REl - 0600268-48.2024.6.21.0138 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/09/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

De início, anoto que a jurisprudência tem admitido o manejo da ação anulatória de convenção partidária que possa projetar reflexos no registro de candidaturas, exceto quando a via se transmudar em sucedâneo da impugnação ao DRAP não oferecida na oportunidade própria ou, então, resultar em eficácia própria da ação rescisória, cuja previsão, na orbe eleitoral, é restrita aos casos que versem sobre inelegibilidade perante o TSE.

Na espécie, o Rcand n. 0600320-44.2024.6.21.0138 trata do Demonstrativo de Atos Partidários (DRAP) da Coligação "Um Novo Tempo - Humildade para Ouvir - Coragem para Fazer", integrada pelos partidos MDB e PSB, e versa sobre a disputa majoritária para os cargos de prefeito e vice-prefeito, sendo candidatos, respectivamente, Gustavo Baccin e Domingos Cláudio Kujawa, conforme se pode observar da consulta aos respectivos autos eletrônicos.

A presente ação anulatória foi originalmente proposta em 14.08.2024, anteriormente, inclusive, ao oferecimento dos DRAPs relativos ao pleito majoritário, protocolados, ambos, em 15.08.2024.

Ainda, é pacífico o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que é de competência da Justiça Eleitoral a análise de controvérsias do âmbito interno dos partidos quando projetarem reflexo direto no processo eleitoral (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 81254, Relator: Min. Henrique Neves da Silva, acórdão de 02.04.2013), tal como ocorre na hipótese, pois a controvérsia envolve a formação de chapas ao pleito majoritário para a disputa eleitoral e a legitimidade da deliberação realizada na convenção partidária.

Diante disso, a ação restou oportunamente proposta, por meio processual admitido na ordem jurídica para a hipótese, e, assim, atendidos os demais pressupostos, cumpre o exame de fundo do apelo interposto.

Quanto ao mérito, adianto que o recurso não merece provimento.

Os recorrentes alegam a ocorrência de ilegalidade e arbitrariedade da direção executiva do órgão partidário municipal, que decidiu pela inabilitação à convenção partidária da chapa composta por Lourdes Benvegnú Foppa e Daniel Favero, para a disputa aos cargos de prefeita e vice-prefeito, respectivamente, por não terem apresentado os documentos com assinatura eletrônica ou firma reconhecida, bem como pela ausência da declaração de que a candidatura não era fictícia para se habilitarem à votação.

Conforme consta detalhado em contestação (ID 45680143), a inabilitação dos recorrentes ocorreu com base na Resolução n. 1, de 14.3.2024, expedida pelo Diretório Nacional do MDB, sendo esse o regulamento a ser observado pelas instâncias municipais para as inscrições de candidatos às convenções partidárias de 2024.

Observa-se que a referida Resolução foi publicada na edição n. 59 do Diário Oficial da União, de 26.3.2024, e se encontra disponível a qualquer pessoa na página eletrônica do Diretório Nacional do MDB (https://www.mdb.org.br/arquivos/), de modo que deve ser afastada a alegação de que seu conteúdo não teria sido adequadamente divulgado aos filiados.

De seu turno, os recorrentes não controvertem a questão envolvendo o efetivo descumprimento das regras estipuladas pela instância nacional do partido, limitando-se a sustentar que a inabilitação da chapa ocorreu sem que lhes fossem garantidos o contraditório e a ampla defesa e sem lhe permitir o saneamento das falhas.

De seu turno, os recorridos destacam a previsão do art. 90, § 5º, do Estatuto do MDB, com o seguinte teor:

Art. 90. Cada grupo de filiados igual ou superior ao número de membros do Diretório poderá requerer, por escrito, à Comissão Executiva Municipal ou zonal, até 8 (oito) dias antes da Convenção respectiva, o registro de chapas completas, compreendendo candidatos ao Diretório Municipal ou zonal em número igual ao de vagas fixadas pelo Diretório Estadual de 1/3 (um terço); de suplentes; além dos candidatos às comissões de Ética e Delegados com seus respectivos suplentes.

(…).

5º. A Comissão Executiva Municipal ou Zonal deliberará sobre o registro de chapas até 5 (cinco) dias antes da Convenção, e, em havendo indeferimento, caberá recurso à Comissão Executiva Estadual dentro de prazo de 3 (três) dias que deliberará a respeito em igual prazo, por decisão é irrecorrível.

 

Na hipótese, a convenção partidária do MDB de Casca/RS foi marcada para o dia 04.8.2024 e o respectivo edital de convocação foi tornado público em 17.7.2024 (ID 45680151). Contudo, o pedido de inscrição da chapa integrada por Lourdes e Daniel somente foi apresentado ao órgão partidário em 01.8.2024, consoante relatam os próprios recorrentes (ID 45680045), de modo a impossibilitar o exame antecipado do pedido de pré-candidatura.

Observa-se, ainda, não ser atribuição da própria convenção partidária a decisão ou o exame de recurso sobre a inabilitação de pré-candidatos, uma vez que o Estatuto Partidário prevê a reanálise pela Comissão Executiva Estadual, por meio de recurso oferecido no prazo de 3 (dias), o que não ocorreu no caso em tela.

Sobre o ponto, colho as judiciosas ponderações da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45681782):

(…) os recorrentes não interpuseram o recurso previsto no Estatuto do partido, optando por se insurgir contra a decisão da Executiva Municipal diretamente à Justiça Eleitoral. Embora não seja pré-requisito para interposição da presente ação o indeferimento do recurso pela Comissão Executiva Estadual, essa opção enfraquece a alegada violação do direito de defesa.

 

Assim, as razões e elementos probatórios destacados pelos recorrentes não têm aptidão para ilidir os fundamentos vertidos da judiciosa sentença, os quais transcrevo e adoto como razões de decidir:

[…].

Em relação às objeções ao registro de manifestações de advogados que assistiam aos representantes durante a realização da convenção na ata de convenção, a defesa afirma que se buscou tão somente a observação de um "protocolo formal mínimo", solicitando que as advogadas presentes apresentassem requerimentos formais, juntamente com procuração para confirmar a quem representavam, já que, segundo a defesa, tais advogadas não eram filiadas ao partido e, portanto, não teriam direito de manifestação por si só, mas apenas como representantes de algum dos convencionais. Também aduz que a ata de convenção tem a finalidade de registrar o processo de votação dos convencionais para o devido encaminhamento à Justiça Eleitoral. Afirma também que o ato não foi aberto para discursos em razão do "clima carregado, da difamação e das ameaças que estavam sendo perpetradas pelos representantes" (ID 122908200, página 11). Também infere que realmente o Sr. Januário Pinzetta afirmou que se a chapa única Gustavo/Januário não obtivesse maioria de votos na convenção, o MDB de Casca não teria candidatos à majoritária nas eleições municipais, mas que tal manifestação se deu depois do encerramento da votação, antes do escrutínio. Salienta que houve modificação na chapa majoritária, em razão de deliberação posterior da comissão executiva, com a apresentação do filiado Domingos Cláudio Kujawa como vice-prefeito, em substituição ao pré-candidato Januário Pinzetta.

Em relação ao conjunto da defesa, esta afirma que o processo que culminou na convenção partidária e na definição dos candidatos foi conduzido dentro dos limites legais e das disposições partidárias, com respeito a vontade da maioria dos convencionais, motivo pelo qual alega não haver motivos para a anulação da convenção.

[…].

Dessa forma, questões como o preterimento da chapa Lourdes/Daniel pela diretiva municipal do partido no período pré-convencional, a realização ou não de reuniões prévias para entendimento entre os partidários, quem estava ou não presente em tais reuniões, o "contexto traumático" em que ocorreram as prévias e a convenção partidária, nada disso possui implicações legais que justifiquem a intervenção do Poder Judiciário nos assuntos internos do partido político. No entendimento deste juízo, resta analisar duas questões: 1) Se o processo convencional foi conduzido por quem de direito. 2) Se a escolha dos candidatos seguiu os ditames legais e o regramento interno do partido político.

Em relação ao primeiro item, como já demonstrado, não há irregularidade na constituição do órgão diretivo municipal. O Sr. Januário Pinzetta é o presidente do diretório municipal. A considerar os documentos juntados aos autos e as manifestações dos próprios representados, é ele quem conduz os trabalhos, tanto nas prévias quanto na própria convenção.

O segundo item merece análise pormenorizada. Segundo consta nos autos (ID 122908886), houve a publicação de edital de convenção, definindo data, horário, local e pauta, a qual foi encaminhada à Câmara de Vereadores de Casca para publicação.

Em relação ao indeferimento da chapa Lourdes/Daniel, é preciso analisar o ato formal em si. Esta expresso na Resolução n. 1/2024 do MDB, artigo 3º, parágrafo segundo, reproduzida na página 21 do Manual das Eleições 2024 do MDB (ID 122909059) a exigência de firma reconhecida ou assinatura eletrônica no pedido de registro.

[…].

Ao presente processo interessa, portanto, apenas o indeferimento da pré-candidatura no contexto da convenção partidária. E, neste interim, assim como é admissível certo rigor formalístico no indeferimento por parte do diretório, também resta claro que a alegação de desconhecimento da regra por parte dos representantes também não se sustenta, dada a publicidade das exigências, tanto por meio da própria Resolução n. 1, a qual foi devidamente publicada no Diário Oficial da União, quanto por sua reprodução no Manual de Eleições 2024 do MDB, o qual, ao que consta, foi distribuído aos pré-candidatos. Desconstituir uma convenção partidária sob a alegação de que o requisito de reconhecimento de assinatura é exagerado ou descabido seria imiscuir-se nos assuntos internos do partido e na própria autonomia partidária. Ora, se o requisito não possui razão de ser ou pode ser ignorado em certas situações é assunto claramente interna corporis do partido político, não havendo espaço para interferência do poder judiciário neste mister. (…).

[…].

Resta analisar a condução da convenção em si. Consta em ata que os convencionais votaram para a aprovação ou não da chapa única existente, tendo em vista o indeferimento da chapa Lourdes/Daniel. A votação foi favorável a chapa Gustavo/Januário. Embora os representantes discutam o voto do convencional Evandro Enderle, que votou duas vezes na convenção, mesmo que tal voto duplo fosse desconsiderado, a chapa única teria sido aprovada. Em relação à inclusão das argumentações dos representantes na ata, assiste em parte o argumento da defesa, pois os itens obrigatório são os constantes no artigo 7º da Resolução 23.609/2019. Não há vedação de que constem outros elementos, no entanto, mais uma vez, tais questões são interna corporis do partido político. Desta forma, não se vislumbra ilegalidade flagrante que justifique a anulação da convenção. Finalmente, a conduta do Sr Januário Pinzetta na condução dos trabalhos não é digna de louvor, no entanto, mais uma vez, não há flagrante ilegalidade.

[…].

 

Consequentemente, não estando cabalmente comprovada qualquer ilegalidade no processo de escolha dos candidatos em convenção partidária, não cabe à Justiça Eleitoral imiscuir-se nas decisões adotadas no âmbito da autonomia garantida aos partidos políticos.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.