AR - 0600272-14.2024.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/08/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, MARCIAL LUCAS GUASTUCCI ajuizou ação declaratória de nulidade de sentença, com pedido liminar, na qual postula a nulidade dos atos realizados no processo, que julgou as suas contas relativas ao pleito de 2022 como não prestadas (PCE n. 0603401-95.2022.6.21.0000), desde a notificação da parte interessada para que prestasse suas contas finais de campanha.

A decisão que apreciou o pedido de tutela antecipada está lançada nos seguintes termos (ID 45671143):

Vistos.

[...].

A ação anulatória, também conhecida como ação de querela nullitatis insanabilis, é a medida autônoma de impugnação de decisões judiciais transitadas em julgado que visa a tornar a sentença ineficaz no plano jurídico, dada a existência dos chamados vícios processuais transrescisórios, sendo a inexistência ou invalidade do ato citatório o exemplo clássico deste tipo de defeito.

No presente momento, analiso a tutela de urgência postulada pelo requerente, para a qual se faz necessária a presença cumulativa de dois requisitos: (i) o fundamento relevante, consubstanciado na plausibilidade do direito invocado (fumus boni iuris); e (ii) o temor do dano jurídico iminente ou de difícil reparação, o qual se exprime na ineficácia da medida se concedida somente quando do julgamento definitivo da ação (periculum in mora).

Na hipótese, o requerente alega que a sua comunicação processual para o cumprimento do dever de prestar contas não ocorreu ou ocorreu de forma inválida.

Compulsando os autos originais da PCE n. 0603401-95.2022.6.21.0000, verifico que, após a certificação da inadimplência do dever de prestar as contas finais de campanha (ID 45287800), foi certificada a citação do candidato nos seguintes termos (ID 45306310):

[…].

CERTIFICO que, nesta data, foi realizada a citação da candidata ou do candidato via mensagem eletrônica (WhatsApp), encaminhada para o telefone informado no Requerimento de Registro de Candidatura (RRC), mediante confirmação de entrega à destinatária ou ao destinatário da mensagem, dispensada a confirmação de leitura, nos termos do art. 98, §§ 2º, II, 8º, 9º, I, e 10, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

DOU FÉ.

Em Porto Alegre, 8 de novembro de 2022.

[…].

 

A certidão refere que o número de telefone utilizado foi extraído da ficha de qualificação no requerimento de registro de candidatura e que a comunicação ocorreu naquela mesma data, ou seja, 08.11.2022.

Assim, a mera ausência de “print screem” das telas do whatsapp não constitui irregularidade apta a ensejar a nulidade do ato.

A Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 49, caput e § 5º, prescreve que as contas devem ser apresentadas até o 30º dia posterior às eleições, e que, caso tal não ocorra, o candidato deve ser citado para prestá-las no prazo de três dias, por mensagem instantânea, caso não tenha advogado constituído nos autos, tal como ocorreu na hipótese concreta, observando-se os procedimentos previstos no arts. 98, §§ 8º e 9º, do mesmo diploma normativo:

Art. 98. (…).

[…].

§ 8º Na hipótese de não haver advogada ou advogado regularmente constituída(o) nos autos, a candidata ou o candidato e/ou partido político, bem como a(o) presidente, a tesoureira ou o tesoureiro e suas(seus) substitutas ou substitutos, devem ser citados pessoalmente para que, no prazo de 3 (três) dias, constituam advogada ou advogado, sob pena de serem as contas julgadas não prestadas.

§ 9º A citação a que se refere o § 8º deste artigo deve ser realizada:

I - quando dirigida a candidata ou a candidato, partido político ou coligação, por mensagem instantânea, e, frustrada esta, sucessivamente por e-mail, por correspondência e pelos demais meios previstos no Código de Processo Civil;

(Grifei.)

De seu turno, a Resolução TRE-RS n. 347/2020 disciplina a forma das comunicações por aplicativo de mensagem instantânea, não exigindo a juntada de prints de telas aos autos do processo, in verbis:

Art. 30. As comunicações por mensagem instantânea serão realizadas pelo aplicativo WhatsApp Messenger, ou outro que o substitua, a partir de telefones móveis de uso exclusivo das Zonas Eleitorais e da Secretaria do TRE-RS, cujos números constam no Anexo III desta Resolução e estarão disponíveis para consulta na página oficial do Tribunal na internet.

§ 1º Os números de telefone institucionais de WhatsApp Messenger, ou outro aplicativo que o substitua, utilizados pelas Zonas Eleitorais e Secretaria do TRE-RS, serão identificados com a logomarca do TRE-RS e salvos sob a designação "XXXª Zona Eleitoral/RS" ou "Secretaria do TRERS".

§ 2º A modificação do aplicativo utilizado pelo TRE-RS para o envio de mensagem instantânea será comunicada em sua página oficial na internet, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas.

§ 3º As comunicações serão encaminhadas aos números de telefone móvel informados nos termos dos incisos do art. 18 desta Resolução, acompanhadas, no caso de citação, de cópia do despacho ou decisão judicial que as ordenou e dos demais documentos necessários ao cumprimento do ato.

Art. 31. A comunicação por mensagem instantânea será considerada válida pela confirmação da sua entrega no número de telefone informado pelo seu destinatário à Justiça Eleitoral, dispensada a confirmação de leitura ( Resolução TSE n. 23.608/2019, art. 12, § 2º, inc. II ).

Art. 32. Frustrado o uso da mensagem instantânea, ou não havendo visualização do sinal indicativo da entrega ao seu destinatário no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, o servidor responsável certificará a ocorrência, com a data e o horário da tentativa de envio, e procederá ao cumprimento do ato por e-mail.

Além disso, a certidão lavrada e assinada por servidor público no exercício de suas atribuições legais possui presunção juris tantum de veracidade, que somente pode ser elidida quando existirem provas robustas em sentido contrário, conforme ilustra o seguinte julgado:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CARACTERIZADA. NULIDADE DA CITAÇÃO. FÉ PÚBLICA DO OFICIAL DE JUSTIÇA. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE VERACIDADE E AUTENTICIDADE. NECESSIDADE DE PROVA EM CONTRÁRIO PARA O SEU AFASTAMENTO. INADMISSIBILIDADE DE RECURSO ESPECIAL QUE DEMANDA O REEXAME DE PROVAS. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Não há omissão ou deficiência de fundamentação quando o Tribunal adota fundamentação suficiente, embora diversa da pretendida pela ora agravante, para a solução integral da controvérsia. 2. Consoante a jurisprudência desta Corte, a "certidão emitida por serventuário do Judiciário goza de fé pública, demandando a produção de prova em contrário para que seja abalada sua presunção juris tantum de veracidade" (STJ, AgRg no AREsp 389.398/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Terceira Turma, DJe de 10/10/2014). 3. É inadmissível o recurso especial se a análise da pretensão da recorrente demanda o reexame de provas. 4. Agravo interno a que se nega provimento.

(STJ - AgInt no REsp: 1687352 MG 2017/0192773-7, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 27/02/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/03/2018) Grifei.

No caso em apreço, o requerente não colacionou documentos ou apresentou quaisquer elementos que pudessem infirmar o teor da certidão emitida pelo servidor público.

Igualmente, não consta nos autos do processo de contas n. 0603401-95.2022.6.21.0000 qualquer documento referente à apresentação das contas finais em 01.11.2022. Bem ao contrário, sob o ID 45287800 daqueles autos, está juntada a “certidão de inadimplência”, emitida automaticamente pelo sistema de contas eleitorais (SPCE), em 02.11.2022, atestando que o candidato “NÃO apresentou a referida prestação de contas final referente às eleições de 2022”.

Além disso, evidencia-se que, após o trânsito em julgado do acórdão que julgou as contas como não prestadas, o candidato foi pessoalmente intimado para o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional ou para impugnar o cumprimento de sentença (ID 45567243), limitando-se a peticionar pelo parcelamento da dívida com a União (ID 45632395).

Naquela ocasião processual, o ora requerente já poderia ter deduzido em impugnação ao cumprimento de sentença todas as matérias deduzidas na presente ação anulatória, nos termos do art. 525, incs. I e III, do CPC, porém optou por não discutir o débito e postular o seu parcelamento.

Ainda que se trate de nulidade absoluta, é defeso à parte interessada arguí-la no momento ou via processual que entender mais conveniente, em detrimento da racionalidade da marcha processual. Nesses termos, o art. 278 do CPC prescreve que “a nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão”.

Com esse posicionamento, colho julgados do STJ:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SUSTENTAÇÃO ORAL. JULGAMENTO SINGULAR. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. EMBARGOS À ARREMATAÇÃO. INTIMAÇÃO DE HERDEIROS. DESNECESSIDADE. REPRESENTAÇÃO PELO INVENTARIANTE. SÚMULA 83/STJ. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. PRIMEIRA OPORTUNIDADE. PRECLUSÃO. SÚMULA 83/STJ. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 356/STF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO FICTO. AGRAVO DESPROVIDO. [...]. 3. "Cabe à parte, na primeira oportunidade que tiver nos autos, alegar a nulidade absoluta, sob pena de preclusão (CPC/2015, art. 277)" (AgInt no REsp 1.930.980/SP, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 13/12/2021, DJe de 1º/2/2022).

(STJ - AgInt no AREsp: 2200224 GO 2022/0273055-6, Relator: RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 29/05/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/06/2023) Grifei.

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. ARGUIÇÃO DE NULIDADE ABSOLUTA. PRECLUSÃO. NULIDADE DE ALGIBEIRA. ILEGALIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC/2015. DEFICIÊNCIA NA ARGUMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CARÁTER PROTELATÓRIO. MULTA. REEXAME DAS CONCLUSÕES ESTADUAIS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é indevida a utilização de nulidade de algibeira como mecanismo de defesa da parte, a qual, conhecedora dos vícios processuais, deixa de apresentar sua insurgência em momento oportuno. [...].

(STJ - AgInt no REsp: 1845419 CE 2019/0321743-0, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 24/04/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/04/2023) (Grifei.)

Destaco, ainda, julgado do TRE-RJ em caso bastante semelhante ao que ora se analisa:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE (QUERELA NULLITATIS). PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. CONTAS JULGADAS NÃO PRESTADAS. ALEGAÇÃO DE VÍCIO NA NOTIFICAÇÃO PARA PRESTAR CONTAS. ATO QUE NÃO POSSUI NATUREZA DE CITAÇÃO. INADMISSIBILIDADE DA QUERELA NULLITATIS. NOTIFICAÇÃO REPUTADA VÁLIDA COM BASE NA SÚMULA 1 DESTE TRIBUNAL. NULIDADE NÃO ARGUIDA NA PRIMEIRA OPORTUNIDADE. PRECLUSÃO. ART. 245 DO CPC. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Ação declaratória de nulidade ajuizada sob a alegação de existência de nulidade insanável e absoluta no processo em que as contas de campanha do autor referentes às eleições de 2014 foram julgadas não prestadas. 2. Como vem sendo reiteradamente decidido por esta Corte, a querela nullitatis insanabilis é admissível no nosso ordenamento jurídico nos casos de citação nula ou ausência de citação aliada à revelia. 3. A notificação para apresentar a prestação de contas não possui natureza de citação, visto que se trata de obrigação legal cujo prazo para cumprimento é definido em lei, não se mostrando cabível, portanto, o manejo da ação declaratória de nulidade. Precedente desta Corte. 4. Ainda que se entendesse que a notificação em comento possui natureza de citação, não seria possível acolher o pedido formulado na exordial, visto que a notificação foi recebida no endereço informado pelo candidato em seu requerimento de registro de candidatura, no qual ele mesmo afirma residir, e também para o endereço constante no Cadastro Eleitoral, razão pela qual, ao julgar as contas como não prestadas, esta Corte reputou válida a notificação, aplicando a Súmula nº 1 deste Tribunal. 5. De todo modo, a nulidade deveria ter sido arguida na primeira oportunidade em que o candidato manifestou-se no processo de prestação de contas, o que não ocorreu, incidindo, pois, o instituto da preclusão, por força do disposto no art. 245 do novo Código de Processo Civil. 6. Improcedência do pedido.

(TRE-RJ - PET: 0000224-42.2016.6.19.0000 RIO DE JANEIRO - RJ 22442, Relator: Marco José Mattos Couto, Data de Julgamento: 08/02/2017, Data de Publicação: DJERJ- 42, data 17/02/2017) (Grifei.)

Nesse trilhar, tendo em vista que o suposto vício na comunicação processual não foi alegado na primeira oportunidade que o então prestador de contas teve para se manifestar nos autos do processo n. 0603401-95.2022.6.21.0000, tem-se por operada a preclusão.

Assim, em cognição sumária dos fatos e do conjunto probatório carreado aos autos, não vislumbro a possibilidade de concessão da tutela de urgência neste âmbito, a teor do artigo 300 do CPC, por não evidenciada a probabilidade do direito, razão pela qual INDEFIRO a tutela provisória de urgência.

[...].

 

Com base nos mesmos fundamentos transcritos, entendo pela manutenção da decisão agravada.

Em suas razões de agravo interno, o recorrente não veicula nenhum fato, prova ou argumento novo capaz de infirmar a presunção de veracidade da certidão sobre a notificação do candidato para que prestasse suas contas, a qual foi emitida com a devida observância das disposições da Resolução TSE n. 23.607/19 e da Resolução TRE-RS n. 347/2020, conforme detidamente examinado na decisão agravada.

O recurso, em realidade, cinge-se a repisar a alegação de que suas contas foram oportuna e efetivamente prestadas, “consoante se observa do documento que juntou com a inicial e que demonstra que no dia 01.11.2022, às 19h02, deu entrada no sistema da Justiça Eleitoral a prestação de contas”, referindo-se ao “extrato de prestação de contas final” sob o ID 45670403.

Ocorre que, tal como anteriormente analisado, a suposta apresentação das contas finais deveria estar demonstrada nos autos do processo de contas eleitorais n. 0603401-95.2022.6.21.0000 como pressuposto imprescindível para ser conhecida pelo Tribunal. Contudo, nada nesse sentido consta juntado ou atestado naqueles autos.

De fato, no feito em que julgadas as contas como não prestadas não existe nenhum documento referente à apresentação das contas finais em 01.11.2022. Ao revés, sob o ID 45287800 daquele processo, está juntada a “certidão de inadimplência”, emitida automaticamente pelo sistema de contas eleitorais (SPCE), em 02.11.2022, atestando que o candidato “NÃO apresentou a referida prestação de contas final, referente às eleições de 2022", ou seja, posteriormente à data em que o candidato alega ter apresentado suas contas.

Ademais, consoante apontado na decisão agravada, após o trânsito em julgado do acórdão que julgou as contas como não prestadas, o candidato foi pessoalmente intimado para o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional ou para impugnar o cumprimento de sentença (ID 45567243), quando optou por reconhecer o débito e postular o seu parcelamento (ID 45632395).

Assim, não deduzidas as matérias de defesa que poderiam ter sido alegadas em impugnação ao cumprimento de sentença no tempo e modo adequados, inclusive a “falta ou nulidade da citação” e a “inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação” (art. 525, § 1º, incs. I e III, do CPC), está consumada a preclusão.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do agravo interno.