PC-PP - 0600232-03.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/09/2024 às 14:00

VOTO

O Diretório Estadual do UNIÃO BRASIL (partido sucessor) apresenta as contas do Diretório Estadual do DEMOCRATAS (partido sucedido), relativas ao exercício financeiro do ano de 2022.

Passo ao exame das irregularidades relatadas no parecer conclusivo (ID 45607087).

1. Do Recebimento de Contribuições de Pessoas Físicas Não Filiadas ao Partido Político

Foi apontado pela Unidade Técnica o recebimento de recursos de fontes vedadas, decorrente de contribuições de pessoas físicas não filiadas ao partido político, no valor de R$ 1.750,00, nos termos do item 2.2 do parecer conclusivo (ID 45607087):

A agremiação não se manifestou a respeito da irregularidade apontada, sendo, assim, incontroverso que os doadores relacionados pelo órgão técnico realizaram doações ao órgão partidário ao tempo em que ocupavam funções ou cargos públicos comissionados e não estavam filiados ao partido político favorecido no tempo das contribuições.

Por conseguinte, todas as doações são consideradas fontes vedadas de arrecadação, uma vez que não estão abrangidas na ressalva contida no inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

 

Portanto, está configurada a irregularidade no recebimento de recursos de fonte vedada, no importe de R$ 1.750,00, oriundos de contribuições de servidores ocupantes de cargos ou funções de livre nomeação e exoneração, devendo, em consequência, o respectivo valor ser recolhido ao Tesouro Nacional, com fulcro no art. 12, inc. IV e § 1º, c/c o art. 14, caput e § 1º, todos da Resolução TSE n. 23.604/19.

 

2. Do Recebimento de Recursos de Origem Não Identificada

A unidade técnica constatou irregularidades no uso de recursos de origem não identificada (RONI), pois constatou o recebimento pela agremiação de valores oriundos de órgão de direção municipal sem a identificação do doador originário, em contrariedade aos arts. 5º, inc. IV, 7º e 8º, da Resolução TSE n. 23.604/19, conforme a seguinte tabela:

Sobre o apontamento, a grei não se manifestou.

Com efeito, da análise dos extratos bancários eletrônicos disponibilizados pelo TSE, verifica-se dois depósitos, respectivamente, de R$ 1.000,00 e R$ 1.500,00, no somatório de R$ 2.500,00, realizados pelo DEM de Guaíba, ambos, em 18.02.2022 (ID 44998746).

O art. 11, inc. III, da Resolução TSE n. 23.604/19 expressamente prescreve que os órgãos partidários, após o crédito bancário, devem emitir recibo de doação para as transferências financeiras realizadas entre níveis de direção partidária do mesmo partido, com identificação do doador originário, o que não se observa na hipótese dos autos.

Logo, o órgão partidário não complementou as informações necessárias sobre a procedência da fonte de financiamento, dificultando a atuação da fiscalização desta Justiça Especializada sobre eventuais recebimentos de recursos oriundos de fontes vedadas ou de verbas públicas por intermédio da agremiação hierarquicamente inferior.

Nesse contexto, constituem-se recursos de origem não identificada transferências de quantias entre as instâncias partidárias sem a devida identificação dos doadores originários, a teor do art. 13, parágrafo único, inc. I, al. "a", da Resolução TSE n. 23.604/19.

Com essa orientação, colaciono julgados deste Tribunal Regional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. DESAPROVAÇÃO. NÃO CONHECIDA A DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA COM O APELO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. TRANSFERÊNCIA DE VALORES DO DIRETÓRIO NACIONAL SEM IDENTIFICAÇÃO DOS DOADORES ORIGINÁRIOS. AFASTADA A SUSPENSÃO DO REPASSE DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. SUBSTITUIÇÃO DA PENALIDADE PELA TRANSFERÊNCIA DOS RESPECTIVOS RECURSOS AO TESOURO NACIONAL. MULTA. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de diretório municipal de partido político, relativas ao exercício financeiro de 2020, determinando o recolhimento da quantia irregular, acrescida de multa, e a suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário. Não conhecida a documentação apresentada com o recurso, pois necessária nova análise técnica.

2. Recebimento de recursos de origem não identificada. Repasses de valores do diretório nacional ao diretório municipal da agremiação sem a devida identificação dos doadores originários, hipótese prevista no art. 13, inc. I, al. "a", da Resolução TSE n. 23.604/19. Mantida a determinação de recolhimento do montante irregular ao Tesouro Nacional, conforme o art. 58, § 2º, da mesma resolução.

[...].

4. Provimento parcial. Afastada a imposição de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, mantidos os demais termos da sentença.

(RECURSO ELEITORAL nº060006563, Acórdão, Des. Nilton Tavares Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 21/06/2024) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DO ANO DE 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. DOAÇÕES RECEBIDAS DO DIRETÓRIO NACIONAL. NÃO IDENTIFICADOS DOADORES ORIGINÁRIOS. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. FALHAS SANADAS PARCIALMENTE. PERCENTUAL DA IRREGULARIDADE ABAIXO DO PARÂMETRO JURISPRUDENCIAL. DESCABIDA A APLICAÇÃO DE MULTA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas de diretório estadual de partido político, referente ao exercício financeiro do ano de 2020.

2. Doações recebidas do diretório nacional do partido, sem identificação dos doadores originários, conforme determina o art. 5º, inc. IV, da Resolução TSE 23.604/19. Apresentada documentação inapta a comprovar a origem das receitas, devendo o montante ser recolhido ao Tesouro Nacional.

[...].

5. Aprovação com ressalvas.

(PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL nº060010417, Acórdão, Des. RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 15/08/2023) (Grifei.)

 

Por conseguinte, verificado o recebimento destes recursos de origem não identifica, o órgão partidário deve recolher o montante de R$ 2.500,00 ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), na forma do art. 14, caput, c/c o art. 13, parágrafo único, inc. I, al. "a", ambos da Resolução TSE n. 23.604/19.

 

3. Da Aplicação Irregular de Recursos do Fundo Partidário

3.1. Do Pagamento de Juros e Multa com Recursos do Fundo Partidário

No item 4.2 do parecer conclusivo, a análise técnica identificou despesas no montante de R$ 141,00, relativas a juros e multa, com o fornecedor "LOCALIZA RENT A CAR" (ID 45607087, fl. 6).

O art. 17 da Resolução TSE n. 23.604/19 veda a utilização dos recursos do Fundo Partidário para "quitação de multas relativas a atos infracionais, ilícitos penais, administrativos ou eleitorais ou para a quitação de encargos decorrentes de inadimplência de pagamentos, tais como multa de mora, atualização monetária ou juros".

Assim, o valor de R$ 141,00 está sujeito à devolução ao erário, nos termos preconizados no art. 58, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

 

3.2. Da Aplicação Mínima de Recursos do Fundo Partidário na Promoção e Difusão da Participação Política das Mulheres

No item 4.5 do parecer conclusivo, constou que o prestador de contas não logrou êxito em demonstrar a aplicação mínima de 5% de recursos do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, em atendimento ao art. 44, inc. V, da Lei n. 9.096/95, litteris:

Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados:

(…).

V - na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, criados e executados pela Secretaria da Mulher ou, a critério da agremiação, por instituto com personalidade jurídica própria presidido pela Secretária da Mulher, em nível nacional, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total;

 

Na hipótese, a agremiação recebeu R$ 60.000,00 em recursos do Fundo Partidário, no exercício de 2022, de forma que deveria ter aplicado R$ 3.000,00 nessa destinação específica, no mínimo.

Como indicado pelo examinador técnico: "em relação a única despesa verificada nesta conta (R$ 177,90), através dos extratos bancários eletrônicos enviados pelo TSE, não foi apresentada nenhuma comprovação do gasto, bem como da aplicação na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, razão pela qual não foi possível atestar a destinação de quaisquer valores à cota de gênero".

Logo, tendo o DEMOCRATAS deixado de aplicar o montante devido na ação afirmativa em destaque, deve o partido sucessor, UNIÃO BRASIL, transferir, no exercício subsequente, o montante R$ 3.000,00 para conta bancária específica destinada à criação ou manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, sendo vedada sua aplicação para finalidade diversa, sob pena de acréscimo de 12,5%, conforme art. 44, § 5º, da Lei n. 9.096/95.

Tal medida não representa penalidade, mas providência assecuratória da utilização dos valores destinados ao incentivo de participação feminina na política, conforme entendimento do TSE:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO.

(…)

PROMOÇÃO DA PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA. ANISTIA. ARTS. 2º E 3º EC 117/2022. DETERMINAÇÃO DE APLICAÇÃO DOS RECURSOS NOS EXERCÍCIO FINANCEIROS SUBSEQUENTES. POSSIBILIDADE. MULTA COMINATÓRIA DO ART. 44, § 5º, AFASTADA. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.

(...)

6. A determinação de aplicação do valor em conta específica para a finalidade estabelecida no art. 44, V, da Lei 9.096/1997 não se trata de penalidade, mas de uma forma de assegurar a utilização dos valores destinados ao incentivo de participação feminina na política nas eleições seguintes ao trânsito em julgado, conforme previsto no art. 2º da EC 117/022.

7. Por não ser mais possível a aplicação de sanção de qualquer natureza, a multa cominatória prevista no art. 44, § 5º, da Lei 9.096/1995 deve ser afastada, nos termos do art. 3º da EC 117/2022

8. Agravo interno parcialmente provido.

(TSE, AgR-REspEl n. 0600284-38.2018.6.21.0000/RS, Relator: Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 08.9.2022) (Grifei.)

 

De seu turno, a penalidade de acréscimo de 12,5% por eventual descumprimento à presente ordem há de ser avaliada no momento do julgamento das contas de futuros exercícios do UNIÃO BRASIL e, portanto, posteriormente ao marco temporal de incidência da anistia trazida pela Emenda Constitucional n. 117 de 05.4.2022, descabendo seu afastamento neste processo.

 

4. Do Julgamento das Contas

O montante total das irregularidades sujeitas à devolução ao Tesouro Nacional alcançam o valor de R$ 4.391,10 (R$ 1.750,00 + R$ 2.500,00 + R$ 141,10), quantia que representa 5,47% do total de recursos recebidos (R$ 80.199,41), possibilitando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, conforme entendimento consolidado desta Corte (REl n. 0600030-05, Acórdão, Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, DJE de 26.9.2023).

Tal conclusão, porém, não afasta o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores oriundos de fontes vedadas, de origem não identificada e do Fundo Partidário cuja aplicação não se mostrou regular, uma vez que resulta de preceitos específicos, independentemente da sorte do julgamento final sobre o mérito das contas.

Da mesma forma, a extinção do partido prestador de contas originário impõe que a responsabilidade pelo ressarcimento ao erário seja atribuída ao sucessor, tendo em vista a fusão partidária operada (TSE, Prestação de Contas n. 0601855-63, Acórdão, Relator: Min. Edson Fachin, DJE de 10.05.2022; Consulta n. 0600241-47, Acórdão, Relator: Min. Alexandre de Moraes, DJE de 29.8.2022).

 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO por aprovar com ressalvas as contas do exercício financeiro de 2022 do Diretório Estadual do DEMOCRATAS - RS, com fundamento no art. 45, inc. II, da Resolução TSE n. 23.604/19, e por determinar ao órgão partidário sucessor, UNIÃO BRASIL:

a) o recolhimento do montante de R$ 4.391,10 ao Tesouro Nacional, sendo: (a.1) R$ 1.750,00 por recebimento de recursos de fonte vedada; (a.2) R$ 2.500,00 pela utilização de recursos de origem não identificada; e (a.3) R$ 141,10 por ausência de comprovação da aplicação de verbas do Fundo Partidário; e

b) a transferência no exercício subsequente do montante de R$ 3.000,00 para a conta bancária específica destinada para a criação ou manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, sendo vedada sua aplicação para finalidade diversa, sob pena de acréscimo de 12,5% (doze inteiros e cinco décimos por cento), conforme art. 44, § 5º, da Lei n. 9.096/95.