REl - 0600696-30.2020.6.21.0054 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/08/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso é tempestivo e tem presente todos os demais pressupostos de admissibilidade, de forma que as razões merecem conhecimento.

DALCEU BORGES FERNANDES interpõe recurso contra a sentença do Juízo da 54ª Zona Eleitoral, a qual desaprovou suas contas ao cargo de vereador de Soledade/RS nas Eleições 2020, em razão (1) da utilização de recurso de origem não identificada - RONI, nos valores de R$ 850,00 e R$ 1.050,00, e (2) da transferência de R$ 130,00, recebidos na conta do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC e remetidos para a conta Outros Recursos.

Passo à análise.

1. Recursos de Origem Não Identificada - RONI.

A sentença hostilizada considerou o pagamento de R$ 850,00 à Morgana de Nardi Souza, como recurso de origem não identificada – RONI, pois realizado a partir de verba que não transitou em conta de campanha.

Com efeito, o extrato bancário da conta 207225, agência 490, do Banco do Brasil, registra a apresentação do cheque de n. 850002 pela contraparte Morgana de Nardi Souza, com devolução em mesmo dia sem compensação.

O recorrente sustenta que, em razão da insuficiência de fundos, resgatou a cártula e pagou em espécie à credora – extrato da conta de id 108617877.

Ocorre que a prática adotada pelo prestador afronta diretamente a legislação de regência, a qual estabelece as formas para quitação de despesas eleitorais a partir dos recursos existentes nas contas de campanha:

Resolução TSE n. 23.607/19

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ da beneficiária ou do beneficiário;

III - débito em conta;(Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

IV - cartão de débito da conta bancária; ou (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

V - PIX, somente se a chave utilizada for o CPF ou o CNPJ. (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

V – Pix( Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024).

 

E não é sem razão que a legislação de regência assim determina.

A transparência exigida à contabilidade dos candidatos só é alcançada quando o percurso das verbas públicas e privadas resta documentado de modo fidedigno nos autos, permitindo a fiscalização da Justiça Eleitoral e, ao cabo, da própria sociedade, de modo que a realização de pagamento em espécie impõe o reconhecimento da irregularidade no gasto de R$ 850,00 realizado à margem da forma prescrita. Admitir tal procedimento apenas ao recorrente consubstanciaria injustiça, inclusive, com os demais candidatos às mesmas eleições em que ele concorrera, pois se trata de norma a todos imposta.

No que concerne à despesa de R$ 1.050,00, o parecer técnico apontou um pagamento para o Informativo Regional Empresa Jornalística no valor de R$ 1.050,00, em 11.11.2020, e o reingresso do valor em 25.11.2020, tendo como contraparte a mesma empresa. As operações estão registradas na conta n. 207225, agência 490, do Banco do Brasil.

Por seu turno, o recorrente alega que, quanto ao comprovante de depósito do valor de R$ 1.050,00, tal pagamento foi realizado ao Informativo Regional.

Com efeito, verifico na outra conta do candidato (conta 206466, agência 490, do Banco do Brasil) a compensação do cheque n. 85007, em 12.11.2020, em benefício da empresa em questão. Contudo, na mesma conta bancária há o registro do ingresso de R$ 1.050,00 (mesmo valor) sem indicação de contraparte, a configurar recebimento de recurso de origem não identificada – e nisto repousa a irregularidade, devido à ausência de qualquer esclarecimento por parte do prestador quanto à autoria do referido depósito. Seria necessário, aqui, complementação documental apta a indicar a contraparte, ônus do qual o recorrente não se desincumbiu.

Assim, mantém-se, igualmente, a irregularidade no valor de R$ 1.050,00.

2. Transferência de recursos da conta FEFC  para a conta Outros Recursos.

Ainda, a sentença julgou irregular a transferência de R$ 130,00 de recursos do FEFC para a conta de Outros Recursos, pois utilizados para fim diverso do estipulado pela legislação de regência.

Observo que a conta de campanha eleitoral denominada Outros Recursos se destina ao trânsito de doações privadas, enquanto a conta FEFC é específica para o trânsito das verbas públicas, de modo que a operação trouxe mescla irregular de valores e contraria, especialmente, o art. 9º, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 9º Na hipótese de repasse de recursos oriundos do Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os partidos políticos e os candidatos devem abrir contas bancárias distintas e específicas para o registro da movimentação financeira desses recursos.

(...)

§ 2º É vedada a transferência de recursos entre contas cujas fontes possuam naturezas distintas.

Em sede de recurso, o candidato não se insurgiu contra a irregularidade, apenas alegou tratar-se de valor ínfimo que não pode causar tamanho prejuízo ao recorrente.

Argumento de inviável aceitação. As prestações de contas consistem em demandas de caráter judicial que objetivam, sobretudo, esclarecer de forma objetiva a totalidade de receitas e despesas manejadas, no caso, por candidatos a cargos eletivos. Nenhum valor, outrossim, há de ser desprezado como ínfimo de maneira objetiva - pode, eventualmente, ser submetido a juízo de valoração mediante ponderações de razoabilidade e proporcionalidade apenas para a emissão de aprovação, aprovação com ressalvas ou desaprovação.

Mas jamais, repito, desprezados objetivamente.

Ademais, a determinação de abertura de conta bancária específica para a movimentação de recursos oriundos do FEFC tem por escopo viabilizar o controle da destinação desses valores públicos, impedindo confusão com recursos de origem privada recebidos por agremiações e candidatos, até mesmo porque as irregularidades relativas às verbas públicas recebem tratamento diverso daquelas oriundas de doações privadas, mais rigoroso, incluindo o recolhimento ao Tesouro Nacional.

A despeito de o valor ser irrisório, R$ 130,00, sublinho não ser o único apontamento a dar azo à desaprovação.

Nessa linha de raciocínio, sem elementos a corroborar as alegações recursais, impõe-se a manutenção da sentença quanto ao julgamento das irregularidades.

3. Recolhimento. Tesouro Nacional.

A decisão hostilizada determinou o recolhimento

de R$ 1.900,00 (hum mil e novecentos reais), ao Tesouro Nacional, referente a omissão do registro de receitas conforme a legislação eleitoral e de R$ 130,00 (centro e trinta reais) recolhidos ao FEFC, por utilização em fim diverso ao estipulado na legislação, perfazendo o montante de R$ 2.030,00 (dois mil trinta reais)

Contudo, nos termos do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, a totalidade dos valores deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, dada a natureza das irregularidades praticadas.

4. Parcelamento.

O pedido de parcelamento encaminhado no recurso é matéria a ser analisada por ocasião da execução da sentença na instância originária, sob pena de supressão de instância.

5. Conclusão.

Por fim, destaco que a irregularidade é percentualmente expressiva, representando 32,39%, do total arrecadado (R$ 6.220,01), e seu valor absoluto é bem superior ao parâmetro de R$ 1.064,10 estabelecido no art. 43, caput, e referido no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, utilizado por este Tribunal como autorizador da aplicação do postulado da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso e, de ofício, determinar o recolhimento da totalidade do valor de R$ 2.030,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.