REl - 0600040-38.2023.6.21.0161 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/09/2024 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas, o recurso foi interposto de forma tempestiva, a interposição obedeceu ao tríduo legal previsto na legislação de regência - art. 258 do Código Eleitoral, e preenche todos os demais pressupostos recursais, de modo que está a merecer conhecimento.

No mérito, o Ministério Público Eleitoral propôs a presente representação com base em informação (prestada pela Receita Federal) de que o recorrente teria efetuado doação eleitoral em favor do PODEMOS, nas eleições realizadas no ano de 2022, excedendo o limite legal de 10% (dez por cento) de seus rendimentos brutos auferidos no ano anterior às eleições, ou seja, ano-calendário de 2021. 

Na sentença, EDUARDO SIEGLE DE SOUZA foi condenado ao pagamento de multa estipulada em R$ 497,76 (quatrocentos e noventa e sete reais e setenta e seis centavos), equivalente a 50% (cinquenta por cento) do excesso em doações realizadas a favor do Partido PODEMOS nos meses de agosto, setembro e outubro de 2020. Tais valores foram, modo incontroverso, repassados à campanha eleitoral.

Irresignado, o recorrente alega que as contribuições realizadas consubstanciam doações partidárias, e não eleitorais, de modo que não estariam sujeitas ao limite invocado pelo Parquet. Destaca, ademais, que o estatuto partidário estabelece que os filiados titulares de cargos públicos devem contribuir para a agremiação com o equivalente a 5% dos subsídios mensais percebidos.

Adicionalmente, sustenta ser necessário o afastamento da anotação de inelegibilidade de seu cadastro eleitoral, ao argumento de que o instituto deve passar por crivo constitucional, a verificar se a conduta atenta contra a probidade e a moralidade administrativa.

À análise pormenorizada das alegações de apelo.

1. Excesso de doação. Alegada diferença de natureza jurídica das doações.

Como dito, o recorrente defende a tese de que as doações feitas à agremiação não constituiriam doações eleitorais, mas sim partidárias (e, portanto, não estariam sujeitas ao limite de 10% estabelecido na legislação de regência).

A construção, embora habilidosa, não merece prosperar, por motivos normativos de lógica jurídica. 

Explico.

De início, a fundamentação normativa fundada em interpretação gramatical. 

O diploma que regulamenta as finanças e a contabilidade dos partidos, a Resolução TSE n. 23.604/19, admite o repasse das contribuições de filiados feitas à agremiação para candidatos em campanha, mas, ao mesmo tempo, expressamente sujeitas aos limites estabelecidos na Lei das Eleições.

Transcrevo os dispositivos, sempre com grifos meus:

Resolução TSE n. 23.604/19

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual ou distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e da respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (art. 39, § 1º, da Lei n. 9.096/95) .

(…)

§ 4º Em ano eleitoral, os partidos políticos podem aplicar ou distribuir pelas diversas eleições os recursos financeiros recebidos de pessoas físicas, observando-se o disposto nos arts. 23, § 1º, e 24 da Lei n. 9.504/97 e os critérios definidos pelos respectivos órgãos de direção e pelas normas estatutárias (art. 39, § 5º, da Lei n. 9.096/95) .

§ 5º Para efeito do disposto no § 4º, a utilização ou a distribuição de recursos financeiros recebidos de pessoas físicas em benefício de campanhas eleitorais devem observar as seguintes regras:

I - os valores decorrentes de doações recebidas pelo órgão partidário que forem destinados, total ou parcialmente, à utilização em campanha eleitoral devem ser previamente transferidos para a conta bancária de que trata o inciso II do art. 6º "Doações para Campanha", com o necessário registro que permita a clara identificação da origem dos valores e do doador originário (STF, ADI nº 5.394) ;

II - a utilização ou a distribuição de recursos decorrentes de doações em favor de campanhas eleitorais é limitada a 10% (dez por cento) do rendimento bruto auferido pela pessoa física no ano anterior ao da eleição;

(...)

§ 6º A apuração dos rendimentos brutos da pessoa física contemplada no inciso II do § 5º é realizada na forma prevista em resolução de prestação de contas das campanhas eleitorais nas eleições em que a doação for utilizada.

 

Lei n. 9.504

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009) (Vide ADIN 5970)

§ 1o As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

 

Dessarte, inequívoco que todas as doações - sejam as realizadas diretamente às campanhas eleitorais ou, modo diverso, sejam aquelas intermediadas por partidos políticos - devem observar o teto de 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo contribuinte originário no ano anterior ao pleito, fixado pelo legislador.

Aqui, o fundamento de ordem lógica, ou mesmo sistêmica: não faria sentido algum permitir uma cisão conceitual, em pleno ano eleitoral, entre doações "eleitorais" ou "partidárias"(como deseja o recorrente), se é permitida ao partido político, após receber a doação da pessoa física, a aplicação dos valores em campanha eleitoral, sob pena de tornar sem efeito a letra da lei apenas com a troca de um "carimbo" na doação - lá, doação "eleitoral", submetida a teto; aqui, doação "partidária", sem limite algum, potencial instrumento insindicável e, portanto, arma atraente para a prática de graves irregularidades no ambiente eleitoral como, por exemplo, o abuso do poder econômico.

De forma objetiva, o recorrente doou ao Partido PODEMOS, nos meses de agosto, setembro e outubro de 2022 (período eleitoral), o valor total de R$ 1.977,00 (mil novecentos e setenta e sete reais), os quais foram destinados à campanha eleitoral daquele ano, e, no ano-calendário de 2021, declarou rendimentos de R$ 9.810,76 (nove mil oitocentos e dez reais e setenta e seis centavos), quantia que permitiria contribuições para campanha no limite de R$ 981,07.

Configurado o excesso de R$ 995,53 (novecentos e noventa e cinco reais e cinquenta e três centavos), de forma que se mostra bem aplicada a multa de R$ 497,76, equivalente ao percentual de 50% do valor excedido.

Ademais, igualmente não prospera, para afastar a irregularidade, o argumento de que o estatuto partidário estabelece aos filiados titulares de cargos públicos contribuição de 5% dos subsídios mensais.

Por óbvio que há autonomia partidária - constitucionalmente prevista - que permite às agremiações a elaboração de regras.

Mas, friso, são normas internas, também obviamente adstritas ao âmbito interno da grei que as elaborou - o habitat natural da vindicada autonomia partidária é o partido político. Fora dos lindes da grei prepondera a legislação eleitoral posta - no caso, o teto de doações.

2. Inelegibilidade. Panorama constitucional e interpretação sistemática.  

No concernente à matéria da inelegibilidade, o recorrente assim se pronuncia:

As recentes decisões da Justiça Eleitoral têm considerado inelegíveis as pessoas físicas e os dirigentes das pessoas jurídicas condenados por doações em excesso, a despeito da inexistência de qualquer enfrentamento das seguintes questões: (i) toda doação, pelo simples fato de ser em excesso, seria necessariamente “tida por ilegal”, para fins de inelegibilidade; (ii) seria automática a aplicação da inelegibilidade, prescindindo-se da análise de qualquer elemento subjetivo; (iii) deveria haver discussão na representação eleitoral acerca da natureza da doação, ou de eventual violação à moralidade e à probidade administrativa e; (iv) necessidade de implementação do efetivo contraditório e da ampla defesa no processo eleitoral que se discuta a natureza da doação, para fins de subsunção na inelegibilidade da alínea p, inciso I, artigo 1º, da LC nº 64/90, em eventual pedido de registro de candidatura. Cumpre acentuar, que por uma interpretação constitucionalmente adequada da questão, os doutrinadores e juristas passaram a admitir que não necessariamente toda doação por excesso deva ser considerada “tida por ilegal” para fins de aplicação da inelegibilidade. Necessário proceder a uma interpretação jurídica da norma, na perspectiva dos critérios literal, sistemático e teleológico. Sendo que no presente caso, não nos parece que a norma objeto tenha seu conceito solucionado na dicotomia legalidade versus ilegalidade. Isso porque, a Lei das Inelegibilidades é expressa em tipificar que a doação deva ser “tida por ilegal”, olvidando-se em declarar que basta ser uma doação excessiva, em contraponto à regra do artigo 23 da Lei 9504/97 e ao artigo 81 da Lei 9.504/97, este já revogado pela Lei 13.165/2015.

Nesse sentido Eros Roberto Grau leciona:

“Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços. A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele – do texto – até a Constituição. Um texto de direito isolado, destacado, desprendido do sistema jurídico, não expressa significado algum”. (GRAU, 2002, p. 34) Por uma interpretação sistemática da Lei das Inelegibilidades, constata-se que em nenhuma das hipóteses legais a inelegibilidade é cominada de forma objetiva, sem qualquer juízo de valor ou de reprovação prévia da conduta (citamos como exemplo as hipóteses de incidência de inelegibilidade daqueles condenados pelos crimes indicados taxativamente na Lei das Inelegibilidades, ou que são condenados por improbidade administrativa).

Ao dispor acerca da inelegibilidade das “doações tidas por ilegais”, o legislador não quis aplicá-la de forma automática, objetiva. Aliás, o propósito, a vontade, da Lei Complementar 135/2010, que alterou a Lei das Inelegibilidades, vem demonstrado já em sua ementa: “Altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.” E não poderia ser diferente, posto que a Lei Complementar 64/90 deve ser compatível com o art. 14, § 9º, da CF, fundamento de constitucionalidade da Lei das Inelegibilidades, e que dispõe: “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.” Ora, não se mostra razoável a interpretação de que todo doador que implementa doação meramente fora dos parâmetros legais teria potencial lesivo à probidade e à moralidade administrativa. Há que se analisar cada conduta de forma individualizada, no bojo de processo judicial. Com efeito, são as matrizes constitucionais superiores em relação à legislação infraconstitucional, lógica erigida pelo princípio da supremacia da Constituição. Sendo a regra constitucional a elegibilidade e a restrição às causas de inelegibilidade, impõe-se que a interpretação da norma que define as hipóteses de inelegibilidade se dê com o rigor de excepcionalidade. Nesse sentido, ao aplicar a inelegibilidade, o juiz deve se atentar às condutas que, mesmo em juízo de potencialidade, possam ter lesionado a moralidade e a probidade administrativa, a par do propósito da Lei de Inelegibilidade. Desse, por todos os ângulos que se enfrenta o sentido da norma da Lei da Inelegibilidade, em especial do seu artigo 1º, inciso I, alínea “p”, a conclusão é uníssona: a aplicação da inelegibilidade cominada, derivada pela doação “tida por ilegal”, passa pelo crivo constitucional quando distingue uma mera irregularidade de uma conduta dolosa do doador, atentatória à probidade e à moralidade administrativa. Do contrário, estar-se-á erigindo uma inelegibilidade por conduta objetiva, independente do desvalor da conduta e que nada tenha repercutido na principiologia administrativa.

 

Em síntese, argumenta que esta Justiça Especializada tem aplicado a inelegibilidade a todo aquele que incorre em doação acima do limite legal, sem análise quanto a elementos subjetivos, natureza da doação ou efetivo contraditório objetivando a matéria. Destaca que a doutrina admite que nem toda a doação em excesso deve ser considerada ilegal, mas exige juízo precedido de análise referente ao potencial lesivo à probidade e à moralidade administrativa.

Entendo que possui parcial razão o recorrente, com a devida vênia da Procuradoria Regional Eleitoral.

Julgo que há de se diferenciar, aqui, a determinação de prática de ato administrativo relativo ao cadastro eleitoral (anotação do Código ASE correspondente à condenação por excesso de doação) da anotação da condição de inelegibilidade, pois o presente processo não constitui o momento correto para a constatação de ocorrência, ou inocorrência, de hipótese de inelegibilidade.

 Explico.

Com efeito, a sentença determinou “a anotação de inelegibilidade no cadastro eleitoral do representado, após o trânsito em julgado da condenação, em face do disposto no art. 1º, inc. I, al. “p”, da LC n. 64/90”.

E, de fato, a inelegibilidade, entendida como consequência prevista em lei, limitadora de direito político fundamental, o jus honorum, à qual a jurisprudência não atribui natureza jurídica de sanção (Supremo Tribunal Federal, ADC n. 29, ADC n. 30 e RE n. 929.679-DF), mas sim consistente em condição de registro para o candidato a cargo eletivo, já foi imposição automática de decisões judiciais. Por exemplo, no ano de 2010, em voto de lavra do então Ministro Arnaldo Versiani (Tribunal Superior Eleitoral, Consulta n. 114709, j. 17.6.2010), “a inelegibilidade não precisa ser imposta na condenação. A condenação é que, por si, acarreta a inelegibilidade”.

Contudo, mais recentemente (sobretudo a partir de 2020, em posicionamento inicialmente apresentado no RO n. 53430, rel. Min. HENRIQUE NEVES, j. 16.9.2014), o Tribunal Superior Eleitoral tem sopesado outros elementos para a aplicação da inelegibilidade nos casos de excesso de doação. Em resumo, tem-se exigido que o quantum em excesso tenha sido relevante o suficiente para nele se identificar potencial de desequilibrar a disputa eleitoral e a lisura do pleito.

Exemplificativamente, as seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2022. RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. CANDIDATO AO CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. INDEFERIMENTO NA ORIGEM. AL. P DO INC. I DO ART. 1º DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/1990. DOAÇÃO ELEITORAL TIDA POR ILEGAL EM DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. GRAVIDADE SUFICIENTE PARA INFLUENCIAR NO EQUILÍBRIO DA DISPUTA. INELEGIBILIDADE CARACTERIZADA. RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a incidência da inelegibilidade da al. p do inc. I do art. 1º da LC n. 64/1990 exige a presença concomitante dos seguintes requisitos: (i) condenação transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado por doação ilegal, conforme dispõe o § 3º do art. 23 da Lei n. 9.504/1997; (ii) apurada em representação por doação acima do limite legal conforme o rito processual previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/1990; (iii) com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio e a lisura das eleições. Precedentes. 2. No caso, comprovou-se a doação ilegal de R$ 69.235,45 (sessenta nove mil, duzentos e trinta e cinco reais e quarenta e cinco centavos), superior a 333% ao montante que poderia ter sido doado, valor equivalente a quase um terço dos gastos de campanha do beneficiário. 3. A gravidade suficiente da doação para afetar o equilíbrio e a lisura do pleito foi devidamente consignada no acórdão recorrido. 4. Preenchidos os requisitos para a incidência da al. p do inc. I do art. 1º da LC n. 64/1990, impõe-se o indeferimento do registro de candidatura pelo período de duração da inelegibilidade. 5. Recurso a que se nega provimento. 

(Recurso Ordinário Eleitoral n. 060068377, Acórdão, Min. Cármen Lúcia, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 19.12.2022.) (Grifei.)

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, P, DA LC 64/90. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. VALOR ABSOLUTO E PERCENTUAL EXPRESSIVOS. POTENCIAL PARA DESEQUILIBRAR O PLEITO. OMISSÃO. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. REJEIÇÃO. 1. No aresto embargado, em votação unânime, manteve-se acórdão do TRE/RJ em que se indeferiu o registro de candidatura do embargante, não eleito ao cargo de vereador de São Gonçalo/RJ em 2020, pela incidência da inelegibilidade do art. 1º, I, p, da LC 64/90. 2. Nos aclaratórios, aponta-se omissão e contradição no que tange à interpretação da alínea p segundo o art. 14, § 9º, da CF/88 e à jurisprudência do TSE, porquanto o montante excedente doado não afetou a normalidade e a legitimidade das eleições. 3. Todavia, ao contrário do aduzido, consta do acórdão, de modo expresso e fundamentado, que esta Corte Superior reafirmou, para as Eleições 2020, o entendimento de que a condenação por doação acima do limite legal atrairá a inelegibilidade da alínea p quando se demonstrar que o valor doado em excesso teve potencial de comprometer o equilíbrio e a disputa do pleito (REspEl 0600087-82/RJ, redator designado Min. Alexandre de Moraes, publicado na sessão de 3/12/2020). 4. Na espécie, o TRE/RJ consignou que o embargante, candidato em 2018, efetuou naquele ano "doação de R$ 71.650,00, ultrapassando os permitidos 10% dos rendimentos brutos declarados à Receita Federal no ano anterior, que estariam limitados a R$ 22.116,71, ou seja, houve excesso de R$ 49.533,29 (mais de 200% do limite legal), em exorbitante irregularidade e desproporção ao seu poderio econômico, sendo inclusive multado em 100% do valor ilícito doado". 5. A Corte a quo ressaltou, ainda, que o montante da doação ilícita foi significativo também no contexto da campanha do ora embargante naquele pleito, correspondendo "ao percentual de 55,96% do total arrecadado por ele". 6. Nesse contexto, o expressivo valor absoluto e percentual do excesso na doação possui efetivamente o condão de interferir na normalidade e na legitimidade do pleito, bens jurídicos tutelados no art. 14, § 9º, da CF/88, o que acarreta a incidência da inelegibilidade em comento. 7. Os supostos vícios apontados denotam propósito de rediscutir matéria já decidida, providência inviável na via aclaratória. Precedentes.8. Embargos de declaração rejeitados. 

(Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060012479, Acórdão, Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 21.05.2021.) (Grifei.)

 

No ponto, aliás, merece destaque o pioneirismo deste Tribunal Regional. Destaco trecho do voto proferido pelo então Des. El. Ingo Wolfgang Sarlet, em 03.10.2014, por ocasião do julgamento do Recurso Eleitoral n. 72-53.2013.6.21.0158, em concomitância:

Quanto à declaração de inelegibilidade dos dirigentes da pessoa jurídica recorrente, entendo incongruente com o sistema eleitoral brasileiro. A suspensão dos direitos políticos transcende -  em muito – ao sancionamento econômico que já se estabeleceu. Por isso, a declaração judicial de inelegibilidade não pode ser considerada sem relação jurídica processual própria, assegurada defesa ampla e irrestrita sobre o tema, sendo seu reconhecimento de competência do juízo do registro de candidatura, se eventualmente a pessoa vier a se candidatar. Assim prescreve o § 11 do art. 10 da Lei n. 9.504/97:

As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.

(Grifei.)

 

E tal sopesamento, conforme a jurisprudência do e. TSE ao interpretar o art. 11, § 10, da Lei das Eleições, há de ser realizado por ocasião de eventual (futuro) requerimento de registro de candidatura de EDUARDO SIEGLE DE SOUZA:

“[...] Registro de candidatura. Prefeito eleito. Indeferimento na origem. Inelegibilidade. Art. 1º, I, d , da LC nº 64/1990. [...] Fato superveniente. Afastamento da inelegibilidade. Art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/1997. [...]1. O art. 11, § 10, da Lei das Eleições prevê que as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro de candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade. 2. Os fatos supervenientes que tenham repercussão na elegibilidade de candidato podem ser conhecidos e apreciados em sede extraordinária, desde que constituídos até a data da diplomação. Precedente. [...]” (REspEl n. 0600060-03, Rel. Min EDSON FACHIN, Acórdão de 22.4.2021).

 

Portanto, o fórum para discussão acerca de inelegibilidade derivada de condenação por doação acima do limite legal (e sua relação com o equilíbrio e a lisura do pleito) será o juízo competente para julgamento de eventual registro de candidatura.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, notadamente para (1) manter a multa fixada no Juízo de Origem, no valor de R$ 497,76, bem como a anotação da condenação no cadastro eleitoral; e (2) determinar que a situação de inelegibilidade deverá ser aferida por ocasião de eventual requerimento de registro de candidatura de EDUARDO SIEGLE DE SOUZA.