REl - 0600022-04.2022.6.21.0015 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/09/2024 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e, preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, merece ser conhecido.

Da Preliminar de Nulidade da Sentença

Preliminarmente, narra o recorrente que postulou ao juízo a quo a oportunidade para restituição das doações consideradas como oriundas de fontes vedadas aos respectivos doadores, com comprovação nos autos, sob o argumento de que “a agremiação partidária pode, a qualquer tempo, recusar a doação, procedendo com a devolução dos valores aos doadores”, com base no art. 539 do Código Civil.

O pedido restou indeferido pelo magistrado da origem. Assim, a agremiação requer a anulação da sentença proferida na origem, com o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição, oportunizando a recusa e a devolução das doações tidas como ilícitas, com comprovação nos autos.

Quanto ao ponto, a decisão do juízo recorrido está fundamentada nos seguintes termos (ID 45581040):

Indefiro o requerimento postulado pela agremiação (id 120077375) por inexistência de previsão legal.

A recusa da doação creditada indevidamente com o consequente estorno ao doador identificado é procedimento que deve ser concluído até o último dia útil do mês subsequente à confirmação da transação. Após tal prazo, os valores devem ser transferidos ao Tesouro Nacional, de acordo com o estabelecido nos dispositivos legais constantes nos artigos 11, § 5º e 14, § 1º da Resolução TSE n. 23.604/2019.

 

Com efeito, o pronunciamento judicial não merece reparos, uma vez que se equivoca o recorrente ao afirmar que a legislação eleitoral não estabelece tempo para a pretendida recusa e restituição das doações irregulares.

O art. 11, § 5º, da Resolução TSE n. 23.604/19 dispõe que “os partidos políticos podem recusar doação identificável que seja creditada em suas contas bancárias indevidamente, promovendo o estorno do valor para o doador identificado até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito”.

Desse modo, conclui-se que o partido somente poderia ter recusado as doações oriundas de fonte vedada e efetuado a devolução dos valores aos contribuintes dentro do prazo estabelecido no referido dispositivo, o que não ocorreu na hipótese.

No caso concreto, tem incidência o disposto no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19, consoante o qual, os “recursos provenientes de fontes vedadas que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Além disso, pelo princípio da especialidade, a existência de disciplina específica na legislação eleitoral sobre o tema impede a aplicação das disposições do Código Civil que, eventualmente, tragam prescrições diversas ou conflitantes em relação à norma eleitoral.

Com essas considerações, rejeito a preliminar.

Do Mérito

No mérito, o DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO PROGRESSISTAS (PP) DE COQUEIROS DO SUL/RS teve desaprovadas suas contas, relativas ao exercício financeiro de 2021, em razão do recebimento de doações de pessoas físicas detentoras de cargos e funções comissionadas na Administração Pública e não filiadas ao partido político, no montante total de R$ 2.500,00, em infringência ao art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, que assim dispõe:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...].

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

 

Na hipótese, é incontroverso que os doadores relacionados pelo órgão técnico ocupavam funções ou cargos públicos comissionados e não estavam filiados ao partido político no tempo das contribuições.

De seu turno, o recorrente sustenta que os doadores "não ostentam a qualidade de autoridades, uma vez que não são ordenadores de despesas, apenas ocupando cargos de chefia, direção, assessoria ou coordenação por gozarem de capacidade para o desempenho do mister”.

Ocorre que a Lei n. 13.488/17 alterou a Lei n. 9.096/95, suprimindo a expressão “autoridade” então contida no art. 31 referido, para incluir a nova redação, que versa sobre “pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário”, vigente desde meados do ano de 2017.

Dessa forma, desde o advento da Lei n. 13.488/17, que revogou a expressão “autoridade” do rol de fontes vedadas, também está superada qualquer discussão anteriormente existente envolvendo a extensão deste termo dentro das diversas espécies de agentes públicos classificadas no Direito Administrativo.

Conforme a atual redação do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, já vigente ao tempo dos fatos, para a configuração de fonte vedada de recursos basta que os doadores estejam investidos em “função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário”, situação não impugnada no recurso, sendo desnecessária a análise casuística envolvendo o enquadramento de suas atribuições como direção, chefia, administração, ordenação de despesas ou poder de autoridade.

Portanto, a sentença recorrida acertadamente entendeu pela configuração de irregularidade no recebimento de recursos de fonte vedada, no importe de R$ 2.250,00, oriundos de contribuições de servidores ocupantes de cargos ou funções de livre nomeação e exoneração, devendo, em consequência, o respectivo valor ser recolhido ao Tesouro Nacional, com fulcro no art. 12, inc. IV e § 1º, c/c o art. 14, caput e § 1º, todos da Resolução TSE n. 23.604/19.

Outrossim, a agremiação recorrente postula a aprovação das contas com ressalvas, mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, inclusive, para o afastamento ou a redução das sanções de multa e de suspensão das quotas do Fundo Partidário aplicadas na origem.

Entretanto, não cabe acolher a alegação para que as contas sejam aprovadas com ressalvas, porquanto a irregularidade, no montante de R$ 2.250,00; representa 24,27% das receitas declaradas pela agremiação no exercício de 2021 (R$ 9.270,01).

Tais cifras ultrapassam os parâmetros alternativos adotados pela jurisprudência para aprovar com ressalvas as contas, mediante aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, quais sejam, o limite absoluto de R$ 1.064,10 ou percentual de 10% da arrecadação (TSE – RespEl n. 060169270/MA, Relator: Min. EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 19.11.2020, Data de Publicação: 25.11.2020).

Desse modo, é impositiva a confirmação do juízo de desaprovação das contas.

A desaprovação das contas implica não apenas o recolhimento dos valores irregulares, mas, também, a aplicação de multa de até 20% deste montante, nos moldes do art. 48 da Resolução TSE n. 23.604/19.

Na linha dos julgados desta Casa, a multa no percentual de 5% revela-se consentânea com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois fixada de forma proporcional à relação entre as falhas verificadas e o total de receitas auferidas pelo partido político (TRE-RS; RECURSO ELEITORAL n. 060005161, Acórdão, Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 07.02.2024).

Outrossim, a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário é consequência específica do recebimento de recursos de fontes vedadas e incide cumulativamente com as demais medidas impostas, nos termos do art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95 e do art. 46, inc. I, da Resolução do TSE n. 23.604/19.

Assim, inviável o afastamento da penalidade no caso em exame.

Todavia, somente em relação ao prazo da penalidade, aplicada pelo juízo a quo pelo período de 6 meses, julgo que a sentença recorrida merece singelo ajuste.

Quanto ao referido sancionamento, a jurisprudência adota o posicionamento no sentido de que, com base nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, o período da suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo recebimento de recursos de fonte vedada, até o máximo de um ano, deve observar a equivalência percentual estabelecida entre o montante irregular e o conjunto de recursos arrecadados no período.

Nessa linha, destaco os seguintes julgados:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO 2019. DIRETÓRIO ESTADUAL. PARTIDO POLÍTICO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO COM GASTOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECEBIMENTO DE VERBAS CONSIDERADAS COMO DE FONTE VEDADA. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AFASTADA. APLICAÇÃO DE MULTA. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DESAPROVAÇÃO. [...]. 5. Recebimento de verbas consideradas como de fonte vedada. Contribuinte não filiada ao partido político. Pessoa física que exerceu função de livre nomeação e exoneração no exercício de 2019, enquadrando-se na vedação prevista no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95. Valor da irregularidade sujeita a recolhimento ao Tesouro Nacional (art. 14 da Resolução TSE n. 23.546/17). [...]. A suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário é consequência específica do recebimento de recursos de fonte vedada, nos termos do art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95 e do art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.546/17. No presente caso, considerando que a receita de fontes vedadas representa 11,44% de toda a arrecadação, mostra-se razoável e proporcional que a agremiação sofra a penalização de suspensão de repasse de quotas por apenas 1 (um) mês. Recolhimento ao Tesouro Nacional.    9. Desaprovação.

(TRE-RS - PCA n. 0600211-95, Acórdão, Relatora: Desa. Eleitoral PATRICIA DA SILVEIRA OLIVEIRA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 30.08.2023.) Grifei.

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. RECEBIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES DE FONTE VEDADA. ALTO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MULTA. SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. DESAPROVAÇÃO.  1. Prestação de contas de diretório estadual partidário, relativa ao exercício financeiro de 2020.  2. Recebimento de contribuições de fonte vedada. Existência de contribuições de não filiados ao partido político, os quais exerciam, na época dos fatos, funções ou cargos públicos de livre nomeação e exoneração. Matéria disciplinada no art. 12, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.604/19. Silente a grei quanto à irregularidade, persiste a mácula. 3. A irregularidade representa 21,83% do total auferido no exercício, sendo superior ao parâmetro utilizado por esta Corte, para, mediante aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, aprovar a contabilidade, ainda que com ressalvas, motivo pelo qual se impõe a desaprovação das contas. Falha que acarreta ao prestador não somente o recolhimento da cifra indevida ao Tesouro Nacional, mas também a aplicação de multa e a suspensão do repasse do Fundo Partidário, conforme previsto nos arts. 46 e 48 da Resolução TSE n. 23.604/19. 4. Desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional. Multa. Suspensão do repasse do Fundo Partidário por dois meses.

(TRE-RS - PCA n. 0600122-38, Acórdão, Relatora: Desa. Eleitoral ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 16.02.2023.) Grifei.

 

Por conseguinte, tendo em vista que, no caso análise, o montante apurado relativo ao recebimento de recursos de fonte vedadas corresponde a 24,27% dos recursos movimentados pelo partido, o período de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário deve ser estabelecido em 3 meses (aproximadamente 24,27 % de 12).

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir o período de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário para 3 (três) meses, mantidos os demais termos da sentença.