REl - 0600202-52.2020.6.21.0124 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/09/2024 às 14:00

VOTO

Inicialmente, relativamente à matéria preliminar, verifico que a Procuradoria Regional Eleitoral entende que a insurgência recursal “é restrita à falta de assunção das dívidas de campanha pelo partido político e à irregularidade referente à despesa com recursos do FEFC no valor de R$ 7.210,00 (fornecedor House Digital EIRELI), restando operada a preclusão quanto aos demais pontos da sentença”.

Contudo, a petição do recurso é expressa ao invocar os argumentos apresentados pelo candidato para justificar as falhas constatadas no parecer técnico de exame das contas do ID 45516931, os quais foram acolhidos na sentença, tendo sido reproduzida, no corpo das razões, a manifestação do ID 45516938, com acréscimo de argumentos, motivo pelo qual entendo atendido o requisito afeto ao princípio da dialeticidade recursal, com a devolução de toda a matéria debatida em primeira instância a esta Corte.

Portanto, afasto as preliminares de preclusão lógica recursal e de coisa julgada parcial arguidas pela Procuradoria Regional Eleitoral.

No mérito, as contas em exame foram desaprovadas, com determinação de devolução de R$ 172.155,87 ao erário, em virtude de irregularidades nos gastos realizados com recursos procedentes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e devido ao recebimento e à utilização de recursos de origem não identificada, assim sintetizadas: 1) recebimento e utilização de recursos de origem não identificada no valor de R$ 538,00, verificados a partir da emissão de notas ficais omitidas nas contas; 2) dívidas de campanha no total de R$ 124.127,41, para as quais não houve a apresentação dos respectivos termos de assunção de dívida, na forma prevista no art. 33, §§ 2° e 3°, da Resolução TSE n. 23.607/19; 3) contratação de publicidade impressa no valor de R$ 9.472,00, desacompanhada de documento fiscal indicando as dimensões do material; 4) divergência entre o fornecedor contratado e o beneficiário dos pagamentos no total de R$ 12.198,45; 5) falta de comprovação relativa ao pagamento de despesas com militância e mobilização de rua no total de R$ 23.350,00; 6) ausência de comprovação sobre o pagamento de gastos realizados em espécie no total de R$ 2.010,00, caracterizando o recebimento de recursos de origem não identificada; 7) existência de sobra financeira de recursos do FEFC no valor de R$ 460,01, relativa a serviço de impulsionamento de conteúdo de internet.

Passo à análise das razões recursais.

1) Recebimento e utilização de recursos de origem não identificada no valor de R$ 538,00, verificados a partir da emissão de notas ficais omitidas nas contas

O juízo a quo, ao desaprovar as contas de campanha do candidato a prefeito, ora recorrente, e de sua vice, reconheceu irregularidades relativas ao recebimento de recursos de origem não identificada (RONI), consistentes em emissão de notas ficais omitidas nas contas, no montante de R$ 538,00, relativamente ao fornecedor Reinaldo & Fagundes Ltda.

No ponto, não merece reparo a decisão guerreada.

O recorrente argumentou tratar-se de notas fiscais emitidas pelo posto de combustível Reinaldo & Fagundes Ltda., referentes a abastecimentos de veículo de propriedade do candidato, pagas de seu próprio bolso, tendo cometido equívoco ao emitir as notas fiscais no CNPJ da campanha.

Contudo, como bem destacado na sentença, “o contexto das informações demonstra não haver coerência entre a alegação do candidato e a natureza das despesas.”

Tal fato se deve porque, conforme bem observado na decisão recorrida, o fornecedor em questão “forneceu materiais impressos para a campanha do candidato (o que constitui o objeto social da empresa – ID 116524304, pg. 05), conforme informado por ele próprio na sua prestação de contas, razão pela qual a pura e simples alegação de que se tratavam de despesas pessoais em relação a esse fornecedor não é suficiente para afastar a indicação de omissão de despesas e, consequentemente, a obrigação de recolher o numerário de R$ 538,00 (quinhentos e trinta e oito reais), equivalente ao total dispendido na situação.”

Com efeito, a documentação acostada aos autos deixa claro não se tratar o fornecedor Reinaldo & Fagundes Ltda. de um posto de combustível, e sim de uma empresa que forneceu materiais impressos para a campanha do candidato.

Daí porque, a partir do exame dos autos, se observa terem sido realizados os gastos em benefício da campanha, não havendo qualquer providência do candidato junto aos fornecedores para esclarecer a origem dos recursos ou para retificar os referidos documentos fiscais.

Aliás, até o presente momento, os documentos fiscais não restaram cancelados junto ao órgão tributário correspondente, conforme exige o art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, nem há prova de que o prestador de contas tenha realizado esforço para corrigir as notas fiscais junto ao fisco.

Nesse sentido, anoto que esta Corte firmou o entendimento de que, “havendo o registro do gasto nos órgãos fazendários, o ônus de comprovar que a despesa eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma irregular é do prestador de contas” (TRE-RS, Prestação de Contas Eleitoral n. 0602944-63.2022.6.21.0000, Relatora Desembargadora Eleitoral Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, publicado em sessão em 01.12.2022).

Reforço: não se encartou ao feito esclarecimento firmado pelos fornecedores, nem comprovação do cancelamento do documento junto a respectiva autoridade fazendária, como exige a Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 92, §§ 5º e 6º.

Ao mesmo passo, a quitação dos débitos não transitou em conta bancária registrada nesta prestação de contas.

Efetivou-se, portanto, o pagamento de despesas por meio diverso das contas registradas para a campanha, devendo o valor de R$ 538,00 ser recolhido ao Tesouro Nacional, por caracterização de recebimento de recursos de origem não identificada, conforme inteligência dos arts. 14, § 2º, 32, § 1º, inc. VI, 79, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2) Dívidas de campanha no total de R$ 124.127,41, para as quais não houve a apresentação dos respectivos termos de assunção de dívida, na forma prevista no art. 33, §§ 2° e 3°, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A sentença reconheceu, ainda, a existência de dívidas de campanha, no montante de R$ 124.127,41, para as quais não houve a apresentação dos respectivos termos de assunção de dívida, na forma prevista no art. 33, §§ 2° e 3°, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Inicialmente, consigno, embora o prestador argumente que a distribuição de recursos do Fundo Partidário e do FEFC pelo partido tenha ocorrido de forma absolutamente módica e desproporcional no Rio Grande do Sul, tal alegação não possui o condão de afastar a irregularidade verificada.

O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) – conhecido popularmente como Fundo Eleitoral – está previsto no art. 16-C da Lei n. 9.504/97, e sua distribuição segue os critérios previstos no art.  16-D do mesmo diploma legal.

Assim, desde que cumpridos todos os requisitos definidos pela legislação eleitoral, como, por exemplo, a cota de gênero de 30% dos recursos destinados a candidatas, compete a cada legenda, no âmbito da autonomia partidária, estabelecer os critérios para a distribuição interna dos recursos que receber do FEFC, não cabendo à Justiça Eleitoral imiscuir-se nesta questão de democracia interna das agremiações.

Portanto, tal como o juízo a quo, entendo caracterizada a falha no montante de R$ 124.167,91, quantia declarada como não quitada na escrituração contábil eleitoral (vide “relatório de despesas efetuadas e não pagas”, ID 45516666, p. 14; e item 7.3, “dívida de campanha”, do extrato da prestação de contas, ID 45516657 p. 4).

Contudo, apesar da mácula verificada, o montante irregular não está sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, porquanto ausente previsão normativa expressa, merecendo, no ponto, ser reformada a sentença.

Nesta senda, este Tribunal, no julgamento da PCE n. 0602652-78.2022.6.21.0000, por maioria, alinhou-se à jurisprudência do TSE, firmada no acórdão do RESPE n. 0601205-46.2018.6.12.000, da relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, enquanto redator designado, no sentido da ausência de dever de recolhimento ao erário da importância equivalente à dívida, por falta de amparo normativo.

Transcrevo a ementa:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO ELEITO. SEGUNDO SUPLENTE. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DE DESPESA. EXISTÊNCIA DE NOTAS FISCAIS CONTRA O NÚMERO DE CNPJ DE CAMPANHA. PRESUNÇÃO DE DESPESA ELEITORAL. INFRAÇÃO AO ART. 53, INC. I, AL. “G”, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DÍVIDAS DE CAMPANHA NÃO ASSUMIDAS PELO PARTIDO. INCABÍVEL A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NORMATIVA. BAIXO PERCENTUAL. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

(…)

3. Identificada dívida de campanha não assumida pelo partido político. Falha reconhecida. Informado que a agremiação partidária indeferiu o pedido de assunção de dívidas, consoante resposta juntada aos autos, razão pela qual o prestador pugna pela autorização para que proceda à quitação com recursos próprios. Todavia, o pedido deduzido não encontra amparo na legislação de regência. Caracterizada a irregularidade por descumprimento do art. 33, §§ 1º a 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez que as despesas não foram integralmente quitadas até o prazo de entrega das contas e as dívidas remanescentes não foram assumidas pelo partido político. Incabível o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, pois as dívidas de campanha consistem em categoria com regulamentação específica, que não prevê a restituição de valores em caso de infringência.

4. O total das irregularidades representa 4,64% do montante de recursos recebidos, autorizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

5. Aprovação com ressalvas, com esteio no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, PCE n. 0602652-78.2022.6.21.0000, Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, publicado julgado em 9.12.2022).

Segundo a mais recente posição do Tribunal Superior Eleitoral, não há “respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse” (REspEl n. 0601205–46/MS, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 08.02.2022, DJe de 30.3.2022).

Com essas considerações, reconheço a irregularidade em questão, a qual deve ser levada em consideração para o julgamento de aprovação ou rejeição das contas, mas deixo de determinar o recolhimento da importância de R$ 124.127,41 ao Tesouro Nacional, acolhendo o recurso nesse ponto.

3) Contratação de publicidade impressa no valor de R$ 9.472,00 desacompanhada de documento fiscal indicando as dimensões do material.

Com relação à despesa contratada com o fornecedor Artemais Grafica EIRELI, no valor de R$ 9.472,00, o documento fiscal apresentado pelo candidato não indica as dimensões no material impresso, limitando-se a mencionar "10.000 UN. IMPRESSÃO DE FOLDERS”, “1.000 UN. IMPRESSÃO DE ADESIVOS DE PEITO” e 100 UN. IMPRESSÃO DE ADESIVOS DE CARRO” (ID 45516808).

Também não foi apresentada carta de correção da nota fiscal evidenciando as dimensões dos materiais impressos produzidos para a campanha, ao contrário do que prometera o prestador na nota explicativa de ID 45516939.

Assim, restou configurada a irregularidade no valor de R$ 9.472,00, relativamente à ausência de informações acerca da dimensão do material impresso descrito na nota fiscal, em afronta ao art. 60, §8º, da Resolução TSE n. 23.607/19, devendo a quantia ser recolhida ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79, § 1º, da mesma Resolução, consoante determinado na sentença, por caracterização da utilização irregular de recursos do FEFC.

4) Divergência entre o fornecedor contratado e o beneficiário dos pagamentos no total de R$ 12.198,45.

No que diz respeito às despesas junto ao fornecedor House Digital EIRELI (CNPJ 24.436.882/0001-09) custeadas com recursos do FEFC, nos valores de R$ 7.210,00 (sete mil duzentos e dez reais), R$ 2.601,45 (dois mil seiscentos e um reais e quarenta e cinco centavos) e R$ 2.387,00 (dois mil trezentos e oitenta e sete reais), todas datadas de 04.10.2020, o recorrente asseverou que os gastos foram pagos com a cártula de cheque n. 850003, de acordo com a nota explicativa elaborada pelo contador da campanha eleitoral.

Entretanto, a nota explicativa apresentada não afasta a irregularidade reconhecida na sentença, porquanto, conforme constante dos extratos bancários eletrônicos, a contraparte beneficiária do pagamento é pessoa jurídica distinta daquela que foi contratada pela candidatura como fornecedora.

No ponto, importa destacar a manifestação da unidade técnica no parecer conclusivo, litteris:

Ao consultar o SPCE e os extratos bancários eletrônicos, verifica-se que a contraparte do cheque n. 850003, no valor de R$ 12.198,45, foi a empresa COPY STAR FOTOCOPIAS E ENC LTDA, inscrita no CNPJ sob n. 90.744.509/0001-31, e não o fornecedor indicado pelo candidato. Além disso, o prestador de contas não apresentou documentos (Ex.: fotocópia da cártula de cheque) ou informações capazes de viabilizar o ateste da conformidade da despesa com os termos da Resolução TSE n. 23.607/2019

Assim, embora o candidato tenha esclarecido que apresentou a documentação fiscal pertinente já na Prestação de Contas Final e que o pagamento em questão resultou da unificação de outras despesas (satisfeita, portando, a segunda parte da inconsistência “B”), fica mantido o apontamento em função da divergência quanto ao destinatário do pagamento (não atendeu à primeira parte da inconsistência “B”).

Assim, é de ser mantida a aludida irregularidade, considerando-se irregular a utilização de recursos originados do FEFC na quantia de R$ 12.198,45, a qual deve ser recolhida ao Tesouro Nacional consoante dispõe o § 1° do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19.

5) Falta de comprovação relativa ao pagamento de despesas com militância e mobilização de rua no total de R$ 23.350,00.

A decisão recorrida também julgou desconformes despesas com militância e mobilização de rua, no montante de R$ 23.350,00, uma vez que a documentação de comprovação dos gastos com pessoal não apresenta a integralidade dos requisitos previstos no § 12 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, tais como: contrato contendo locais de trabalho, horas trabalhadas, especificação das atividades executadas e justificativa do preço contratado.

A nota explicativa elaborada pelo contador da campanha (ID 45516939), a qual foi reproduzida nas razões recursais (ID 45516956, p. 5), menciona que seriam juntados aos autos os documentos solicitados em atenção ao apontamento contido no relatório de exame preliminar das contas:

Por lapso não foram juntados na prestação de contas os contratos dos prestadores de serviços cuja inconsistência apontadas tratam-se das alíneas D e E, assim que foram juntados todos os contratos e a demanda respondida, juntaremos no processo de prestação de contas do candidato em análise.

Contudo, examinando os autos verifico que o candidato não juntou a documentação como informara, restando caracterizada a mácula na aplicação dos recursos correspondentes.

Desse modo, restou comprometida a fiscalização desta Justiça Especializada sobre a correta utilização de recursos públicos, com clara violação ao art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ressalto que, na contração de prestadores do serviço de militância e mobilização de rua, a orientação da jurisprudência desta Casa reafirma a aplicação dos requisitos do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme ementa abaixo transcrita:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CARGO DE DEPUTADA FEDERAL. 3ª SUPLENTE. IMPROPRIEDADES. ABERTURA EXTEMPORÂNEA DE CONTA BANCÁRIA. NÃO APRESENTADOS OS EXTRATOS DAS CONTAS BANCÁRIAS. OMISSÃO DE GASTOS. NOTA FISCAL NÃO CANCELADA. ATUALIZAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO TSE NÃO APLICÁVEL À HIPÓTESE. NÃO COMPROVADOS GASTOS REALIZADOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). COMBUSTÍVEIS. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO. FACEBOOK. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO FISCAL IDÔNEO. DESPESAS COM PESSOAL. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

(...)

4. Ausência de documentação apta a comprovar gastos realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

4.4. Inobservância do § 12 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, referente às despesas com pessoal. Apresentados contratos firmados com os prestadores de serviço que revelam inconsistências que não podem ser superadas. Determinada a devolução do somatório irregular ao Tesouro Nacional (art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

(...)

6. Desaprovação. Determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

(TRE/RS – PCE nº 060237477, Relatora Desembargadora Eleitoral Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Publicação: DJE, Tomo 273, 16/12/2022) (Grifou-se.)

Dessa forma, à vista da ausência das informações de que trata o art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, fator que culmina na impossibilidade de fiscalização sobre o conteúdo e os requisitos legais desses contratos de prestação de serviço de militância, considera-se irregular a utilização de recursos originados do FEFC na quantia de R$ 23.350,00, a qual deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, consoante dispõe o § 1° do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19.

6) Ausência de comprovação sobre o pagamento de gastos realizados em espécie no total de R$ 2.010,00, caracterizando o recebimento de recursos de origem não identificada.

Conforme apontamento do órgão técnico em seu parecer conclusivo, acolhido pela sentença recorrida, foi reconhecida a irregularidade de uma série de despesas pagas em dinheiro diretamente ao fornecedor, em violação às modalidades de pagamento previstas no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Ainda, há uma série de despesas que, segundo o candidato, foram pagas em dinheiro diretamente ao fornecedor, a saber (vide tabela do item 4.1.1.3 do ID 116524904, pg. 10): GARAGEM RESARE LTDA (CNPJ sob n. 00.167.011/0001-60), no total de R$ 680,00 (seiscentos e oitenta reais); M&B SORRISO SUPERMERCADO LTDA FL 1 (CNPJ sob n. 04.890.459/0002-40), no total de R$143,02 (cento e quarenta e três reais e dois centavos); AUTOPOSTO HOFFAMANN SANTANA, (CNPJ sob n. 08.818.686/0001-34), no total de R$ 100,00 (cem reais); POSTO SAO JOAO BATISTA LTDA (CNPJ sob n. 29.180.641/0001-57), no total de R$ 50,00 (cinquenta reais); ROSANGELA RODRIGUES DA SILVA (CPF sob n. 347.949.210-04), no total de R$ 36,98 (trinta e seis reais e noventa e oito centavos). Além disso, houve um saque de R$ 1.000,00 (mil reais) realizado no dia 30/10/2020, com aplicação/destinação não declarada na Prestação de Contas e não esclarecida na diligência.

O prestador apresentou justificativa individual em relação a cada uma das falhas, declarando, em síntese, que as despesas foram pagas em espécie, sacado no banco e entregue diretamente ao fornecedor:

No que se refere a nota fiscal 288, no valor de R$ 480,00, Garagem Resare Ltda, CNPJ 00.167.011/0001-60, por equívoco da candidata foi sacado, no dia 30/10/2020, dinheiro no banco e pago no posto, conforme pode ser visto no extrato em anexo, por isso não há comprovante de pagamento, senão a própria nota fiscal emitida.

No que se refere a nota fiscal 328410, no valor de R$ 143,02, M. B. Sorriso Supermercado Ltda FL 1, CNPJ 04.880.459/0002-40, por equívoco da candidata foi sacado, no dia 30/10/2020, dinheiro no banco e pago o restaurante, conforme pode ser visto no extrato em anexo, por isso não há comprovante de pagamento, senão a própria nota fiscal emitida.

No que se refere a nota fiscal 284, no valor de R$ 100,00, Garagem Resare Ltda, CNPJ 00.167.011/0001-60, por equívoco da candidata foi sacado, no dia 30/10/2020, o dinheiro no banco e pago no posto, conforme pode ser visto no extrato em anexo, por isso não há comprovante de pagamento, senão a própria nota fiscal emitida.

No que se refere a nota fiscal 220310, no valor de R$ 100,00, Garagem Resare Ltda, CNPJ 00.167.011/0001-60, por equívoco da candidata foi sacado, no dia 30/10/2020, o dinheiro no banco e pago no posto, conforme pode ser visto no extrato em anexo, por isso não há comprovante de pagamento, senão a própria nota fiscal emitida.

No que se refere a nota fiscal 616204, no valor de R$ 100,00, Auto Posto Hoffmann Ltda, CNPJ 08.818.686/0001-34, por equívoco da candidata foi sacado, no dia 30/10/2020, o dinheiro no banco e pago no posto, conforme pode ser visto no extrato em anexo, por isso não há comprovante de pagamento, senão a própria nota fiscal emitida.

No que se refere a nota fiscal 305441, no valor de R$ 50,00, Posto São João Batista Ltda, CNPJ 29.180.641/0001-570, por equívoco da candidata foi sacado, no dia 30/10/2020, o dinheiro no banco e pago no posto, conforme pode ser visto no extrato em anexo, por isso não há comprovante de pagamento, senão a própria nota fiscal emitida.

No que se refere a prestadora de serviços Rosangela Rodrigues da Silva, CPF 347.949.210-04, no valor de R$ 34,980, por equívoco da candidata foi sacado, no dia 30/10/2020, o dinheiro no banco e pago para a contratada, conforme pode ser visto no extrato em anexo, por isso não há comprovante de pagamento, senão a própria nota fiscal emitida.

Apesar dos argumentos apresentados pelo candidato, não se pode concluir pela utilização regular de um fundo de caixa, nos termos estabelecidos nos arts. 39 e 40 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Veja-se que o saque no valor de R$ 1.000,00 ocorreu no dia 30.10.2022, sendo que algumas das despesas referidas no item 4.1.1.3. do parecer conclusivo foram realizadas em datas anteriores, por exemplo, as despesas com o fornecedor Garagem Resare Ltda., nos dias 22 e 28.10.022, trazendo incerteza quanto à origem dos recursos utilizados em seus pagamentos, pois o aludido saque ainda não havia sido efetuado.

Dessa forma, igualmente não há como se ter certeza quanto à origem e destinação do valor de R$ 1.000,00, sacado no dia 30.10.2022.

Ademais, a soma das despesas constantes do item 4.1.1.3. do parecer conclusivo perfaz um total de R$ 1.010.00, valor superior ao saque realizado, reforçando a imprecisão das alegações apresentadas pelo candidato, com a consequente ausência de confiabilidade e de transparência de sua movimentação financeira.

Entretanto, necessário diferenciar a natureza das irregularidades, tratando-se as despesas pagas em dinheiro, no montante de R$ 1.010,00, de recursos de origem não identificada, enquanto que o valor de R$ 1.000,00, sacado no dia 30.10.2022, configura a utilização de recursos do FEFC, sem a devida comprovação dos gastos porque a contraparte não consta nos extratos bancários.

Tratando-se a irregularidade no montante R$ 1.010,00 de despesas pagas em dinheiro cuja origem não restou comprovada, deve a quantia ser recolhida ao erário, por caracterização de recebimento de recursos de origem não identificada, na forma do art. 32, § 1º, inc. VI, c/c o art. 79, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Já o valor de R$ 1.000,00, sacado no dia 30.10.2022, é procedente de recursos do FEFC, verba que foi utilizada irregularmente em face da ausência de prova segura e inequívoca quanto à destinação dos recursos, devendo o respectivo montante ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do que dispõe o § 1° do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19.

7) Existência de sobra financeira de recursos do FEFC no valor de R$ 460,01, relativa a serviço de impulsionamento de conteúdo de internet.

Ao examinar as contas, a unidade técnica verificou a aquisição de créditos de impulsionamento de conteúdo de internet no valor total de R$ 2.500,00 através da empresa Dlocal Brasil Pagamentos Ltda., a serviço de Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., com recursos procedentes do FEFC.

Do total contratado, somente houve comprovação da destinação da quantia de R$ 2.039,99 para o serviço em questão mediante emissão de notas fiscais.

Essa diferença de R$ 460,01, considerada sobra de recursos de FEFC, deveria ter sido recolhida ao Tesouro Nacional ao final da campanha por disposição expressa do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme apontado no parecer conclusivo (ID 45516945, item 4.2.1).

Em nota explicativa (ID 45516939), reprisada nas razões recursais (ID 45516956), o candidato aduziu que apuraria se a diferença fora totalmente consumida ou se teria havido sobra de crédito e que, se confirmada tal sobra, faria a devolução ao erário através de GRU no respectivo valor.

Contudo, como bem consignado na sentença, “o candidato não apresentou a referida informação ou mesmo comprovante de recolhimento da sobra apurada, razão pela qual fica caracterizada irregularidade na aplicação do recurso, uma vez que o candidato não comprovou o efetivo recolhimento da sobra de recursos do FEFC, tal como determina o inc. I do § 2º do Art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19”.

A propósito, conforme entendimento firmado nesta Colenda Corte no precedente de relatoria da Excelentíssima Desembargadora Eleitoral Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, os créditos de impulsionamento contratados e não utilizados caracterizam sobra de verbas originárias do FEFC e devem ser recolhidas ao Tesouro Nacional:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CARGO DE DEPUTADA FEDERAL. 3ª SUPLENTE. (...) NÃO COMPROVADOS GASTOS REALIZADOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). COMBUSTÍVEIS. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO. FACEBOOK. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO FISCAL IDÔNEO. DESPESAS COM PESSOAL. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

(…)

4. Ausência de documentação apta a comprovar gastos realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

(…)

4.2. Despesas com impulsionamento de conteúdo. Divergência entre valores pagos ao Facebook e aqueles registrados nas notas fiscais apresentadas. O somatório das notas fiscais juntadas atinge montante menor ao declarado e efetivamente repassado à empresa. Caracterizada sobra, nos termos do art. 35, §2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, devendo ser recolhida ao Tesouro Nacional.

(...)

(TRE/RS – PCE nº 060237477, Relatora Desembargadora Eleitoral Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Publicação: DJE, Tomo 273, 16/12/2022,.) (Grifou-se.)

Destarte, nos termos da determinação da decisão atacada, a sobra financeira de R$ 460,01 deve ser recolhida ao Tesouro Nacional consoante dispõe o inc. I, § 2º, do art. 35, c/c o § 1° do art. 79 ambos da Resolução TSE n. 23.607/19.

Conclusões

Em conclusão, tem-se que as irregularidades apontadas na sentença, no total de R$ 172.155,87, referem-se à aplicação irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) no valor de R$ 170.607,87 e ao recebimento de recursos de origem não identificada no montante de R$ 1.548,00, merecendo ser mantidas, pois as razões recursais não trazem argumentos suficientes para esclarecer com confiabilidade e transparência a movimentação contábil e conduzir à reforma da decisão recorrida.

Deve ser mantido o juízo de desaprovação porque a quantia indevidamente utilizada na campanha representa 74% do montante de recursos recebidos (R$ 232.650,00) extrapolando os parâmetros fixados na jurisprudência desta Justiça Especializada de aplicação dos princípios de razoabilidade e de proporcionalidade para formar juízo de aprovação com ressalvas da contabilidade (superando 10% da arrecadação financeira, nominalmente maior do que R$ 1.064,10), impondo-se a desaprovação na forma do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Assim, merece parcial provimento o recurso tão somente para a reforma da sentença em parte especificamente para ser afastada a determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 124.127,41, referente às dívidas de campanha não pagas e não assumidas pelo órgão de direção do partido, nos termos do entendimento jurisprudencial sobre o tema, mantendo-se a desaprovação das contas com redução do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional de R$ 172.155,87 para R$ 48.028,46 (R$ 172.155,87 - R$ 124.127,41), relativo à aplicação irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no valor de R$ 46.480,46, e ao recebimento de recursos de origem não identificada no montante de R$ 1.548,00.

Diante do exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo parcial provimento do recurso, para manter a desaprovação das contas e reduzir de R$ 172.155,87 para R$ 48.028,46 o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional pelos candidatos, com juros e correção monetária, relativo à aplicação irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no montante de R$ 46.480,46, e ao recebimento de recursos de origem não identificada no total de R$ 1.548,00, nos termos da fundamentação.

Com o trânsito em julgado, anotações de estilo e satisfação de obrigações, arquivem-se os autos com baixa na instância pertinente.