REl - 0600017-58.2023.6.21.0043 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/08/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso é tempestivo, adequado e preenche todos os pressupostos exigidos à espécie, de molde que está a merecer conhecimento.

No mérito, o PARTIDO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – MDB de Santa Vitória do Palmar recorre da sentença que desaprovou suas contas relativas ao exercício financeiro do ano de 2022, em razão de recebimento de verbas de fonte vedada. A decisão hostilizada determinou o recolhimento da quantia de R$ 4.790,00 ao Tesouro Nacional, acompanhada da ordem de suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário, nos termos do art. 46, inc. I, da Resolução TSE n. 23.604/19.

Especificamente, a unidade contábil da zona eleitoral verificou recebimento de contribuições de pessoas físicas não filiadas ao partido político em exame, as quais exerceram função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário no exercício de 2022, em afronta à vedação prevista no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, regulamentado pelo Tribunal Superior Eleitoral na Resolução TSE n. 23.604/19, art. 12, inc. IV e § 1º:

Lei 9.096/1995:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de: (…)

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

 

Resolução TSE n. 23.604/2019:

Das Fontes Vedadas

Art. 12. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

IV - autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

(…)

 

Os doadores e as respectivas contribuições estão discriminados na tabela que segue:

RAPHAEL CABREIRA DA SILVA

R$ 240,00

SHEILA SILVA NUNES

R$ 320,00

RENATA ROCHA GARCIA

R$ 800,00

CAMILLE RODRIGUES BOBADILHA

R$ 750,00

JULIANA DE OLIVEIRA DOS SANTOS TEIXEIRA

R$ 240,00

PEDRO HENRIQUE BALLEJA MARISQUIRENA

R$ 180,00

DORISLAINE TERRA CARDOSO

R$ 240,00

MARIA CRISTINA POSSER SILVEIRA

R$ 160,00

KELIS ENILZA CABRAL CORREA ROCHA

R$ 160,00

SULIVAN DA SILVA OLIVEIRA

R$ 960,00

RUTHIELE CORRÊA RODRIGUES

R$ 100,0

CAROLINI SILVA TEIXEIRA – filiada ao PSDB

R$ 140,00

AMYRA YASMIM CABREIRA PIRES

R$ 140,00

JACKELINE BANDEIRA RODRIGUES

R$ 200,00

DARIANE SELAYARAN NICOLETTI

R$ 160,00

 

Em seu recurso, o ente partidário destaca que as pessoas doadoras “fazem parte da história partidária da Agremiação, mais precisamente a juventude e, foram regularizadas”. Sustenta, ademais, que a suspensão dos recursos do Fundo Partidário pelo período de um ano é desproporcional, a considerar que o somatório das verbas recebidas irregularmente não ultrapassa a razão de 10% dos rendimentos do órgão partidário, invocando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para afastar a sanção ou, subsidiariamente, reduzi-la.

Adianto que assiste razão ao recorrente.

Sublinho que o partido não se insurge contra o reconhecimento da ocorrência de fontes vedadas. Tanto assim é que já efetuou, e comprovou nos autos, o recolhimento dos valores ordenado em sentença.

A insurgência posta na irresignação refere-se à não aplicação, pela sentença, dos princípios constitucionais suprarreferidos, para julgar as contas aprovadas com ressalvas.

Com efeito, este Tribunal já há muito tem entendido como cabível a aplicação de tais princípios quando se tratar de irregularidades em percentuais inferiores a dez por cento ou valores nominalmente reduzidos, abaixo de R$ 1.064,00, não comprometedoras da transparência das contas, situações nas quais a contabilidade pode ser aprovadas com ressalvas.

Exemplificativamente:


RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2021. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. CRÉDITOS EFETIVADOS MEDIANTE CNPJ DE CAMPANHA SEM A IDENTIFICAÇÃO DE DOADOR ORIGINÁRIO. AUSÊNCIA DE CONFIABILIDADE E TRANSPARÊNCIA. MONTANTE IRREGULAR DE PEQUENA PROPORÇÃO. PERCENTUAL ABAIXO DO PARÂMETRO DE REFERÊNCIA UTILIZADO POR ESTA CORTE. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. AFASTADAS A MULTA E A DETERMINAÇÃO DE SUSPENSÃO DE REPASSES DOS VALORES ORIUNDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO E DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA. MANTIDA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas anuais do partido, referentes ao exercício financeiro de 2021, em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada – RONI. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de 20%, bem como a suspensão do repasse dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC pelo período de 1 (um) ano. 2. Recebimento de créditos efetivados mediante o CNPJ de campanha do partido, sem identificação de doador originário, a configurar recursos de origem não identificada – RONI, conforme o disposto no art. 13, § único, da Resolução TSE n. 23.604/19. Ausência de confiabilidade e transparência sobre a origem dos recursos, pois o art. 8º, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19 expressamente determina que as doações somente poderão ser realizadas mediante transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado. Portanto, uma vez que a parte recorrente não logrou êxito em demonstrar a procedência dos valores, resta configurada a utilização de recursos de origem desconhecida, os quais devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14 da resolução em comento. 3. O montante considerado irregular é inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10, bem como representa apenas 1,61% das receitas totais recebidas pelo partido durante o exercício financeiro, ficando, portanto, abaixo do percentual de 10% utilizado como limite para permitir a aprovação das contas com ressalvas, por incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, na esteira da jurisprudência desta Corte e do Tribunal Superior Eleitoral. Nessa linha, afasta-se a multa imposta, uma vez que tal espécie de sanção somente é cabível nos casos em que as contas são desaprovadas. 4. No mesmo sentido, afastada a determinação de suspensão de repasses dos valores oriundos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Este Tribunal, ao interpretar os arts. 36 e 37, § 3º, da Lei dos Partidos Políticos, tem se posicionado no sentido de que não se aplica a suspensão do repasse quando houver aprovação com ressalvas de contas, uma vez que o apontamento de ressalvas não descaracteriza o fato de que a contabilidade foi, logicamente, aprovada. Não se mostra razoável, tampouco proporcional, equiparar a aprovação com ressalvas à desaprovação, sobretudo para efeitos de sancionamento. 5. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. Afastada a multa e a determinação de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário e do FEFC. 

(TRE-RS, PC 0600030-26, Relator: Des. Eleitoral Afif Jorge Simões Neto, julgado em 09.10.2023, DJE de 17.10.2023.) (Grifei.)
 

E, como consequência da aprovação com ressalvas das contas, saliento ser imperioso o afastamento da suspensão do repasse dos recursos do Fundo Partidário pelo período de um ano, na linha da jurisprudência desta Corte. Com efeito, este Tribunal, ao interpretar os arts. 36 e 37, § 3º, da Lei dos Partidos Políticos, posicionou-se no sentido de que não se aplica suspensão do repasse do Fundo Partidário quando houver aprovação com ressalvas de contas, mais uma vez, por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, pois o apontamento de ressalvas não descaracteriza o fato de que a contabilidade foi aprovada, ainda que não integralmente, não se mostrando adequado equiparar à desaprovação a aprovação com ressalvas, para efeitos de sancionamento:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTAÇÃO INCOMPLETA. UTILIZAÇÃO INCORRETA DO SISTEMA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. RECEBIMENTO DE RECURSOS ADVINDOS DE FONTES VEDADAS. PERCEPÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. FALHA EQUIVALENTE A 9,08% DO TOTAL DE RECURSOS AUFERIDOS NO PERÍODO EM EXAME. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO DE MULTA E DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. (...). 6. Falhas que representam 9,08% dos recursos auferidos no exercício financeiro. Hipótese que, na esteira da jurisprudência firmada no Tribunal Superior Eleitoral, viabiliza a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar a severa penalidade de desaprovação das contas, admitindo o juízo de aprovação com ressalvas quando a baixa representação percentual das irregularidades não comprometa o balanço contábil como um todo, circunstância que afasta a sanção de multa de até 20% e a suspensão do Fundo Partidário. 7. O art. 36 da Lei n. 9.096/95 trata das sanções aplicadas aos partidos quando constatada a violação de normas legais ou estatutárias, enquanto o art. 37 da mesma lei estabelece o regramento para o caso de desaprovação das contas. Trata-se de normas distintas, independentes entre si e que não se confundem. O primeiro artigo vige até os dias atuais com a mesma redação da data da promulgação e nunca sofreu alterações, ao contrário do segundo, que foi sucessivamente modificado pelo Congresso Nacional por meio das Leis n. 9.693/98 e n. 13.165/15. A nova redação do art. 37 da Lei n. 9.096/95 dispõe que a desaprovação das contas enseja, como única penalidade, a devolução da quantia apontada como irregular acrescida de multa, circunstância que prejudica eventual interpretação de que, no caso de aprovação das contas, mesmo com ressalvas, poder-se-ia aplicar pena mais severa. Desde a edição da Lei dos Partidos Políticos, ao interpretar o art. 36, o TRE-RS assentou que, em se tratando de aprovação com ressalvas, não há fixação da pena de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário aos partidos políticos, nada obstante a previsão legal disponha a cominação dessa sanção. Diretriz alinhada ao entendimento do TSE no mesmo sentido. A sanção é desconsiderada por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que o apontamento de ressalva não descaracteriza o fato de que a contabilidade foi aprovada, ainda que não integralmente, situação incompatível com a fixação de penalidade. 8. Aprovação com ressalvas. 

(TRE-RS, PC 0600288-75, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 15.6.2020, DJE de 23.6.2020.) (Grifei.)

 

Portanto, ao julgar aprovadas com ressalvas as contas, afasto a sanção de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário prevista no art. 36 da Lei n. 9.096/95, reproduzido no art. 46, inc. I, da Resolução TSE n. 23.604/19.

 

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas do partido MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO de Santa Vitória do Palmar, exercício financeiro de 2022, e afastar a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário determinada na sentença.