RecCrimEleit - 0600013-44.2023.6.21.0100 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/09/2024 às 14:00

VOTO

 

1. Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

 

2. Da preliminar de ilicitude da prova

Preliminarmente, a recorrente suscita preliminar de ilicitude da prova, porquanto, segundo ela, a gravação ambiental do seu diálogo com a suposta vítima foi obtido de forma premeditada e sem o seu consentimento.

Sem razão a recorrente.

Ocorre que, conquanto as gravações tenham sido abordadas durante a marcha processual, não o foram sob o aspecto da ilicitude, tratando-se, nesta seara, de inovação recursal, prática rechaçada pelo nosso ordenamento, na medida em que, se acolhida fosse, importaria em nítida supressão de instância, uma vez que não enfrentada na origem.

É o entendimento consolidado tanto nesta Corte como no colendo TSE. À guisa de exemplo, transcrevo a seguir os lapidares precedentes:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. VEREADORA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PRELIMINARES. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. AFASTADA. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS AO RECURSO. MÉRITO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PROPRIEDADE DE IMÓVEL LOCADO PARA COMITÊ DE CAMPANHA. CONTRATAÇÃO DE ATIVIDADES DE MILITÂNCIA E MOBILIZAÇÃO DE RUA. IRREGULARIDADE EM DOAÇÃO. SUPERADAS AS FALHAS APONTADAS NA ANÁLISE TÉCNICA. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO. PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que aprovou com ressalvas prestação de contas relativa ao pleito de 2020, com fundamento no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, determinando o recolhimento do montante irregular ao Tesouro Nacional. 2. Matéria preliminar. 2.1. Ausência de citação. O exame da tramitação do processo revela que a candidata foi intimada do despacho judicial para se manifestar a respeito do exame preliminar de prestação de contas, por intermédio de ato de comunicação via sistema Pje. Obedecida a regra expressa prevista no art. 51, caput, da Resolução TRE/RS n. 338/19. Regular o ato intimatório, inexiste mácula processual a ser reconhecida por este Colegiado. 2.2. Preclusão para juntada de documentos. Este Tribunal, com respaldo no art. 266 do Código Eleitoral e amparado pela reiterada jurisprudência da Corte, sempre em juízo de exceção, tem se pautado pela potencialização do direito de defesa no âmbito dos processos de prestação de contas, especialmente quando se trata do conhecimento em segunda instância de documentos simples, que dispensem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares, não apresentando prejuízo à tramitação processual. Conhecidos os documentos apresentados após o decurso do prazo fixado pelo juízo em primeira instância e pertinentes às alegações recursais. 3. Da ausência de comprovação de propriedade do imóvel alugado para comitê de campanha. Demonstrada a propriedade do imóvel com a juntada de escritura relativa ao bem. Documentação idônea. Sanada a falha. 4. Da comprovação de contratação de atividades de militância e mobilização de rua. Diante dos documentos colacionados aos autos, restam devidamente evidenciadas as despesas. Inviável, em sede recursal, reconhecer irregularidades diversas daquelas constantes no exame técnico, em relação às quais a prestadora de contas não teve oportunidade de se manifestar de forma específica, e que sequer foram analisadas na sentença, sob pena de incorrer em inovação, incabível nessa etapa do processo. Superadas, portanto, as falhas relativas aos gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha ¿ FEFC. 5. Inconformidade no recebimento de doação. Na espécie, o comprovante colacionado aos autos é apto a esclarecer a origem dos recursos recebidos pela candidata. Irregularidade sanada. 6. Superadas as inconsistências apontadas na análise técnica, viabilizando a aprovação sem ressalvas das contas da candidata e o afastamento da determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. 7. Provimento. (TRE-RS - RE: 0600042-08.2020.6.21.0001 PORTO ALEGRE - RS 060004208, Relator: FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Data de Julgamento: 21/01/2022, Data de Publicação: DJE-, data 01/02/2022)

 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. CANDIDATO A VEREADOR. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA: DESAPROVADAS. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. ALEGAÇÃO DE RECEBIMENTO DOS EXTRATOS BANCÁRIOS DAS CONTAS DE CAMPANHA PELA JUSTIÇA ELEITORAL. INOVAÇÃO DE TESE RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. JUNTADA DE DOCUMENTOS A DESTEMPO. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO. PRECLUSÃO. OMISSÃO DO DEVER DE PRESTAR CONTAS. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. SITUAÇÃO QUE NÃO AUTORIZA A APROVAÇÃO DAS CONTAS. CONFORMIDADE DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. SÚMULAS N. 26 E 30 DESTE TRIBUNAL SUPERIOR. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. A parte agravante deve impugnar todos os fundamentos da decisão agravada suficientes para a manutenção desta, sob pena de não conhecimento do agravo, nos termos da Súmula n. 26 deste Tribunal Superior. 2. A tese deduzida apenas no agravo interno constitui inovação recursal, o que não é admitido pela jurisprudência deste Tribunal Superior. 3. A negativa de seguimento a recurso especial interposto contra decisão proferida em conformidade com a jurisprudência consolidada tem fundamento na Súmula n. 30 deste Tribunal Superior. 4. Agravo regimental desprovido. (TSE - AREspEl: 06008449220206140003 SALVATERRA - PA 060084492, Relator: Min. Cármen Lúcia, Data de Julgamento: 21/09/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202)

 

Com essas considerações, alinhado com o parecer ministerial, voto pela rejeição da preliminar.

 

3. Da preliminar de Suspensão Condicional do Processo

A douta Procuradoria Regional Eleitoral propugna como questão preliminar em seu alentado Parecer pelo retorno do feito à origem para ofertamento de suspensão condicional do processo, uma vez que a condenação da ré se deu de forma parcial, tão somente quanto ao ilícito descrito no art. 301 do Código Eleitoral, com pena prevista de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão e 6 (seis) dias-multa, sanção que, em tese, autorizaria sua implementação.

Razão assiste à suscitante.

O benefício da suspensão condicional do processo está previsto no art. 89 da Lei 9.099/95, que assim dispõe:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

 

Por sua vez, conforme o disposto na Súmula n. 337/STJ, "é cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva".

No caso, a recorrente foi denunciada pelos crimes previstos no arts. 299 e 301 do Código Eleitoral, todavia, restou condenada exclusivamente em relação ao delito de coação sob violência ou grave ameaça:

Art. 301. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

 

O delito na doutrina de José Jairo Gomes é passível do benefício.

Segundo o festejado tratadista, "tendo em vista que a pena cominada é igual a um ano, admite-se a suspensão condicional do processo" (Gomes, José Jairo. Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. 6.ed. Barueri/SP. Atlas, 2022).

Em linha, segue ementa de aresto do STJ grifado no que importa:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. APELO RARO. INADMISSÃO. FUNDAMENTOS. IMPUGNAÇÃO CONCRETA. AUSÊNCIA. RECURSO INTERNO. CORREÇÃO DAS DEFICIÊNCIAS DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INVIABILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. ILEGALIDADE MANIFESTA. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA DA RECORRENTE. POSSE PARA CONSUMO PESSOAL. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA DA MERCANCIA. EXCEPCIONAL AFASTAMENTO DA IMPUTAÇÃO MINISTERIAL QUANTO À ACUSADA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DO ART. 28 DA LEI N. 11.343/2006. CABIMENTO DOS INSTITUTOS DA LEI N. 9.099/1995. SÚMULA N. 337 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS, DE OFÍCIO. 1. Ausente a impugnação concreta aos fundamentos da decisão que inadmitiu o apelo nobre, correta a decisão que não conheceu do agravo em recurso especial - Súmula n. 182/STJ. 2. Pela ocorrência de preclusão consumativa, mostra-se inviável buscar, no agravo regimental, suprir as deficiências existentes na fundamentação das razões do agravo em recurso especial. 3. Constatada ilegalidade manifesta na condenação da Recorrente pelo delito de tráfico de drogas. Ao concluir que a conduta da Ré, comprovadamente, configurava o mencionado delito, o Tribunal local apontou os seguintes fundamentos

[...]

7. A partir da análise dos elementos fáticos expressamente delineados no acórdão recorrido, à luz da presunção de não culpabilidade, revela-se necessária a desclassificação da conduta da Recorrente para o crime previsto no art. 28 da Lei de Drogas, pois a tese defensiva de que a porção de droga apreendida em seu poder destinava-se ao consumo pessoal não está completamente desconectada das provas dos autos e a Acusação não se desincumbiu de seu ônus de demonstrar, por meio de provas juridicamente idôneas, a prática do tráfico pela Recorrente. 8. Desclassificada para conduta para delito de menor potencial ofensivo, são cabíveis os institutos da Lei n. 9.099/1995, nos termos da Súmula n. 337 do Superior Tribunal de Justiça. 9. Agravo regimental desprovido. Concessão de habeas corpus, de ofício, a fim de desclassificar a conduta da Recorrente para o delito previsto no art. 28 da Lei de Drogas, devendo o Juízo de primeiro grau proceder ao desmembramento do feito dos autos em relação à Agravante, com o seu encaminhamento ao Juizado Especial Criminal. (STJ - AgRg no AREsp: 2295508 PR 2023/0049227-0, Relator: LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 20/06/2023, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/06/2023)

 

Com efeito, ainda que não proposto pelo órgão ministerial na origem, ao argumento de que a soma das penas atribuídas às práticas ilícitas ultrapassava o lapso de 01 (um) ano, em decorrência da procedência parcial da pretensão punitiva remanesceu somente o crime cuja pena mínima cominada é igual a um ano de reclusão, o que, em princípio, autorizaria o cabimento da suspensão condicional do processo, nos termos do verbete n. 337 do STJ.

O mesmo entendimento foi esposado por esta Corte, em acórdão da lavra do Des. Eleitoral EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, que culminou com a conversão do recurso em diligência para ver o instituto observado:

RECURSO CRIMINAL. PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA. ART. 289 E 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. INSCRIÇÃO ELEITORAL FRAUDULENTA. FALSIDADE IDEOLÓGICA. AFASTADO CONCURSO MATERIAL. RELAÇÃO ENTRE CRIME MEIO E CRIME FIM. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. CONVERSÃO DO FEITO EM DILIGÊNCIA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. Inscrição eleitoral fraudulenta mediante apresentação de carteira de identidade falsa. Aplicação do princípio da consumação, onde na ocorrência de pluralidade de atos criminosos, o agente responderá apenas pelo crime fim, restando o crime meio absorvido por aquele, a fim de evitar o bis in idem. Comprovada a conduta, o eleitor está incurso no tipo previsto no art. 289 do Código Eleitoral. Prática que ofende a formação, a higidez e a veracidade do próprio cadastro da Justiça Eleitoral. No caso, preenchidas as condições legais de suspensão condicional do processo. Conversão do julgamento em diligência determinando a restituição dos autos à origem, para o oferecimento de suspensão condicional do processo. Convertido em diligência. (TRE-RS - RC: 0000055-95.2016.6.21.0001 PORTO ALEGRE - RS 5595, Relator: EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Data de Julgamento: 19/12/2017, Data de Publicação: DEJERS-12, data 26/01/2018)

 

Nesse trilhar, estou propondo aos eminentes pares o acolhimento da preliminar arguida pelo sempre diligente e ilustrado Procurador Regional Eleitoral Claúdio Dutra Fontella, ao entendimento de que os autos devem retornar à origem para avaliação quanto ao cabimento da oferta da suspensão condicional do processo.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO por converter o feito em diligência, com seu retorno à origem, para avaliação quanto à possibilidade de ofertamento de suspensão condicional do processo.