REl - 0600047-59.2024.6.21.0043 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/09/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, cuida-se de recurso interposto por NIVIA MARIA SILVA em face da sentença do Juízo da 43ª Zona Eleitoral de Santa Vitória do Palmar/RS, que julgou improcedente a ação declaratória de nulidade proposta pela ora recorrente a fim de anular a decisão que julgou não prestadas as suas contas, relativas ao pleito de 2020, nos autos da prestação de contas de campanha n. 0600319-92.2020.6.21.0043.

Após revisar os autos em que julgadas não prestadas as contas de campanha, não verifico a existência de qualquer nulidade insanável a justificar a procedência da ação manejada.

A recorrente afirma que, “em nenhum momento foi desidiosa ou omissa com sua prestação de contas, foi sim ingênua, por de boa-fé confiar que o partido cumpriria com o compromisso firmado por ocasião da convenção de fornecer à candidata assistência jurídica e contábil”.

Conforme assentado na decisão que indeferiu a tutela de urgência, a responsabilidade pela prestação das contas de campanha recai sobre a candidata, não podendo ser transferida para terceiros, impondo-se frisar, no particular, que o titular da campanha responde pela culpa in eligendo relatada.

Eventuais prejuízos ocasionados pela suposta má atuação do advogado ou do contador devem ser debatidos na via regressiva própria, perante a justiça comum, não tendo a presente ação eleitoral qualquer relação de dependência com a hipotética desídia dos profissionais contratados.

Em prosseguimento, no tocante à afirmação de que, tendo em vista a intimação pelo mural eletrônico ao advogado cadastrado no sistema de contas, seria possível reconhecer o mandato tácito, igualmente, reitero ser inviável a tal aceitação a partir da mera indicação do suposto advogado na ficha de qualificação da candidata, uma vez que o instrumento de mandato representa documento essencial à formalização das contas, consoante evidenciam os seguintes dispositivos da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 45. (...).

[...].

§ 5º É obrigatória a constituição de advogada ou de advogado para a prestação de contas.

[...].

Art. 48. As prestações de contas parciais encaminhadas à Justiça Eleitoral serão autuadas automaticamente no Processo Judicial Eletrônico (PJe) quando do envio pelo SPCE.

§ 1º Uma vez recebido pela prestadora ou pelo prestador de contas, no SPCE, o número do processo judicial eletrônico autuado, a prestadora ou o prestador de contas deve providenciar a juntada do instrumento de procuração da advogada ou do advogado diretamente no PJE.

[...].

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

[...].

II - pelos seguintes documentos, na forma prevista no § 1º deste artigo:

[...].

f) instrumento de mandato para constituição de advogada ou de advogado para a prestação de contas, caso não tenha sido apresentado na prestação de contas parcial;

Grifei.

 

O entendimento é confirmado pelo próprio julgado indicado pela recorrente em suas razões, qual seja, o acórdão no agravo interno na PCE n. 0605235-97.2018.6.13.0000, do TRE-MG, o qual enuncia: “a ausência do instrumento de mandato para constituição de advogado nos autos configura irregularidade grave que impede o julgamento das contas como prestadas”.

De fato, a partir do inteiro teor do precedente, extrai-se que o provimento do agravo não se deu por aceitação do mandato tácito, mas pela admissão da juntada tardia do instrumento de mandato com o recurso, situação não ocorrida nos autos da PCE n. 0600319-92.2020.6.21.0043.

Em sequência, sobre a alegação de ausência ou de irregularidade da notificação para prestar contas, é relevante pontuar que a notificação para suprir a omissão no prazo de três dias não tem a natureza de citação, mas funciona como uma advertência de que a permanência do descumprimento do dever legal poderá implicar o julgamento das contas como não prestadas, não criando, por si, o próprio dever de apresentar contas ou a sua inadimplência, os quais são estabelecidos pela lei.

De toda sorte, ainda que intempestivamente e sem a juntada de procuração constituindo advogado, a candidata efetivamente compareceu naqueles autos e apresentou parte dos documentos de suas contas finais (ID 45664731, fls. 49 e seguintes).

Destaco que o art. 239, § 1º, do CPC prescreve que “o comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação”. Nesse trilhar, a apresentação de manifestação e documentos nos autos tornou prescindível qualquer outra medida para o chamamento da candidata para esse mesmo fim.

Uma vez alcançada a finalidade da comunicação processual por meio da apresentação espontânea de documentos pela parte interessada, de plano, afasta-se a possibilidade de nulidade, uma vez que não houve prejuízo à parte interessada (art. 283 do CPC).

Igualmente, não prospera a alegação de vícios nas intimações para que a prestadora de contas regularizasse a sua representação processual. No ponto, remeto ao exame dos autos digitais da PCE n. 0600319-92.2020.6.21.0043 procedido na decisão liminar:

(…) consoante se evidencia dos autos da PCE n. 0600319-92.2020.6.21.0043, a primeira tentativa de intimação ocorreu por carta AR, a qual retornou com a informação “não procurado” (ID 45664731, fls. 96 e 100).

Diante da frustração da medida, o juízo de origem determinou a intimação por meio de oficial de justiça (ID 45664731, fl. 101).

Transcorridos mais de seis meses sem o retorno do mandado, o chefe de cartório sugeriu a imediata publicação de edital como forma de resguardar a observâncias dos prazos de julgamento das contas (ID 45664731, fls. 106 e 107), o que restou acolhido pelo magistrado (ID 45664731, fl. 108).

Posteriormente, o mandado de intimação retornou cumprido, tendo o oficial de justiça certificado a intimação da parte em 2.08.2022, a qual “não assinou” o documento (ID 45664731, fls. 112 a 114).

Somente após a juntada do mandado de intimação cumprido positivo pelo oficial de justiça, em 14.10.2022 (ID 45664731, fl. 112), ocorreu a publicação de edital com a mesma finalidade, em 18.10.2022 (ID 45664731, fls. 115 e 116).

Vê-se, portanto, que a publicação editalícia não prejudicou o cumprimento da intimação pessoal por oficial de justiça e não decorreu de algum vício no processo, mas resultou de mera tentativa de conferir celeridade à marcha das contas.

Em verdade, o edital culminou por representar uma providência desnecessária, que não causou prejuízo à parte, uma vez que a sua intimação pessoal já havia sido efetuada pelo oficial de justiça, acarretando, no máximo, a dilação do prazo para a apresentação de procuração.

 

Em prosseguimento, a recorrente afirma que a certidão do oficial de justiça não observou os requisitos mínimos da lei processual, porquanto “a simples inscrição do termo ‘não assinou’, sem qualquer outra informação complementar cientificando a identificação da Recorrente, sem explicações acerca das circunstâncias da negativa da assinatura do mandado judicial, não são suficientes para demonstrar que o ato atingiu seu objetivo”.

Ocorre que, uma vez certificado o cumprimento positivo da diligência e que a parte não assinou ou recusou-se a assinar o mandado, essa ausência de assinatura não constitui, por si só, uma irregularidade capaz de anular o ato, sem provas inequívocas nesse sentido.

De seu turno, a recorrente não colacionou documentos ou apresentou quaisquer elementos que pudessem infirmar a certidão emitida pelo oficial de justiça, a qual é dotada de fé pública e possui presunção juris tantum de veracidade, que somente pode ser elidida quando existirem provas robustas em sentido contrário.

Nessa linha de entendimento, o seguinte julgado:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CARACTERIZADA. NULIDADE DA CITAÇÃO. FÉ PÚBLICA DO OFICIAL DE JUSTIÇA. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE VERACIDADE E AUTENTICIDADE. NECESSIDADE DE PROVA EM CONTRÁRIO PARA O SEU AFASTAMENTO. INADMISSIBILIDADE DE RECURSO ESPECIAL QUE DEMANDA O REEXAME DE PROVAS. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Não há omissão ou deficiência de fundamentação quando o Tribunal adota fundamentação suficiente, embora diversa da pretendida pela ora agravante, para a solução integral da controvérsia. 2. Consoante a jurisprudência desta Corte, a "certidão emitida por serventuário do Judiciário goza de fé pública, demandando a produção de prova em contrário para que seja abalada sua presunção juris tantum de veracidade" (STJ, AgRg no AREsp 389.398/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Terceira Turma, DJe de 10/10/2014). 3. É inadmissível o recurso especial se a análise da pretensão da recorrente demanda o reexame de provas. 4. Agravo interno a que se nega provimento.

(STJ - AgInt no REsp: 1687352 MG 2017/0192773-7, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 27/02/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 08.03.2018.) Grifei.

 

Logo, meras alegações genéricas não descaracterizam a veracidade que se presume existente na certidão emitida, de modo que não é possível considerar a ocorrência da alegada nulidade, ante a ausência de prova idônea e inequívoca que refute a higidez do ato.

Finalmente, a recorrente defende a possibilidade de relativização da coisa julgada, em razão do “novo entendimento fixado pelo Tribunal Superior Eleitoral de que a inexistência de instrumento de mandato não pode representar, por si só, a não prestação de contas, assim como de que o novo regramento deveria ser aplicado de forma retroativa aos feitos de 2020”.

De fato, o TSE revogou o § 3º do art. 74 da Resolução TSE n. 23.607/19, quando do julgamento da Instrução n. 0600749-95/DF, relator: Ministro Edson Fachin (DJe de 23.12.2021), adotando nova orientação de que a ausência de instrumento de mandato não pode representar, irreparavelmente, a não prestação de contas, por se tratar de irregularidade sanável, consideradas, ainda, as graves consequências na esfera jurídica do candidato.

Em passo seguinte, a Corte Superior firmou a compreensão de que “os termos do novo regramento administrativo devem ser aplicados de forma retroativa aos feitos de 2020, notadamente na hipótese em que o vício na representação processual é sanado ainda nas instâncias ordinárias” (AREspEl n. 0600506-81, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Acórdão de 12.8.2022).

Contudo, a aplicação retroativa do novo entendimento da Corte Superior encontra limites na eficácia preclusiva da coisa julgada estabelecida pela sentença que julgou as contas não prestadas, de modo a alcançar apenas aqueles feitos em que ainda pendente o trânsito em julgado da decisão de mérito.

Uma vez decidida a causa de acordo com as normas vigentes à época, e transitada em julgado a decisão, a alteração superveniente da legislação e do entendimento jurisprudencial não tem aptidão para desconstituir a coisa julgada formada no processo de contas eleitorais, sob pena de afronta ao art. 5º, inc. XXXVI, da CF/88 e ao art. 502 do CPC.

Nessa senda, o TSE já firmou o entendimento de que "a decisão transitada em julgado de não prestação de contas está acobertada pelo manto da coisa julgada, o que acarreta a imutabilidade do julgado e de seus efeitos, não se admitindo a interposição de qualquer recurso” (TSE; AgR-AI n. 194965, Relatora: Min. Luciana Lóssio, acórdão de 22.9.2015).

Ainda, conforme assentado pela Corte Superior, “o cabimento da querela nullitatis restringe-se às hipóteses de revelia decorrente de ausência ou de defeito na citação e de sentença proferida sem dispositivo legal, sem assinatura do magistrado ou exarada por quem não exerce função judicante ou atividade jurisdicional” (AR em REsp n. 060072284, Relator: Ministro Sergio Silveira Banhos, DJE de 30.9.2020), não contemplando, portanto, a simples evolução jurisprudencial e normativa posterior ao trânsito em julgado da decisão impugnada.

Portanto, em não havendo nulidade processual a ser reconhecida, não há razão para se reformar bem-lançada sentença ora recorrida.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.