

Eleições 2006. Registro de candidatura. Suplente de senador. Impugnação. Inelegibilidade. Art. 1º, II, i , da Lei Complementar nº 64/90. Administração. Empresa. Repetidora de TV. Decisão regional. Indeferimento. Recurso ordinário. Não-caracterização. 1. A Lei Complementar nº 64/90 estabelece que aqueles que têm contratos com o poder público e não sejam de cláusulas uniformes têm de se desincompatibilizar para concorrer a cargo eletivo. 2. Considerando que a regra é a elegibilidade do cidadão, constitui ônus do impugnante a prova da inelegibilidade. […]” NE : Sócio-gerente de empresa permissionária de serviço público. (Ac. de 27.9.2006 no RO nº 1288, rel. Min. José Delgado, red. designado Min. Marcelo Ribeiro.)

 

“Eleições 2008 [...]. Registro de candidatura. Art. 1º, II, i, da Lei Complementar nº 64/90. Desincompatibilização. Desnecessidade. Ônus da prova do impugnante. Precedentes. Agravo regimental desprovido. NE: ‘[...] a desincompatibilização prevista no art. 1º, II, i, da Lei Complementar nº 64/90 não se aplica, porquanto os convênios com o Sistema Único de Saúde (SUS), e com a Secretaria Estadual de Saúde (PRO-HOSP), firmados pela fundação mantenedora de entidade hospitalar da qual o candidato é presidente possuem cláusulas uniformes.’" (Ac. de 19.5.2009 no AgR-REspe nº 33826, rel. Min. Joaquim Barbosa.)

 

“[...] Desincompatibilização. Contrato de cláusula uniforme. Ônus da prova. Impugnante. Deferimento do registro de candidatura. Não provimento. 1. Segundo a jurisprudência do TSE, caberia ao impugnante demonstrar que o contrato celebrado entre o Poder Público e o candidato não obedece a cláusulas uniformes, pressuposto para a declaração de inelegibilidade [...].” NE : candidato a prefeito que mantém participação societária em empresa que mantém contrato com a administração pública municipal, LC nº 64/90, art. 1, II, i.". (Ac. de 6.12.2012 no AgR-REspe nº 63833, rel. Min. Nancy Andrighi.)

 

“[...] Eleições 2020 [...] Registro de candidatura. Art. 1º, II, a , 9 e IV, a , da LC 64/90. Desincompatibilização. Contrato com o poder público. Cláusulas uniformes. Observância. Prazo. Afastamento. Função pública [...] 2. Consoante o art. 1º, II, a , 9 e IV, a , da LC 64/90, são inelegíveis para o cargo de prefeito, até quatro meses ‘depois de afastados definitivamente de seus cargos e funções, os Presidentes, Diretores e Superintendentes de autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas e as mantidas pelo poder público’. 3. De outra parte, são também inelegíveis para o mesmo cargo os que, dentro de quatro meses anteriores às eleições, ‘[...] hajam exercido cargo ou função de direção, administração ou representação em pessoa jurídica ou em empresa que mantenha contrato de execução de obras, de prestação de serviços ou de fornecimento de bens com órgão de Poder Público ou sob seu controle, salvo no caso de contrato que obedeça a cláusulas uniformes’, nos termos do art. 1º, II, i , da LC 64/90. 4. Na espécie, extrai–se do aresto a quo que o candidato se desvinculou de suas funções de diretor do Hospital Regional Velho Chico, integrante da administração indireta do Município, em 3/6/2020, portanto, mais de quatro meses antes do pleito. 5. O TRE/BA consignou, ainda, que "caberia à coligação [...] se desincumbir do ônus de provar que o [recorrido], na condição de Diretor do Órgão Público contratante, teria exercido influência na elaboração das cláusulas [do contrato de prestação de serviços médicos mantido entre a Prefeitura e a empresa L.S. de Santana Serviços Médicos M.E, da qual é sócio,] ou de que as mesmas não se configuram uniformes, o que não foi feito". Desse modo, afastou também a incidência da inelegibilidade da alínea i supracitada […]” (Ac. de 11.12.2020 no AgR-REspEl nº 060017903, rel. Min. Luis Felipe Salomão.)

 

Na mesma toada, a sentença não poderia, como fez, concluir que o contrato da AEGEA/CORSAN com o Poder Público possui cláusulas não uniformes apenas diante da constatação da modalidade de contratação utilizada – licitação.

Note-se que o próprio precedente utilizado na decisão de primeiro grau, o AgR-REspe n. 34097, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, que aponta “a ressalva relativa aos contratos de cláusulas uniformes não incide nos contratos administrativos formados mediante licitação”, não exclui tal possibilidade. Destaco que, naquele julgado foi afastada apenas uma presunção – que contratos de licitação seriam, todos, com cláusulas uniformes, sem que, contudo, exclua-se de antemão a possibilidade de ocorrência de cláusulas uniformes em licitações. No corpo do voto, o então Ministro do TSE indicou, inclusive, casos em que tal jurisprudência não havia sido aplicada:

(...)

Na espécie, o contrato com o Poder Público refere-se ao transporte de escolares, daí o agravante haver citado dois precedentes sobre esse tipo de transporte. Num desse casos, o Acórdão nº 21.968, rel. Min. Caputo Bastos, de 19.09.20043 , o registro foi deferido em razão da especificidade do caso, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, pois tratava-se de um motorista de caminhão ("um singelo caminhão e seu dono", afirmou o relator), de um pequeno município, contratado individualmente, por dispensa de licitação. Evidentemente, a razoabilidade da decisão deu-se pela desprezível capacidade daquele motorista para influenciar no resultado do pleito. O caso aqui é diverso, trata-se uma empresa considerável, prevendo o contrato um repasse mensal de R$ 111.386,75 (fI. 50), decorrente de processo licitatório, do qual participou ativamente o agravante, como representante da vencedora no certame. O outro julgado citado, o Acórdão n. 18.912, rel. Min. Fernando Neves, de 24.10.20004 , além de refletir posicionamento superado desta Corte, o excerto de voto citado, do ministro Néri da Silveira, alinhou-se igualmente ao princípio da proporcionalidade, em razão da peculiaridade do caso, porquanto se tratava, como no acórdão anterior, de motorista autônomo e não de empresa.

 

Ademais, e como bem apontado pelo recorrente, nas últimas eleições o TSE tem se posicionado no sentido de que a regra é a de que contratações entre empresas privadas e o Poder Público são realizadas sob a orientação de cláusulas uniformes:

“Eleições 2020 [...] Registro de candidatura. Vice–prefeita. Contratos firmados. Administração municipal. Pregão. Cláusulas uniformes. Inelegibilidade do art. 1º, II, I, e IV, da LC 64/90. Ausência. Reexame de provas. Impossibilidade. Síntese do caso 1. O Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, por unanimidade, negou provimento a agravo interno em face de decisão individual que desproveu recurso eleitoral e manteve a sentença que deferiu o pedido de registro de candidatura de Ilzinete Pires Correia da Silva ao cargo de vice–prefeito do município de Rio de Contas/BA nas Eleições de 2020, por entender inexistente a causa de inelegibilidade descrita no art. 1º, II, i, e IV, da LC 64/90 [...] 4. A Corte de origem, ao analisar o conjunto probatório dos autos, concluiu que, ‘embora a recorrida seja dirigente de pessoa jurídica que mantenha contrato com o Poder Público, o contrato que está em discussão possui cláusulas iguais para todos, sendo assim não lhe era exigível a desincompatibilização, porquanto a hipótese dos autos se acomoda à exceção contida na parte final da letra ¿i', inciso II do artigo 1º da Lei Complementar nº 64/90’ e que ‘a mudança da dotação orçamentária feita no contrato em voga não implicou alteração contratual, mas simples apostilamento’.[...] 6. A decisão regional está alinhada com o entendimento deste Tribunal, no sentido de que ‘o contrato firmado entre pessoa jurídica e o Poder Público, oriundo de pregão, obedece em regra a cláusulas uniformes, aplicando–se a ressalva da parte final do art. 1º, II, i, da LC 64/90 e, por conseguinte, não se exigindo afastamento do respectivo dirigente [...]”. (Ac. de 11.12.2020 no AgRREspEl 060009524, rel. Min.Sérgio Banhos.)

 

DESINCOMPATIBILIZAÇÃO - ART. 1º, II, I DA LC 64/90. São inelegíveis para o cargo de prefeito os que, dentro de quatro meses anteriores às eleições, ‘[...] hajam exercido cargo ou função de direção, administração ou representação em pessoa jurídica ou em empresa que mantenha contrato de execução de obras, de prestação de serviços ou de fornecimento de bens com órgão de Poder Público ou sob seu controle, salvo no caso de contrato que obedeça a cláusulas uniformes’ (art. 1º, II, i c/c IV, a, da LC 64/90). JURISPRUDÊNCIA, LEGISLAÇÃO. Contrato firmado entre pessoa jurídica e o Poder Público, oriundo de pregão, obedece em regra a cláusulas uniformes, aplicando-se a ressalva da parte final do art. 1º, II, i, da LC 64/90 e, por conseguinte, não se exigindo afastamento do respectivo dirigente. Nesse sentido: REspe 109-49/CE, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 28.3.2017; AgR-REspe 123-87/PR, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 13.3.2017; REspe 401-43/PR, Rel. Min. Luciana Lóssio, de 14.12.2016; AgR-REspe 219-89/MG, Rel. Min. Luciana Lóssio, de 22.11.2016; REspe 199-51/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, de 6.12.2012; REspe 237-63/PR, Rel. Min. Arnaldo Versiani, de 11.10.2012. Contrato administrativo na forma de pregão possui termos e condições estabelecidos em lei e predeterminados no certame, de modo que, em regra, rege-se por cláusulas uniformes, inexistindo espaço para que o licitante imponha sua vontade. Conquanto nessa modalidade de licitação seja possível oferecimento de propostas verbais, elas limitam-se ao preço do objeto licitado, a teor do art. 4º, IX, da Lei 10.520/2002, não sendo possível realizar concessões recíprocas. Ademais, os lances não podem alterar nem sequer as condições das propostas, o que demonstra a limitação do poder de barganha da empresa. Dessa forma, a vontade do contratante manifesta-se apenas na apresentação do menor preço, sendo que as demais cláusulas contratuais são previamente estabelecidas pelo ente público, o que caracteriza a hipótese de contrato de cláusulas uniformes prevista na ressalva do art. 1º, II, i, da LC 64/90” (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 4614, Min. Herman Benjamin, DJE 02/08/2018)

 

“Segundo a jurisprudência mais recente deste Tribunal Superior, ‘o contrato firmado com o Poder Público decorrente de pregão obedece, em geral, a cláusulas uniformes, motivo pelo qual se aplica a ressalva da parte final do art. 1º, II, i, da Lei Complementar nº 64/90, não havendo necessidade de desincompatibilização’ (REspe nº 237-63/PR, Rel. Min. Arnaldo Versiani, PSESS de 11.10.2012)” (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 21989, Min. Luciana Lóssio, Publicação em Sessão, 22/11/2016)

 

Ou seja, percebe-se aqui que não houve, de parte do impugnante, o apontamento de quais cláusulas, afinal de contas, não seriam uniformes, bem como não existiu, na decisão recorrida, a análise de tais tópicos.

É certo que, há muito, a atuação do Poder Judiciário nos processos de registro de candidatura admite uma postura eminentemente ativa do magistrado nestes feitos. Nesse sentido, didático precedente:

[...] Nos processos de registro de candidatura, o Juiz Eleitoral pode conhecer de ofício vícios que acarretam o indeferimento do registro, sejam eles decorrentes da ausência de condição de elegibilidade ou da existência de causa de inelegibilidade (art. 46 da Resolução-TSE nO 22.717/2008). Precedentes: AgR-Respe nO33.558/PI, ReI. Min. Joaquim Barbosa, publicado na sessão de 30.10.2008; AgR-RO nO1.178/RS, ReI. Min. Cezar Peluso, DJ de 4.12.2006; RO nO932/GO, ReI. Min. José Delgado, publicado na sessão de 14.9.2006. [...] (Acórdão nO34.007, reI. min.Felix Fischer, de 26.11.2008)

 

Todavia, haveria de constar, nos presentes autos, o apontamento específico das cláusulas não uniformes, ou do contrato firmado pela AEGEA/CORSAN com o Estado do Rio Grande do Sul, ou do município de Pedro Osório.

Todavia, não foram tais circunstâncias apresentadas pelo impugnante, ou analisadas pelo Juízo a quo.

Nessa ordem de ideias, o único momento de esclarecimento favorece o recorrente – que na peça recursal demonstra a existência, no Edital de Leilão n. 01/22, o item 1.5, que apresentara, aos interessados, a “Minuta de Contrato de Compra e Venda de Ações e Outras avenças da CORSAN”, e o “preço de compra”, pré-fixado conforme itens 3.1 e 4.13 do Edital (ID 45683844).

Ou seja, desnecessária a desincompatibilização, diante da ausência de comprovação de que os contratos da CORSAN/AEGEA com o Estado do Rio Grande do Sul, ou com o município de Pedro Osório, possuem cláusulas não uniformes.

Diante o exposto, voto pelo PROVIMENTO do recurso, ao efeito de deferir o registro de candidatura de DAVI GREQUE LUCAS para concorrer ao cargo de Prefeito no município de Pedro Osório, nas eleições de 2024.