REl - 0600276-74.2024.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/09/2024 às 14:00

VOTO

Inicialmente, considero que a presente ação sequer seria cabível, pois o processo de prestação de contas é ajuizado pelo próprio candidato, não havendo que se falar em nulidade de citação da parte autora de uma ação judicial.

A jurisprudência do TSE é firme no sentido de que o cabimento da ação anulatória “restringe–se às hipóteses de revelia decorrente de ausência ou de defeito na citação e de sentença proferida sem dispositivo legal, sem assinatura do magistrado ou exarada por quem não exerce função judicante ou atividade jurisdicional” (REspEl: 06000455620186130000, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, DJE 06.6.2019, e AgR– AI 505–93, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 5.3.2015).

Ora, se a ação anulatória é prevista somente para alegação da parte ré de que não foi citada em processo judicial, inviável o pedido de anulação, por defeito de citação, em processo ajuizado pelo próprio autor e interessado na declaração da nulidade.

Se há nulidade, esta foi causada pelo candidato prestador de contas, que ajuizou o processo sem a juntada de procuração.

Assim, a tese de vício na intimação para regularização de representação processual não está entre as hipóteses de cabimento da ação anulatória.

De qualquer sorte, analisei atentamente os autos, uma vez que a alegação de nulidade de intimação é demasiadamente grave e que, no caso em tela, o julgamento pela não prestação de contas acarreta a severa sanção de ausência de quitação eleitoral “até o fim da legislatura, persistindo os efeitos da restrição após esse período até a efetiva apresentação das contas” (art. 80, inc. I, Resolução TSE n. 23.607/19).

Transcrevo trecho da decisão recorrida:

(…)

Compulsando os autos da referida PCE, verifica-se o que segue.

Apresentadas as contas parciais (ID 24493064), identificou-se irregularidade na representação processual (ausência de instrumento de mandato outorgado a advogado), desconsiderando o caráter jurisdicional da prestação de contas, que se revela nos artigos 45, § 5º, e 47, II, combinado com o § 1º, IV, dentre outros, da Res. TSE n. 23.607/2019.

Por isso, houve intimação, pelo mural eletrônico, para que regularizasse a representação processual, em 30 de outubro de 2020 (ID 25325659), ainda antes da eleição municipal, que, como se sabe, naquele ano ocorreu em 15 de novembro (Emenda à Constituição n. 107/2020).

Todavia, essa primeira intimação não foi válida, pois o prestador de contas não possuía advogado constituído nos autos, e o art. 98 da Res. TSE n. 23.607/2019 prevê que as intimações serão feitas pelo mural eletrônico, na pessoa do advogado, e, na sua ausência, pessoalmente ao prestador contas (§ 8º).

Levantado o sobrestamento em 2 de março de 2021, publicou-se edital para impugnação das contas e, em 11 de maio de 2021, certificou-se que ainda não havia sido regularizada a representação processual (ID 86692593).

Ressalte-se que, àquele momento, já se estava fora do período eleitoral. Logo, as citações e intimações seguiam a regulamentação ordinária. No caso do TRE-RS, estava em vigor a Resolução TRE-RS n. 347/2020, que previa a facultatividade da comunicação processual se dar por mensagem instantânea.

Art. 8º Se não houver Termo de Adesão, as citações, intimações e notificações poderão ser encaminhadas ao número de telefone móvel por meio de mensagem instantânea enviada pelo aplicativo WhatsApp Messenger e, frustrado o seu uso, ao endereço de e-mail, registrados em nome da parte nos bancos de dados cadastrais da Justiça Eleitoral (exemplificativamente, o SGIP e o Sistema ELO).

§ 1º Inexistindo Termo de Adesão:

I - se a parte confirmar a leitura da mensagem instantânea no prazo de 2 (dois) dias, ou, frustrada esta, confirmar a leitura do e-mail no mesmo prazo, e praticar o ato processual de forma tempestiva, a comunicação será considerada válida;

II - se a parte confirmar a leitura da mensagem instantânea, mas deixar de praticar o ato processual tempestivamente, o servidor responsável deverá proceder conforme disciplinado nos arts. 246 ou 274 e 275 do Código de Processo Civil , conforme o caso, dispensando-se a comunicação do ato por e-mail;

III - se a parte não confirmar a leitura da mensagem instantânea no prazo de 2 (dois) dias, e o servidor responsável realizar a comunicação do ato por e-mail, uma vez não confirmada a leitura deste, deverá adotar o procedimento descrito nos §§ 1º a 4º do artigo anterior.

§ 2º Na hipótese do caput deste artigo, as comunicações destinadas aos partidos políticos e seus respectivos dirigentes, em processos judiciais cíveis e administrativos, que tramitam em meio eletrônico ou físico, perante o primeiro e o segundo graus de jurisdição, poderão ser dirigidas aos números de telefone móvel, ou endereços de e-mail, informados no Sistema de Gerenciamento de Informações Partidárias (SGIP), ou outro banco de dados cadastrais da Justiça Eleitoral, devendo ser observados os procedimentos descritos no parágrafo anterior ( Resolução TSE n. 23.328/2010, art. 3º, caput ).

Dada a baixa efetividade da comunicação processual por mensagem instantânea e a frequente necessidade de expedição de carta registrada para saneamento, o juízo optou por utilizar este meio (ID 86698521).

Assim, foi expedida carta registrada, com aviso de recebimento (ID 87465411, 88220998 e 88222765), para o endereço constante tanto do RCand 0600277-98.2020.6.21.0057 quanto do cadastro eleitoral do prestador de contas (espelho da consulta em anexo): Avenida Presidente Vargas, 3123 (ID 88702409).

A entrega foi efetivada, sendo juntado aos autos aviso de recebimento (ID 88700619 e 88702409).

A citação, portanto, é válida.

Decorrido o prazo sem resposta, certificou-se nos autos (ID 90581442) a existência de endereço alternativo em que o ora peticionante exercia atividade profissional (Av. Presidente Vargas, 4288, CEP 97510-163, sede do CNPJ 94.476.926/0001-00, nome fantasia Esquina do Pão).

O juízo, por excesso de zelo, determinou nova tentativa de citação, desta vez para o novo endereço constante dos autos (ID 90624522).

Novamente a correspondência foi entregue com sucesso, inclusive com indicação de que o próprio prestador a recebeu (ID 98479864 e 98479875).

Frise-se que o preenchimento do aviso de recebimento é atribuição do funcionário dos Correios, possuindo, portanto, fé pública, devendo haver prova suficiente para reconhecimento de sua inveracidade.

O prazo para manifestação também decorreu sem resposta (ID 98913999).

O processo seguiu seu trâmite normalmente até a sentença (ID 100367687).

Novamente, expediu-se intimação para o endereço constante dos autos (ID 100531680) e houve juntada de aviso de recebimento indicando como recebedor o próprio prestador (ID 100802081 e 100802084).

Assim, o que se extrai dos autos da PCE 0600360-17.2020.6.21.0057 não é o erro de procedimento do juízo, senão a extrema desídia do prestador de contas, que não constituiu advogado, não respondeu a três correspondências e não demonstrou o mínimo interesse em acompanhar sua prestação de contas de campanha.

O ajuizamento desta ação revela-se, no mínimo, contraditório, pois o prestador de contas, agora candidato, percebeu que sua desídia lhe causou a não quitação por toda a legislatura (2021-2024), retirando-lhe, portanto, a capacidade eleitoral passiva, impedindo-o, em tese, de concorrer nas eleições de 2024 (art. 80 da Res. TSE n. 23.607/2019).

Pelo exposto, indefiro a concessão de tutela provisória e, de plano, já se contando com todos elementos para tanto, inclusive porque o avizinhamento do pleito isso recomenda, julgo improcedente a ação declaratória de inexistência de sentença (querela nullitatis insanabilis), com fundamento no art. 487, inciso I, do CPC.

(...)

 

Como se vê, o magistrado a quo apontou que a intimação para juntada de procuração foi enviada por carta com aviso de recebimento e foi endereçada para o local de recebimento de intimações  loca Por duas vezes o documento foi recebido no local, o qual o recorrente informa ser o de seu estabelecimento comercial.

O endereço para o qual foi enviada a carta de intimação é o mesmo do contido no cadastro eleitoral e no registro de candidatura, não havendo qualquer nulidade no procedimento de intimação.

Ressalto que, segundo o Tribunal Superior Eleitoral: “é válida a notificação encaminhada ao endereço fornecido pelo próprio candidato, no ato de registro de sua candidatura, sendo sua obrigação informar eventual alteração” (TSE - RESPE 228771/CE, Rel. Ministra Luciana Lóssio, DJE de 25.4.2016). De igual modo, o TSE também já decidiu que: “não constitui vício transrecisório a intimação de candidato para prestar contas, encaminhada pelos Correios com aviso de recebimento, quando dirigida ao endereço fornecido pelo próprio interessado à Justiça Eleitoral, ainda que recebida por terceiro” (TSE. AI n. 31127/BA, Rel. Min. Admar Gonzaga Neto. DJE 1º.4.2019).

Com esse entendimento, os seguintes precedentes:

MANDADO DE SEGURANÇA - ATO JUDICIAL - AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE - ACERTO DA DECISÃO IMPUGANADA - NOTIFICAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS - ENVIO VIA POSTAL - AR SUBSCRITO POR TERCEIRO - VALIDADE - DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONTRA A DECISÃO LIMINAR PREJUDICADOS. 1 - Não há ilegalidade na decisão judicial que entende como válida notificação de ausência de prestação de contas enviada ao endereço do candidato e recebida por terceiro. 2 - Segurança denegada. Embargos de declaração prejudicados.

(TRE-ES - MS: 0000122-26.2016.6.08.0000 VILA VELHA - ES 12226, Relator: CARLOS SIMÕES FONSECA_1, Data de Julgamento: 17.04.2017, Data de Publicação: DJE-None, data 11.05.2017.)

 

MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DE REQUERIMENTO DE TUTELA DE URGÊNCIA FORMULADO EM AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. Não é viciada a intimação de candidato para prestar contas, encaminhada pelos Correios com aviso de recebimento (AR), quando dirigida ao endereço fornecido pelo próprio interessado à Justiça Eleitoral, ainda que recebida por terceiro. Precedente do TSE. É certo que todo candidato tem o dever de prestar contas à Justiça Eleitoral. Ocorrendo omissão, ele deverá ser notificado para fazê-lo. O impetrante foi notificado no endereço por ele informado, mesmo que por terceiro. O Tribunal Superior Eleitoral firmou o entendimento de que "é válida a notificação encaminhada ao endereço fornecido pelo próprio candidato, no ato de registro de sua candidatura, sendo sua obrigação informar eventual alteração (TSE - RESPE 228771/CE, Rel. Ministra Luciana Lóssio, DJE de 25/4/2016). Demais disso, o TSE também decidiu que"não constitui vício transrecisório a intimação de candidato para prestar contas, encaminhada pelos Correios com aviso de recebimento, quando dirigida ao endereço fornecido pelo próprio interessado à Justiça Eleitoral, ainda que recebida por terceiro"(TSE. AI nº 31127/BA, Rel. Min. Admar Gonzaga Neto. DJE 1º/4/2019). Ausência de teratologia na decisão proferida pela MM. Juíza Eleitoral. SEGURANÇA DENEGADA.

(TRE-MG - MS: 06013154720206130000 CARANDAÍ - MG 060131547, Relator: Des. Cláudia Aparecida Coimbra Alves-, Data de Julgamento: 08.10.2020, Data de Publicação: 14.10.2020.)

 

Anoto que a necessidade de juntada de procuração nos processos de contas de campanha tem previsão expressa na Resolução TSE n. 23.607/TSE:

Art. 48. As prestações de contas parciais encaminhadas à Justiça Eleitoral serão autuadas automaticamente no Processo Judicial Eletrônico (PJe) quando do envio pelo SPCE.

§ 1º Uma vez recebido pela prestadora ou pelo prestador de contas, no SPCE, o número do processo judicial eletrônico autuado, a prestadora ou o prestador de contas deve providenciar a juntada do instrumento de procuração da advogada ou do advogado diretamente no PJE.

(…)

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

(...)

II - pelos seguintes documentos, na forma prevista no § 1º deste artigo:

(...)

f) instrumento de mandato para constituição de advogada ou de advogado para a prestação de contas, caso não tenha sido apresentado na prestação de contas parcial;

(...)

 

E, de acordo com o TSE: “não há se falar na existência de mandato tácito, ante a falta de previsão legal do instituto nesta justiça especializada, em que a representação em juízo se faz por instrumento formal de procuração ou por meio de certidão arquivada em cartório” (TSE - AgR-REspe: 337883 SP, Relator: Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 06.10.2010, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 06.10.2010).

Quanto à falta de intimação eletrônica, conforme apontada na sentença e no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, tendo em vista que a intimação ocorreu fora do período eleitoral, “as citações e intimações seguiam a regulamentação ordinária. No caso do TRE-RS, estava em vigor a Resolução TRE-RS n. 347/20, que previa a facultatividade da comunicação processual se dar por mensagem instantânea”.

Portanto, correta a sentença recorrida.

Consigno que, conforme os autos do processo PCE n. 0600360-17.2020.6.21.0057, no qual prolatada a sentença que se pretende anular, ocorreu longo transcurso de lapso de tempo entre o ajuizamento das contas de campanha do pleito de 2020 desacompanhadas da juntada de procuração, ocorrido em 28.10.2020, o trânsito em julgado da sentença de conclusão pelo julgamento das contas como não prestadas, datada de 02.12.2021, e a propositura da presente ação, realizada em 20.8.2024 (ID 45678311).

Por fim, o caso dos autos não se amolda ao novel entendimento do TSE quanto à possibilidade de regularização do vício de representação processual do prestador enquanto não esgotadas as instâncias ordinárias, pois o processo transitou em julgado sem a pertinente juntada de instrumento de mandato (TSE - REspEl: 060038448 BORBA - AM, Relator: Min. Mauro Campbell Marques, Data de Julgamento: 02.9.2022, Data de Publicação: 15.9.2022).

Dessa forma, diante da ausência de vício nas intimações, não merece reforma a sentença que julgou improcedente a ação anulatória.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.

Comunique-se à respectiva zona eleitoral.

Associe-se este feito ao REl 0600176-22.2024.6.21.0057.