CtaEl - 0600263-52.2024.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/08/2024 00:00 a 23:59

VOTO

A lei estabelece requisitos subjetivos e objetivos para o conhecimento de consulta formulada perante Tribunais Regionais Eleitorais, nos termos do art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral, devendo o questionamento versar sobre matéria eleitoral e ser elaborado em tese e por autoridade pública ou partido político, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete, ainda, privativamente, aos Tribunais Regionais:

(...)

VIII – responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político.

De início, verifica-se que o requisito objetivo da norma, no sentido de que seja o questionamento formulado em tese, não se encontra presente.

A todo efeito, a consulta foi realizada sobre situação concreta e identificável, envolvendo o questionamento em tela a aplicação da norma eleitoral, mormente o disposto no art. 73, inciso V, letra d, da Lei n. 9.504/1997, preceptivo esse assim redigido:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…]

V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

[...]

d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;

Dessa forma, é perfeitamente identificável o questionamento trazido aos autos, contendo pedido de orientação sobre eventual contratação de enfermeira para trabalhar na Prefeitura, referindo, portanto, fato específico, o qual eventualmente poderá ser enquadrado em possível conduta vedada, faltando, assim, à consulta em análise, abstração e caráter hipotético, ante sua especificidade, de modo que eventual decisão neste momento incorrerá em evidente risco de antecipação de pronunciamento sobre caso concreto.

Ademais, deve-se salientar, no ponto, que a consulta em foco foi trazida a esta Justiça Especializada quando já em curso o ano eleitoral, havendo, inclusive, a possibilidade de o caso vir a ser discutido no âmbito de representação eleitoral ajuizada com fundamento em violação do supra transcrito art. 73, inc. V, letra d,  da Lei n. 9.504/97, não podendo este Tribunal antecipar o julgamento do mérito sobre a questão posta a exame, sob pena de realizar prévio enfrentamento de caso concreto, reitere-se.

Nesta altura, vale trazer a lume excerto da doutrina de Rodrigo Lopes Zilio ao discorrer sobre a função consultiva da Justiça Eleitoral, para tanto destacando-se a seguinte passagem:

[...] A consulta não pode ser sobre uma situação determinada e concreta, somente sendo possível versar sobre situação "em tese", sob pena de não-conhecimento. Justifica-se a necessidade da consulta somente ser formulada sobre situação em tese, porquanto a natureza consultiva é de mera orientação, sem qualquer caráter vinculativo. Daí, pois, não tendo poder de vinculação, somente pode ser respondida sobre situação em abstrato (Direito eleitoral : noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral (da convenção à prestação de contas), ações eleitorais,  3a edição, Verbo Jurídico, 2012, p. 38).

 

Por outro lado, no que concerne ao requisito subjetivo, o questionamento em tela também encontra óbice no inc. VIII do art. 30 do Código Eleitoral, uma vez que caracterizada a ilegitimidade de parte de seu signatário, por tratar-se de Procurador do Município de Pinheiro Machado.

Dessarte, o consulente, ocupante de tal cargo naquela Prefeitura, não é considerado autoridade pública legitimada a formular consulta perante Tribunal Regional Eleitoral, pois não lhe é conferida prerrogativa com esse matiz, condição esta atribuída, em âmbito municipal, apenas ao prefeito e aos vereadores.

Nesse sentido, corroborando o que foi até aqui esposado, colaciona-se, a título ilustrativo, as seguintes ementas de precedentes deste TRE-RS, que bem demonstram a jurisprudência pacífica quanto à matéria em apreço neste Tribunal:

CONSULTA. AUTORIDADE PÚBLICA. CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES. REQUISITOS DO ART. 30 , INC. VIII , DO CÓDIGO ELEITORAL . EFEITOS JURÍDICOS DE DECISÃO DESTA CORTE. DIREITOS POLÍTICOS. INELEGIBILIDADE. CASO CONCRETO. VEDAÇÃO. NÃO CONHECIDA. 1. Conforme art. 30 , inc. VIII , do Código Eleitoral , compete aos Tribunais Regionais Eleitorais “responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político”. Consulta formulada por autoridade pública, Câmara Municipal de Vereadores, que detém legitimidade para atuar perante esta Corte. 2. Questionamentos envolvendo efeitos jurídicos de decisão proferida por esta Corte, nos autos n. 0600472–28.2020.6.21.0140 e 0600471–43.2020.6.21.0140. Impositivo o não conhecimento da consulta, pois não se embasa em termos hipotéticos e abstratos, uma vez que almeja identificar os efeitos jurídicos de decisão específica proferida em processos que tramitam neste Tribunal, não sendo, portanto, admitida pela norma eleitoral. 3. Ainda que a consulente possa se valer de precedente do TSE sobre a mesma temática para solver a dúvida submetida à apreciação neste feito, e também das disposições regulamentares que tratam do assunto, é certo que todas as perguntas foram elaboradas sobre caso concreto, impondo o não conhecimento da presente consulta. 4. Não conhecimento.

(TRE-RS - CONSULTA nº 060371893, Acórdão, Relator(a) Des. KALIN COGO RODRIGUES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 18, Data 01/02/2023)

 

CONSULTA. ELEIÇÕES 2018. ASSOCIAÇÃO DOS OFICIAIS DA BRIGADA MILITAR. QUESTIONAMENTO ACERCA DA POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DE EVENTO COM PRÉ-CANDIDATOS. PARTE ILEGÍTIMA. CASO CONCRETO. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO, NOS TERMOS DO ART. 30 , INC. VIII , DO CÓDIGO ELEITORAL . NÃO CONHECIDA. Os requisitos subjetivo e objetivo das consultas dirigidas aos Tribunais Regionais Eleitorais estão previstos no art. 30 , inc. VIII , do Código Eleitoral . Consulta formulada por presidente da Associação dos Oficiais da Brigada Militar, pessoa jurídica de direito privado. Ilegitimidade do consulente. Ademais, questionamento identificando caso concreto, impossibilitando o pronunciamento da Corte. Não conhecimento.

(TRE-RS – CTA n. 1985 PORTO ALEGRE - RS, Relator: GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 17/08/2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 151, Data 21/08/2018, Página 8)

 

Consulta. Indagação formulada pelo procurador adjunto do município acerca da possibilidade do prefeito participar da cerimônia oficial de Revezamento da Tocha Olímpica Rio 2016. Ilegitimidade do consulente para propor consulta, porquanto não considerada autoridade pública, revestindo-se dessa condição, no âmbito municipal, apenas o prefeito e vereadores. Ademais, questão com nítidos contornos de caso concreto. Inobservância dos requisitos objetivos e subjetivos do art. 30 , inc. VIII , do Código Eleitoral . Não conhecimento.

(TRE-RS – CTA n. 9665 SÃO LOURENÇO DO SUL - RS, Relator: DR. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Data de Julgamento: 16/06/2016, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 108, Data 20/06/2016, Página 7)

 

Consulta. Prefeito. Publicidade de festival gastronômico. Art. 73, inc. VI, al. "b", da Lei n. 9.504/97. Eleições 2016. Indagação acerca da possibilidade de realização de campanha publicitária de festival gastronômico tradicional no município. Impossibilidade de pronunciamento sobre a matéria por fundamentos diversos:

1. Pelo entendimento firmado na Justiça Eleitoral no sentido de que não devem ser apreciadas as consultas após iniciado o período eleitoral em sentido lato, quando incidem as normas sobre as quais recai a dúvida ou o processo eleitoral, sob pena de comprometimento da paridade de armas entre os candidatos;

2. Por restar caracterizado pedido de autorização de publicidade institucional nos três meses antes do pleito, cuja competência para apreciação é do juiz eleitoral;

3. Pela inobservância do requisito objetivo estabelecido no inc. VIII do art. 30 do Código Eleitoral, caracterizado o caso concreto. Não conhecimento.

(TRE-RS - Consulta nº 11571, Acórdão de 20/07/2016, Relator(a) RAFAEL DA VÁS MARFINIZA, Publicação: DEJEJUAS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 136, Data 28/07/2016, Página 8)  Grifei.

 

De tal forma, tenho que o presente questionamento advindo da Prefeitura de Pinheiro Machado não se amolda aos requisitos insertos no Código Eleitoral, isso é, objetivamente, ser a formulação em tese, e subjetivamente ser apresentado por autoridade pública, pois, ao contrário, a consulta reporta-se a situação concreta, ainda em ano eleitoral, e é firmada por agente público a quem não é conferida a legitimidade ativa para subscrevê-la, ficando, assim, vedada a manifestação prévia da Justiça Eleitoral sobre a conduta jurídica a ser adotada pela parte consulente.

Ante o exposto, VOTO pelo não conhecimento da consulta.