REl - 0600048-47.2024.6.21.0042 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/09/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de um dia insculpido no art. 22 da Resolução TSE n. 23.608/19. Ademais, como preenche os demais pressupostos processuais, está a merecer conhecimento.

1. Mérito.

1.1. Resumo da controvérsia. Fatos e standard normativo.

No mérito, o recurso se insurge contra sentença que julgou improcedente representação proposta pela Federação Brasil da Esperança – FE BRASIL (PT/PC do B/PV) de Santa Rosa, em razão de suposta propaganda antecipada, efetuada por meio de divulgação da pré-candidatura de ANDERSON MANTEI, ao cargo de prefeito em postagem na rede social Facebook, em data anterior ao período permitido para realização de propaganda eleitoral - 28.7.2024.

No que se mostra relevante ao caso dos autos, a Lei das Eleições (Lei n. 9.504/97, com modificações posteriores) assim disciplina:

Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição.

(...)

§ 3o A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado o seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), ou ao equivalente ao custo da propaganda, se este for maior.

(...)

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:

I - a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;

II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária;

III - a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos;

IV - a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;

VI - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias.

VII - campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4o do art. 23 desta Lei.

(Grifei.)

 

Na matéria fática, trata-se de um vídeo de 12 (doze) segundos de duração, sem áudio (dispensando-se, portanto e obviamente, a necessidade de transcrição). A imagem postada é a seguinte:

 

O d. Juízo de primeiro grau entendeu pela improcedência do pedido, ao fundamento central de que no atual "entendimento do Colendo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a divulgação de informação pré-eleitoral, ainda que acompanhada do número com o qual o pré-candidato pretende concorrer, mas sem pedido explícito de voto, NÃO configura propaganda eleitoral antecipada." (Grifos no original).

Por outro viés, argumentam os recorrentes que a decisão hostilizada deixara de enfrentar "a inexorável presença de elemento caracterizador da propaganda antecipada, que seja a indicação do número 11, que é o número de urna do candidato da grei recorrida, junto com o veiculador da mensagem e o candidato beneficiado". Apresenta precedentes que entende aplicáveis ao caso posto, em sentido contrário ao decidido na sentença recorrida.

A d. Procuradoria Regional Eleitoral, em seu parecer, manifesta-se pela negativa de provimento ao recurso, centralmente porque entende não ter havido pedido explícito de voto - ainda que o número da candidatura esteja aparente.

1.2. Premissas de julgamento. Precedentes e padrões decisórios. Equiparação a pedido explícito de votos. Variáveis fáticas.

Colegas, trago, no presente ponto, algumas reflexões sobre o tema da propaganda eleitoral extemporânea, que adotarei como premissas de julgamento dessa árdua matéria ao longo das eleições do ano de 2024.

É inegável que o Código de Processo Civil de 2015 (ou o "Código Fux", prestes a completar 10 anos) reforçou o sistema de precedentes (stare decisis) no ordenamento jurídico brasileiro, tradicionalmente um sistema estritamente filiado à Civil Law. Como ligeiro exemplo, cito o art. 926 do CPC.

Tal reconfiguração tem inegavelmente se mostrado salutar, desde que bem utilizadas as ferramentas de interpretação jurisprudencial (distinguishing, overruling e overriding, como exemplos) mas, acima de tudo, desde que bem apanhada a percepção de que a relação entre legislação e jurisdição tornou-se mais "dinâmica e cooperativa" (a feliz expressão é de MITIDIERO, in Precedentes, da Persuasão à Vinculação, 2019, RT). 

Como referi, a matéria é árdua. A multiplicidade de variáveis fáticas que os casos concretos trazem (como exemplos, a existência de infinidade de modos de apresentação visual - fotos, logotipos e imagens das mais diversas, bem como o uso palavras, bordões e expressões com conteúdos semânticos semelhantes em diferentes contextos) dificulta muito a utilização do sistema de padrões decisórios a partir de precedentes.

Isso porque se torna necessária, de parte do julgador, acurada observação, para que não seja aplicado um precedente que não se amolda, à perfeição, ao caso posto. Há, de fato, situações tais em que a aplicação "perfeita" é possível - por exemplo, uma demanda em que o candidato utilize a mesma expressão que o e. Tribunal Superior Eleitoral tenha caracterizado, em julgado anterior, como "palavras mágicas" - e aqui igualmente há uma informação fundamental, pois o sistema de precedentes supõe o alinhamento aos precedentes dos Tribunais Superiores (ou "de vértice", outra vez MITIDIERO, obra citada), de modo que aos tribunais intermediários cabe, conforme o já citado art. 926 do CPC, garantir a estabilidade, integridade e coerência jurisprudencial, por uniformização a partir dos julgados da cúpula do Poder Judiciário (com grande sofisticação, é uma das conclusões de CÂMARA in Levando os padrões decisórios a sério: Formação e Aplicação de Precedentes e Enunciados de Súmula, 2018, Atlas).

Em resumo, acaso todos os tribunais ordinários obedeçam aos parâmetros de julgamento traçados pelas respectivas Cortes Superiores, obviamente o art. 926 estará sendo cumprido.

E, no que diz respeito ao presente tema, o certo é que a legislação veda o pedido explícito de voto, mas ao mesmo tempo há comando regulamentar que sinaliza a intervenção mínima da Justiça Eleitoral (v.g. art. 5º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.735/24, que trata dos graves ilícitos eleitorais), e uma massa de julgados que conferem posição preferencial à liberdade de expressão (v.g. AgR-REspe n. 52.191/AL, Rel. Ministro Luiz FUX, voto que resultou no impecável artigo A Liberdade de Expressão e sua posição preferencial (preferred position) no direito eleitoral: a divulgação de atos parlamentares como excludente de tipicidade de propaganda eleitoral irregular, in Novos Paradigmas de Direito Eleitoral, 2018, Fórum, páginas 275-280) .

Daí - e em outros votos já me manifestei acerca dos papeis dos tribunais regionais - penso que devemos ter o devido cuidado ao aplicar precedentes nos casos como o que ora se analisa, para que não ampliemos, inadvertidamente, o espectro de restrição, as balizas até agora estabelecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral pois, repito, há premissas orientadoras de vedação ao pedido explícito de voto, posição preferencial da liberdade de expressão, e intervenção mínima da Justiça Eleitoral.

E a equiparação de um pedido implícito (permitido pela lei, via interpretação contrario sensu do art.  36, § 3º, da Lei n. 9.504/97) ao pedido explícito (vedado legalmente) será, sempre, uma restrição a direito construída pelo Poder Judiciário - daí o necessário cuidado, em resumo.

1.3. O caso dos autos. Necessidade de distinção. Inaplicabilidade dos precedentes apresentados pela parte recorrente.

Conforme já relatado, a sentença julgou improcedente o pedido dos recorrentes, no que está acompanhada pela d. Procuradoria Regional Eleitoral.

E, nas razões de recurso, aduz a FEDERAÇÃO FE BRASIL que:

Em que pese o R. Parecer do Ilustre Representante do Parquet local, a R. Sentença de piso que acolheu a opinião ministerial e rejeito a demanda se funda em minoritária posição jurisprudencial, que se encontra em dissonância com a posição consolidada pelo E. TRE-RS, especialmente no que diz respeito ao Pleito de 2020, que serve de baliza ao pleito atual, conforme exemplos abaixo

(...)

Logo, a conclusão adotada pela sentença de que “na propaganda questionada não há pedido explícito de voto, não se configura a conduta vedada de propaganda eleitoral antecipada” merece ser reformada, eis que deixou de enfrentar a inexorável presença de elemento caracterizador da propaganda antecipada, que seja a indicação do número 11, que é o número de urna do candidato da grei recorrida, junto com o veiculador da mensagem e o candidato beneficiado.

 

Contudo, examinadas com atenção as decisões trazidas pela recorrente, entendo que os julgados apontados como paradigmáticos não carregam perfeita identidade com o caso dos autos, uma vez que possuem outros elementos de divulgação eleitoral - os quais conduziram, necessariamente, a outras soluções jurídicas.

Aqui, o alegado “elemento caracterizador” (indicação do número da candidatura) se encontra isolado, ele é solitário - ao contrário de processos entendidos como referenciais, pois:

(1) no Recurso Eleitoral n. 0600741-03, TRE/RS, Rel. Des. Francisco MOESCH, o número vinha acompanhado da expressão "para vereador vote" (vide, para tanto, o ID 12067383 daquela demanda, foto da propaganda);

(2) no Recurso Eleitoral n. 311-43, TRE/RS, Rel. Des. Carlos MARCHIONATTI, houve a exposição do número conjugada a uma "solicitação de apoio", expressão que o e. TSE entende como "mágica", para fins de equiparação ao pedido explícito de voto vedado legalmente (nessa linha o TSE - Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060006381, Acórdão, Min. Luís Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 01.9.2021), e

(3) no Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral  n. 0600419-65, TSE, Rel. Ministro Edson FACHIN, igualmente o número de candidatura fora acompanhado de pedido de voto ("eu conto com o sei (sic) voto, o da sua família e dos seus amigos para alcançar dias melhores").

Ou seja, não há "dissídio jurisprudencial", como pretende a parte recorrente, mas sim uma nítida linha de julgamento que exige a apresentação, de parte do candidato, de vários elementos informativos a acompanharem o número de candidatura, para a caracterização de propaganda antecipada. Obviamente, não é possível considerar o nome e a foto do pré-candidato como elementos que possam integrar irregularidade, pois substanciam aquele mínimo, o básico sem o qual a apresentação implícita da candidatura sequer existiria. 

Transcrevo ementas de precedentes do e. TSE, em mais de uma situação. Indico julgamentos de circunstâncias bastante assemelhadas ao caso posto, pois o elemento analisado fora unicamente o número de candidatura:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. DIVULGAÇÃO DE CONTEÚDO EM REDE SOCIAL. PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTO. NÃO CONFIGURADO. SÚMULA 30/TSE. DESPROVIMENTO. 1. Esta CORTE SUPERIOR reafirmou entendimento de que não configura propaganda extemporânea a veiculação de mensagem com menção à pretensa candidatura, ainda que acompanhada do número com o qual o pré-candidato pretende concorrer. 2. A partir da moldura fática delineada no acórdão recorrido, verifica-se que não houve pedido explícito de votos a caracterizar propaganda eleitoral antecipada. 3. Agravo Regimental desprovido. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº060005921, Acórdão, Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 10/06/2021.

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROCEDÊNCIA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. ART. 36-A DA LEI 9.504/97. PUBLICAÇÃO DE IMAGEM EM MÍDIA SOCIAL CONTENDO NÚMERO IDÊNTICO AO DE FUTURA CANDIDATURA. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTO. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS NA REPRESENTAÇÃO E AFASTAR A MULTA IMPOSTA. ARGUMENTOS DO RECURSO INAPTOS PARA AFASTAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Na linha da recente jurisprudência do TSE, a referência à candidatura e a promoção pessoal dos pré-candidatos, desde que não haja pedido explícito de votos, não configuram propaganda extemporânea, nos termos da nova redação dada ao art. 36-A pela Lei 13.165/15. Precedente: REspe 51-24/MG, Rel. Min. LUIZ FUX, publicado na sessão de 18.10.2016. 2. O TRE de origem entendeu haver propaganda antecipada na publicação, antes da data prevista no caput do art. 36 da Lei 9.504/97, em rede social (Facebook), de textos e ações de marketing com apelo eleitoral e menção a número do partido pelo qual o pré-candidato pretendia concorrer nas eleições (15.000). 3. De acordo com o atual entendimento deste Tribunal Superior, desde que inexistente pedido expresso de votos, a menção à possível candidatura, acompanhada da divulgação do número com o qual pretende concorrer o pré-candidato em rede social (Facebook), não configura propaganda eleitoral antecipada. 4. Agravo Regimental a que se nega provimento. Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº3793, Acórdão, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 29/05/2017.

Elaborada a devida distinção, o recurso não merece provimento, nos termos, aliás, do consignado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral:

(...) Analisando-se a comunicação inquinada, nela não se vislumbra “pedido explícito” de voto, sequer de forma implícita, nem pela divulgação do número de urna. O e. TSE entende que a divulgação de informação pré-eleitoral, ainda que acompanhada do número com o qual o pré-candidato pretende concorrer, mas sem pedido explícito de voto, NÃO configura propaganda eleitoral antecipada.

 

DIANTE O EXPOSTO, VOTO para negar provimento do recurso, nos termos da fundamentação.