REl - 0600184-84.2024.6.21.0158 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/09/2024 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo. A sentença foi disponibilizada no PJE em 28.8.2024, e o recurso interposto em 30.8.2024, observando o tríduo recursal.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Mérito

Colegas, trata-se, em suma, de recurso eleitoral com pedido de tutela antecipada em ação anulatória de filiação (ao PSOL) cumulada com declaração de reconhecimento de filiação (ao PSB). Como relatado, o Juízo da Origem julgou parcialmente procedente a demanda, ao entender por anular a filiação ao PSOL sem, contudo, declarar o reconhecimento da filiação de ROGÉRIO ao PSB.

Em um primeiro momento, posterguei a análise do pedido de tutela antecipada (reconhecimento de filiação ao PSB desde 11.10.2023) para momento posterior à manifestação da d. Procuradoria Regional Eleitoral, uma vez que, além dos direitos políticos do recorrente, há no caso dos autos a inegável presença da necessidade de tutela da higidez dos cadastros eleitorais.

Houve o referido posicionamento ministerial pela negativa de provimento.

Assim, dada a celeridade que esta Justiça Especializada imprime aos feitos sob sua análise, entendo mais adequado seja o processo trazido, de uma vez, a este colendo Plenário. Não teria sentido, sobretudo pelo princípio da colegialidade, este relator emanar decisão que pode, desde já, ser tomada também pelos nobres pares.

À análise.

No mérito, o recorrente ROGÉRIO AMARO MENDONÇA insurge-se, repito, contra a decisão da 158ª Zona Eleitoral, a qual deferiu parcialmente o requerimento de cancelamento da sua filiação ao PSOL, com a consequente reversão da filiação ao PSB desde 11.10.2023.

A sentença hostilizada foi proferida nos seguintes termos:

Brevemente relatado o feito, de fato, não havendo o interesse do requerente ou mesmo do partido (PSOL) na manutenção de sua filiação, possível é o pronto cancelamento da inscrição partidária, cabendo ao próprio partido, na medida de sua responsabilidade, efetuar a alteração em sistema. Isso, contudo, não autoriza a pronta possibilidade de reversão da filiação para o partido em que anteriormente inscrito o requerente - no caso, o PSB.

Como bem atesta o Ministério Público em parecer no feito, "inegavelmente, para a segurança necessária do sistema eleitoral, a conclusão mais adequada para a situação apresentada no presente procedimento deve levar em conta a cadeia de filiações do requerente que consta no FILIA." E, nesse sentido, ausente prova mais robusta produzida no feito, o que consta no sistema FILIA é o descadastramento do requerente do partido anterior em mesma data da suposta filiação ao PSOL. Deixa, no feito, o requerente de demonstrar situação de participação partidária distinta junto ao PSB ou mesmo juntar suficiente manifestação deste quanto ao ocorrido, inclusive em face de desfiliação constante em sistema.

Nesse sentido, em que pese possível o reconhecimento de desfiliação do PSOL, há que se indeferir, por ausência de prova suficiente, a reversão pretendida para o partido anterior (PSB), acolhendo-se apenas parcialmente a pretensão da parte requerente no feito.

 

Em seus fundamentos, o recorrente argumenta ter se filiado ao PSB em 11.10.2023, mas, equivocadamente, o PSOL teria incluído o seu nome nos respectivos quadros desde 05.4.2024. Alega, ademais, que a sentença combatida resultou contraditória, "ao reconhecer que a inclusão do nome do recorrente ao PSOL se deu contra a sua vontade e não reverter a sua filiação anterior".

Inicialmente, ressalto que andou muito bem a sentença ao declarar nula, por erro, a filiação de ROGÉRIO ao PSOL: não há, nos autos, comprovação de manifestação de vontade do recorrente em relação ao vínculo de filiação a esta agremiação - aliás, o próprio PSOL aponta ter havido erro. Intimado, afirmou que "a informação de filiação ao PSOL consta por algum equívoco ou lapso interno. Requer escusas a este juízo e ao Autor, não tendo nada a opor quanto à declaração de filiação ao PSB".

Pacificado tal tópico, passo ao vínculo de filiação de ROGÉRIO com o PSB.

E é aqui que a sentença, de fato, merece reforma.

Indico que a intenção do vínculo ao PSB vem comprovada por meio da ficha de filiação assinada pelo candidato e pelo presidente da agremiação, na data de 11.10.2023 (ID 45683066). Trata-se, como consabido, de documento de caráter unilateral que, sozinho, não teria o condão de comprovar a filiação, nos termos de pacífica jurisprudência do e. TSE, matéria inclusive objeto de súmula.

No que diz respeito à validade da filiação perante esta Especializada, julgo que ela se mostra efetivada por meio de certidão de histórico de filiação, a qual reproduzo (ID 45683080):

 

Ou seja, a ficha de filiação ao PSB, assinada em 11.10.2023, foi cadastrada no sistema da Justiça Eleitoral em 15.10.2023. A isto sobreveio – equivocadamente, conforme a prova dos autos – o registro de filiação ao PSOL em 05.4.2024, o que gerou a anotação automática no campo “situação”, referente ao PSB, de “desfiliado em 05.4.2024”.

Destaco que duas formas podem originar a anotação de desfiliação partidária:

(1) a filiação à outra agremiação (apontada no campo "situação"), e

(2) informação do eleitor a respeito de sua desfiliação comunicada ao partido (apontada no campo "data cadastro desfiliação").

No caso, entendo evidenciado que a anotação de desfiliação derivou do registro do novo vínculo (ao PSOL), não por qualquer manifestação do recorrente, sobremodo pela identidade perfeita de datas. Assim foi porque havendo coexistência de filiações partidárias, prevalecerá a mais recente, devendo as demais serem canceladas automaticamente durante o processamento de que trata o § 2º do art. 12 desta Resolução (Resolução TSE n. 23.596/19, art. 22).

Ou seja, em linguagem corriqueira, a filiação ao PSOL (laborada sob equívoco) "derrubou" a filiação ao PSB de forma automática, de maneira que vale, aqui, o posicionamento exarado pelo e. TSE, em processo relatado pelo Exmo. Ministro Mauro Campbell Marques, no qual se firmou o entendimento no sentido de que:

“Em determinados casos de contornos excepcionais, nos quais evidenciada controvérsia acerca da existência de mácula na filiação com data mais recente, decorrente de fraude ou fortes evidências de coação ou vício na vontade do eleitor, denotando possível abuso de direito, cabe uma análise cognitiva mais ampla, de modo a viabilizar o exame de circunstâncias e fatos capazes de contribuir com a formação da convicção do julgador para além da interpretação literal do disposto no parágrafo único do art. 22 da Lei nº 9.096/95.”

(TSE – RespEl 0600104-65, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Publicação: DJe, 23.3.2021.)

 

Na mesma linha, esta Corte recentemente julgou questão envolvendo registro indesejado em agremiação, posterior à filiação preferida pelo eleitor. Transcrevo ementa do acórdão, de relatoria da Desa. Eleitoral Patrícia da Silveira Oliveira, em singular lição de efetividade ao exercício do ius honorum, direito de jaez fundamental na Carta Constitucional de 1988:

RECURSO. PEDIDO DE MANUTENÇÃO DE FILIAÇÃO. IMPROCEDENTE. DETERMINADA A VALIDADE DA FILIAÇÃO MAIS RECENTE. SÚMULA TSE N. 20. FICHA DE FILIAÇÃO. DOCUMENTO UNILATERAL. DESTITUÍDO DE FÉ PÚBLICA. INCAPAZ DE COMPROVAR A DATA DE FILIAÇÃO. AUSENTE SEGURANÇA SOBRE DATA DA NOVA FILIAÇÃO. POSSIBILIDADE DE QUEBRA DA BOA-FÉ OBJETIVA. IN DUBIO PRO IUS HONORUM. RESPEITO À CAPACIDADE PASSIVA ELEITORAL DA RECORRENTE. REFORMA DA SENTENÇA. CANCELADA FILIAÇÃO MAIS RECENTE E MANTIDA A MAIS ANTIGA. PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente pedido de manutenção de filiação, ajuizada contra o diretório municipal de partido político. Determinado o cancelamento da filiação mais antiga e a validade da filiação mais recente, sob o fundamento de que “a data de filiação é verificada pelo preenchimento da ficha, não pelo registro no sistema”. 2. O registro mais recente de filiação nos sistemas da Justiça Eleitoral importa no cancelamento automático dos vínculos partidários anteriores, na forma do parágrafo único do art. 22 da Lei n. 9.096/95 e do art. 22, caput, da Resolução TSE n. 23.596/19. Por outro lado, a ficha de filiação caracteriza, nos termos da jurisprudência pacífica, documento produzido unilateralmente incapaz de comprovar a data de filiação. De acordo como o Enunciado da Súmula TSE n. 20, não pode a referida ficha, destituída de fé pública, ser considerada isoladamente para a determinação da data de filiação, devendo-se aferir o tempo de filiação também por outros elementos de convicção. 3. Precedente do TSE no sentido de que: “Em determinados casos de contornos excepcionais, nos quais evidenciada controvérsia acerca da existência de mácula na filiação com data mais recente, decorrente de fraude ou fortes evidências de coação ou vício na vontade do eleitor, denotando possível abuso de direito, cabe uma análise cognitiva mais ampla, de modo a viabilizar o exame de circunstâncias e fatos capazes de contribuir com a formação da convicção do julgador para além da interpretação literal do disposto no parágrafo único do art. 22 da Lei nº 9.096/95.” (TSE – RespEl 0600104-65, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Publicação: DJe, 23.3.2021) 4. Na hipótese, indícios de preenchimento da ficha de filiação em data posterior à da filiação. Possibilidade de quebra da boa-fé objetiva sobre a anuência da eleitora-recorrente a respeito de elemento essencial do ingresso nos quadros da grei. Dúvida razoável. Não havendo segurança sobre a real data de filiação e considerando a manifestação expressa da recorrente de permanecer vinculada à filiação mais antiga, a solução deve preservar ao máximo o exercício da sua capacidade eleitoral passiva. Assente na ponderação dos princípios constitucionais da autonomia partidária (art. 17, § 1º, CF/88), dos direitos fundamentais à cidadania (art. 1º, inc. II, CF/88) e à liberdade de associação (art. 5º, inc. XX, CF/88). Ademais, a retenção de filiado contra a sua expressa vontade de deixar os quadros partidários representaria possível abuso de direito. 5. In dubio pro ius honorum. Respeitada a máxima realização da capacidade passiva eleitoral da recorrente, decorrência direta de fundamento deste Estado Democrático de Direito, a cidadania. Reforma da sentença. Cancelada a nova filiação e mantida a mais antiga. 6. Provimento. REl 0600104-65, Relatora Desa. Eleitoral Patrícia da Silveira Oliveira, Publicação: DJe, 06.08.2024. Grifei.

Nessa linha de raciocínio, pedindo vênias ao entendimento da Procuradoria Regional Eleitoral, julgo comprovada a filiação do recorrente ao PSB, e reconheço-a como ativa desde 11.10.23.

 

DIANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento integral do recurso, para o efeito de:

1. declarar ROGÉRIO AMARO MENDONÇA como filiado ao Diretório Estadual do PSB - Partido Socialista Brasileiro do Rio Grande do Sul desde a data de 11.10.2023, nos termos da fundamentação;

2. determinar sejam realizadas todas as diligências necessárias para a efetividade da presente decisão, como, por exemplo, promover o lançamento no sistema FILIA, nos termos do art. 11, § 4º, da Resolução TSE n. 23.596/2019;

3. comunicar a Zona Eleitoral da origem do teor da presente decisão, bem como da necessidade de seu cumprimento imediato.

É como voto.