REl - 0600079-28.2024.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/08/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo, uma vez que observado o tríduo previsto no art. 258 do Código Eleitoral.

Da Preliminar

Inicialmente, a parte recorrente alega nulidade pela ausência de intimação ou de divulgação no Diário Oficial acerca de ação de coexistência de filiações. Não reconhece sua filiação ao PRD.

O Ministério Público Eleitoral com atuação na 55ª Zona Eleitoral de Taquara manifestou-se para que a parte fosse “pessoalmente notificada para esclarecer a qual partido político efetivamente deseja permanecer filiada, forte na norma do artigo 23, inciso I, da Resolução n. 23.596/19, de 20 de agosto de 2019, do Colendo Tribunal Superior Eleitoral” (ID 45662034).

Na sequência, foi certificado pelo cartório eleitoral uma tentativa frustrada de intimação por meio do telefone constante no cadastro eleitoral do filiado. (ID 45662035)

Compulsando os autos, verifica-se que não consta nenhum documento que comprove a notificação legítima dos interessados, nos moldes do art. 23 da Resolução TSE n. 23.596/19, que disciplina os atos de comunicação referentes aos procedimentos de filiações sub judice:

Art. 23. Detectados, no processamento, registros com idêntica data de filiação, o TSE deverá: (Redação dada pela Resolução nº 23.668/2021)

I - notificar o eleitor filiado, por meio de aplicativo da Justiça Eleitoral, se se tratar de usuário cadastrado e desde que disponível a funcionalidade, ou por via postal, no endereço constante do Cadastro Eleitoral; (Incluído pela Resolução nº 23.668/2021)

II - notificar os partidos envolvidos por meio de disponibilização de relatório específico no módulo externo do FILIA. (Incluído pela Resolução nº 23.668/2021)

Observo que não foram acostados nem o comprovante de recebimento da notificação supostamente enviada, por via postal, pelo TSE ao recorrente, nem a comprovação de notificação, via internet, aos partidos políticos envolvidos.

Desse modo, não há prova da citação válida, requisito essencial de existência do processo, oportunizando tanto ao eleitor quanto às agremiações partidárias envolvidas apresentar suas manifestações no prazo estabelecido acerca da duplicidade de filiação.

Uma tentativa de citação por telefone, quando a legislação determina que seja por via postal, não é suficiente para cumprir os ditames dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Ademais, pode ocasionar sérios prejuízos aos eleitores, na medida em que a filiação partidária é uma condição de elegibilidade para futuras candidaturas.

Assim, inexistindo nos autos certeza quanto à efetiva citação das partes, em claro prejuízo à defesa dos interessados, imperativo o reconhecimento da nulidade da sentença.

No entanto, considerando que, após a sentença, os partidos foram devidamente intimados conforme determina o art. 9º da Instrução Normativa TRE-RS P N. 65/20 (ID 45662040) e o eleitor, embora sem comprovante juntado aos autos, manifestou-se em sede de embargos por meio de procurador constituído, entendo por maduro o processo para julgamento, nos termos do art. 1.013, § 3º, I, do CPC.

 

Do Mérito

Cuida-se de recurso interposto em face de sentença, em processo de duplicidade de filiação partidária, que culminou no cancelamento das filiações de Delci Guimarães de Souza ao Partido Republicanos e ao Partido Renovação Democrática (PRD).

Conforme se depreende da exordial e das razões recursais, o recorrente busca o reconhecimento de sua filiação partidária ao partido Republicanos no prazo de seis meses anteriores às eleições, "para poder concorrer no próximo pleito eleitoral" (ID 45662046).

A coexistência de filiações partidárias encontra-se regulamentada no art. 22 da Lei dos Partidos Políticos (Lei n. 9.096/95) e no art. 23 da Resolução TSE n. 23.596/19, nos seguintes termos:

Art. 22 da Lei 9.096/95. Parágrafo único. Havendo coexistência de filiações partidárias, prevalecerá a mais recente, devendo a Justiça Eleitoral determinar o cancelamento das demais.

Art. 22 da Resolução TSE 23.596/2019. Havendo coexistência de filiações partidárias, prevalecerá a mais recente, devendo as demais ser canceladas automaticamente durante o processamento de que trata o art. 19 desta resolução (Lei nº 9.096/1995, art. 22, parágrafo único).

Art. 23. Detectados, no processamento, registros com idêntica data de filiação, serão expedidas, pelo TSE, notificações ao filiado e aos partidos envolvidos. (...)

§ 3º As partes envolvidas terão o prazo de vinte dias para apresentar resposta, contados da data de expedição das notificações, na forma dos §§ 1º e 1º-A deste artigo. (Redação dada pela Resolução nº 23.668/2021)

§ 4º Apresentada a resposta ou decorrido o respectivo prazo, será aberta vista ao Ministério Público, por cinco dias, após os quais, com ou sem manifestação, o juiz decidirá em idêntico prazo.

§ 4º-A O juízo decidirá: (Incluído pela Resolução nº 23.668/2021)

I - pela manutenção do vínculo partidário mais recente, quando for possível estabelecer o momento em que as filiações ocorreram; (Incluído pela Resolução nº 23.668/2021)

II - pela manutenção do vínculo partidário indicado pelo eleitor, quando não for possível estabelecer o momento em que as filiações ocorreram; ou (Incluído pela Resolução nº 23.668/2021)

III - pelo cancelamento de todos os vínculos, quando não for possível estabelecer o momento em que as filiações ocorreram e o eleitor não indicar interesse na manutenção de qualquer dos vínculos partidários. (Incluído pela Resolução nº 23.668/2021)

O sistema jurídico vigente veda a duplicidade de filiação partidária. Nas hipóteses em que o critério cronológico possa ser aplicado, a regra é a subsistência da filiação mais recente, conforme inteligência do art. 22 da Lei n. 9.096/95.

Entretanto, nos casos em que as filiações ocorreram na mesma data, a norma torna automaticamente os vínculos partidários sub judice, determinando a abertura de processo para que o eleitor apresente justificativas plausíveis, bem como documentação suficiente para afastar o suposto equívoco da duplicidade de filiação apontada.

No caso dos autos, há informação referente à duplicidade de filiação partidária de Delci Guimarães de Souza, constatada após batimento realizado por meio do Sistema FILIA, acusando ter o eleitor se filiado em 06.4.2024 ao partido Republicanos e ao Partido da Renovação Democrática - PRD, ambos do Município de Riozinho/RS.

Compulsando os autos, observo que o magistrado de origem decidiu sobre o fato, inclusive já constando o cancelamento das filiações do eleitor no sistema FILIA (ID 45662038).

Verifico, ainda, que o recorrente, ao ser intimado da sentença, em sede de aclaratórios, externou sua vontade de permanecer filiado ao partido Republicanos e, a fim de corroborar sua intenção, juntou certidão de filiação partidária, ficha de filiação ao Republicanos, declaração escrita e vídeo onde expressa sua vontade de permanecer filiado ao Republicanos, bem como documento de cancelamento de filiação ao PRD (ID 45662045).

Na espécie, tenho pela prevalência da vontade do eleitor, pois, em caso de duplicidade de filiação partidária, nosso ordenamento jurídico optou por preservar uma filiação, a mais recente, logo, cancelar as duas filiações não se afigura consentâneo ao sistema.

Ademais, cancelar as duas filiações representa sacrificar os direitos políticos de eleitor que declarou sua vontade em participar do processo eleitoral, inclusive tendo se filiado tempestivamente ao partido pelo qual pretende concorrer.

Se, por um lado, não se quer privilegiar tão somente a vontade do eleitor, de outro, de igual modo não é desejável que o eleitor seja tolhido em relação ao seu direito de concorrer ao pleito, já que a nossa conformação democrática veda a candidatura isolada, ou seja, sem vinculação partidária.

Nesse sentido, recentes decisões do Tribunal Superior Eleitoral debateram sobre a coexistência de filiação partidária realizada na mesma data. Seguem as ementas:

Eleições 2020 [...] Coexistência de filiação partidária. Mesma data. Impossibilidade de apuração do vínculo mais recente. [...] 1. Na espécie, o Tribunal Regional Eleitoral [...] diante da coexistência de filiações partidárias com a mesma data, reconheceu o vínculo com a agremiação indicada pela filiada e cancelou as demais. 2. No julgamento do REspe nº 0600005–03/GO, Rel. Min. Sérgio Banhos, em 13.10.2020, esta Corte, por unanimidade, entendeu que, diante da coexistência de filiações partidárias com a mesma data, somente será lícito o cancelamento de todas as filiações se: (i) não houver nenhuma informação, nem mesmo a manifestação do eleitor, que permita aferir qual é a filiação mais recente; e (ii) existirem elementos robustos, incontestes e que afastem qualquer dúvida razoável, obtidos sem maior pesquisa probatória, de que as filiações foram maculadas por ilícitos como fraude, simulação e abuso de direito. Em todas as outras hipóteses, inclusive quando houver apenas a manifestação do eleitor, deve ser aproveitada a filiação, seja ela a mais recente, seja aquela escolhida pelo eleitor. 3. Tal providência é a que mais se harmoniza com a atual redação do art. 22, parágrafo único, da Lei nº 9.096/95, prestigiando a um só tempo o postulado constitucional da autonomia partidária (art. 17, § 1º, CF/88) e o direito à cidadania (art. 1º, II) e à liberdade de associação (art. 5º, XX), de modo que negar validade à filiação partidária, à míngua da demonstração de fraude ou má–fé, seria obstaculizar, de forma indevida, o exercício da capacidade eleitoral passiva do ora recorrido. […]

(Ac. de 26.11.2020 no REspEl nº 060002209, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.)(Grifo nosso)

[...] Filiação partidária. Coexistência. Inviabilidade concreta de apuração do vínculo mais recente. [...] 5. Segundo o parágrafo único do art. 22 da Lei 9.096/95, com a redação conferida pela Lei 12.891/2013, ‘havendo coexistência de filiações partidárias, prevalecerá a mais recente, devendo a Justiça Eleitoral determinar o cancelamento das demais’. 6. A evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial aponta para a necessidade de aproveitamento da filiação partidária sempre que possível, observando–se o critério cronológico e independentemente de ter ocorrido comunicação de desfiliação nos termos do art. 21 da Lei 9.096/95. 7. Na hipótese de coexistência de filiações partidárias com a mesma data, o art. 23 da Res.–TSE 23.594 determina a notificação do filiado e das agremiações envolvidas, além da adoção de um conjunto de providências tendentes a apurar qual a filiação deve ser mantida, não fazendo referência à possibilidade, já expungida do texto legal, de cancelamento de todos os vínculos partidários. [...] 9. Entre muitos outros cenários, caso a notificação expedida resulte a concordância dos interessados, o Estado deve respeitar, tanto quanto possível, a manifestação de vontade dos envolvidos, em homenagem à autonomia partidária e à liberdade de associação. 10. A mera possibilidade de fraude no procedimento de apuração da filiação mais recente não justifica que se repristine sanção superada, írrita, sendo inviável, ademais, que se presuma a má–fé apenas em face de múltiplas fichas de filiação a partidos diversos. 11. No caso, segundo consta da moldura fática do acórdão regional, após intimação dos envolvidos, apenas o filiado se manifestou, no sentido de manter a sua filiação ao Podemos, manifestação de vontade que deve prevalecer. […]

(Ac. de 13.10.2020 no REspEl nº 060000503, rel. Min. Sérgio Banhos.) (Grifo nosso)

 

Desse modo, em linha com a jurisprudência do TSE, na impossibilidade de se aferir qual filiação é a mais recente, bem como quando inexistente manifestação dos partidos ou provas capazes de detectar o horário do processamento de registros com idênticas datas de filiação, deve prevalecer a vontade manifestada pelo eleitor, em consonância com a voluntariedade do ato e a liberdade de associação do cidadão.

Portanto, entendo que a decisão mais razoável e condizente com os princípios do sistema eleitoral é prestigiar a documentação apresentada pelo recorrente e prevalecer a sua vontade de ser mantida a filiação ao partido Republicanos de Riozinho/RS.

Com esses fundamentos, VOTO pelo CONHECIMENTO e PROVIMENTO do recurso para superar a prefacial e reformar a sentença de piso para reconhecer filiação do recorrente ao Partido Republicanos de Riozinho/RS.