REl - 0600129-17.2024.6.21.0035 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/09/2024 às 14:00

VOTO

O recurso interposto é regular, adequado e tempestivo. Tem, ademais, presentes todos os pressupostos processuais, de maneira que merece conhecimento.

No mérito, VIVIANE MARIA AVILA DE ALBUQUERQUE, candidata a Prefeita de Pedras Altas nas Eleições de 2024, interpõe recurso, com pedido de concessão de medida liminar, contra a sentença proferida pelo Juízo da 35ª Zona Eleitoral – Pinheiro Machado, que julgou extinta, sem julgamento do mérito, a representação por propaganda eleitoral irregular ajuizada em face de JOSÉ VOLNEI DA SILVA OLIVEIRA e AMARILDO DE OLIVEIRA BORGES, por utilização, alegadamente sem autorização, de paródia musical como jingle de campanha.

Indeferi o pleito liminar, em decorrência da ausência de verossimilhança do direito invocado, e os autos foram remetidos à d. Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifesta pelo desprovimento do recurso. Transcrevo trecho elucidativo da sentença recorrida, que vai com grifos meus:

(…)

A Resolução 23.610/2019, alterada pela Resolução nº 23.732/2024, dispõe sobre a propaganda eleitoral e as condutas ilícitas em campanha eleitoral. Na questão em tela, especificamente, dispõe em seu art. 23-A acerca da proteção de direitos autorais de obras artísticas, in verbis:

Art. 23-A, caput. A autora ou o autor de obra artística ou audiovisual utilizada sem autorização para a produção de jingle, ainda que sob forma de paródia, ou de outra peça de propaganda eleitoral poderá requerer a cessação da conduta, por petição dirigida às juízas e aos juízes mencionados no art. 8º desta Resolução. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

A primeira questão a ser enfrentada é a legitimidade ativa da requerente. A autora da presente representação, candidata Viviane Maria Avila de Albuquerque, ajuíza a ação defendendo direito alheio em nome próprio.

No caso em apreço, visa a requerente a suspensão da utilização por qualquer meio da música utilizada em jingle de campanha pelos requeridos que teria se valido de música popular, de criação intelectual de terceiros, sem prévia autorização dos autores, para promover a comoção dos eleitores e angariar votos, por considerar-se legitimado a postular em juízo na qualidade de prejudicado.

No entanto, pela exegese do supracitado dispositivo, bem como pelo entendimento exarado pelo Tribunal Superior Eleitoral, apenas possui legitimidade para demandar em defesa do direito autoral, o titular desse direito:

PROPAGANDA PARTIDÁRIA. UTILIZAÇÃO DE IMAGENS DE PROPRIEDADE DE EMISSORA DE TELEVISÃO. LEGITIMIDADE ATIVA. VIOLAÇÃO A DIREITO AUTORAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DESVIO DE FINALIDADE. IMPROCEDÊNCIA. Tem legitimidade o titular de direito autoral para representar a Justiça Eleitoral, visando coibir prática ilegal em espaço de propaganda partidária ou eleitoral. O use de trecho de matéria jornalística na propaganda partidária, com a finalidade de explorar tema de caráter político-comunitário, não constitui desvio de finalidade a atrair a aplicação da penalidade prevista no 2º do art. 45 da Lei nº 9.096/95. Não caracterizada, na espécie, ofensa a lei ou violação a direito autoral, julga-se improcedente a representação. (REPRESENTAÇÃO n.º 678, Acordão n.º 678 de 18/11/2004, Relator (a) Min. FRANCISCO PECANHA MARTINS, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume I, Data 04/02/2005, Página 185 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 16, Tomo 1, Página 114)

Destarte, consoante o dispositivo legal mencionado, resta evidenciado que carece a requerente, de legitimidade ativa “ad causam” para interpor a presente demanda eleitoral pela ausência de interesse jurídico na defesa de direito autoral pertencente a outrem, que no caso são os autores da obra artística.

Verifica–se, portanto, que a autora não dispõe de legitimidade para propositura desta ação eleitoral, razão pela qual a petição inicial deve de ser indeferida nos termos do art. 330, inciso II, do Código de Processo Civil:

Art. 330 A petição inicial será indeferida quando:

(...) II – a parte for manifestamente ilegítima; 

III - DISPOSITIVO

Ante o exposto, indefiro a petição inicial, nos termos do art. 330, inciso II, do Código de Processo Civil. Por conseguinte, julgo a ação extinta sem resolução de mérito e nego seguimento à representação, nos termos do art. 485, inciso I e VI, também do Código de Processo Civil, aplicado de forma subsidiária ao Processo Eleitoral (art. 15, CPC), por falta de legitimidade “ad causam”. (…)

 

Irretocável. A matéria consubstancia, de fato, novidade, mas é evidente a ilegitimidade indicada na sentença.

VIVIANE MARIA, a recorrente, não é a autora da obra Guardanapo e, portanto, não detém a legitimidade de ajuizamento da presente demanda, pois, nos termos do art. 23-A da Resolução TSE n. 23.610/19 (acrescido pela Resolução TSE n. 23.732/24), tal prerrogativa é conferida exclusivamente ao autor ou autora da obra, como decidido na origem. 

Aliás, rapidamente adentrando à questão de fundo de causa - e tal raciocínio é incidental, eis que traz a reboque mera reflexão - uma das exegeses válidas do caput do referido art. 23-A seria pela conclusão de que a norma visaria proteger não propriamente os autores da obra original (no caso, Guardanapo, que este relator há de confessar, teve o privilégio de conhecer em virtude do presente processo), mas sim os autores da paródia em si -, pois uma paródia também indubitavelmente se trata de obra artística (no caso, por exemplo hipotético, de desacerto contratual entre criador de jingle e candidato e, portanto, ausência de autorização de uso da paródia).

O trecho do comando tem certa dubiedade e dá azo também a tal interpretação, penso.

De todo modo, não será aqui necessário investigar a teleologia da norma no que diz respeito ao mérito, uma vez que o polo ativo não está povoado nem pelos autores de Guardanapo, nem pelos autores da paródia que, alegadamente, teria sido criada a partir da música original. 

Igualmente, é de inviável acolhimento a alegação da recorrente no sentido de que a legislação de regência proíbe a utilização de paródias na eleição municipal de 2024 e, portanto, o "Poder Judiciário não pode fechar os olhos para a manutenção de uma ilegalidade, especialmente tendo sido provocado". 

Além de ter sido provocado por quem não é parte legítima, como visto, friso que a Resolução TSE n. 23.610/19, de forma alguma veda o uso de paródias nas campanhas, apenas faculta ("poderá") aos autores das obras artísticas, querendo, procederem ao requerimento a fim de cessar a divulgação. Aliás, os autores da obra original talvez entendam como salutar a existência de paródias, homenagens que podem, inclusive, gerar curiosidade no público em conhecer a música inspiradora.

  Em resumo, deve ser mantida a sentença que julgou extinta, sem resolução do mérito, a representação, por ausência de legitimidade ativa.

 

DIANTE O EXPOSTO, VOTO para negar provimento ao recurso.