REl - 0600002-90.2024.6.21.0096 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/08/2024 às 14:00

VOTO

 

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de um dia, conforme estabelece o art. 22 da Resolução TSE n. 23.608/19. Ademais, encontram-se presentes todos os demais pressupostos processuais, de forma que a irresignação está a merecer conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto pela RÁDIO GUARAMANO LTDA., contra sentença do Juízo Eleitoral da 96ª Zona – sediada no município de Guarani das Missões/RS, que julgou procedente a representação formulada pela FEDERAÇÃO PSDB-CIDADANIA contra a recorrente, em vista de alegada divulgação de pesquisa de opinião sem o prévio registro junto à Justiça Eleitoral. Houve a condenação ao pagamento de sanção pecuniária no valor de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil duzentos e cinco reais, ID 45662227).

Colegas, este tipo de situação é recorrente. Em que pese se trate de uma das mais pesadas multas existentes na legislação de regência eleitoral (a multa, no caso concreto, fora aplicada em seu patamar mínimo), amiúde esta Corte (bem como os juízos de origem) deparam-se com circunstâncias que devem ser julgadas com olhos na redação do art. 33 da Lei n. 9.504/97  - Lei das Eleições:

Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:

(…) 

§3º A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações de que trata este artigo sujeita os responsáveis a multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR. (grifei)

 

No campo regulamentar, a Resolução TSE n. 23.600/19 dispõe de forma minudente sobre pesquisas eleitorais, e obriga - no § 1º de seu art. 7º -  seja indicado o número de identificação da pesquisa por ocasião da divulgação (conforme se verá, tal circunstância é crucial para o presente julgamento):

Art. 7º Efetivado o registro, será emitido recibo eletrônico, que conterá:

I - resumo das informações;

II - número de identificação da pesquisa.

§ 1º O número de identificação de que trata o inciso II deverá constar da divulgação e da publicação dos resultados da pesquisa. (Grifei)

 

Destaco que não são razões meramente burocráticas as que estabelecem o registro prévio da pesquisa junto à Justiça Eleitoral e a cominação de, repito, pesada multa por desatenção à legislação de regência. 

As pesquisas eleitorais possuem inegável influência junto ao eleitorado - especialmente em tempo de redes sociais - e possuem grande poder de interferência no processo eleitoral. Desse modo,  para garantir que este instrumento não se torne uma potente ferramenta de manipulação da vontade do eleitorado, é que se impõe a estrita atenção aos regramentos próprios - como dito, bastante minudentes e descritivos. Note-se: nem as regras legais, tampouco as regulamentares, substanciam comandos complexos, demandantes de sofisticação interpretativa. Ao contrário, elas traduzem a imposição de comportamentos simples e que, repito, já constam há algum tempo na realidade dos períodos eleitorais.

No caso concreto, a recorrente se insurge contra a sentença que julgou procedente a representação proposta em razão de divulgação de pesquisa sem o registro devido, em programa de rádio veiculado em 04.01.2024, em comentário realizado pelo radialista Marco Aurélio Fontela, conforme a transcrição que segue:

E saiu agora uma pesquisa oficial, de uma fonte oficial também, Adilson, disso que eu tive o acesso. Eu só não vou divulgar o nome dos dois candidatos que apareceram como os preferidos para as eleições deste ano. Foi realizada uma pesquisa, aqui em Guarani das Missões, pesquisa séria, registrada. E se na última eleição, por exemplo, o Jeronimo venceu o Bertil por 7% de diferença, a primeira pesquisa que sai agora entre dois candidatos, que seria um candidato de situação e outro de oposição, não passa dos 5% a diferença, mostra que a divisão aumentou ainda mais nesses últimos quatro anos aqui no município de Guarani das Missões

Será que essa divisão, Adilson, ela vai continuar ou teremos aí um nome apaziguador que vai unir o Guarani das Missões e colocá-la no caminho do desenvolvimento econômico local e tantas outras questões importantes ou ainda vai continuar essa divisão? São 7% de diferença do Jeronimo para o Bertil na última eleição, e agora uma pesquisa que foi encomendada, fonte séria aqui que me passou inclusive, a diferença diminuiu do candidato A para o candidato B, de cerca de 7% para 3%/4%. Um candidato da situação, outro da oposição, foi colocado a pesquisa, não vou dizer quem está em primeiro e quem está em segundo, mas a diferença se era de 7% entre o resultado da eleição entre o Jeronimo e o Bertil nessa pesquisa, candidato A, candidato B, diferença caiu de 7 (%) para 4%, o que mostra uma divisão maior, politicamente falando na nossa cidade nos últimos 4 anos. (Grifei.)

 

A recorrente, RÁDIO GUARAMANO LTDA, sustenta que os comunicadores realizaram debate concernente ao cenário político do município, limitando-se a comentar a diminuição do percentual de preferência entre os  concorrentes, candidatos da situação e da oposição. Aponta, como ausente, veiculação de dados que configure divulgação de pesquisa eleitoral, como nomes de pré-candidatos, percentuais respectivos, cenários estimulados e/ou margem de erro. Aduz que a jurisprudência pátria é unânime em destacar que a divulgação de eventual sondagem desacompanhada de dados técnicos não equivale à pesquisa eleitoral propriamente dita, ainda que faça a alusão a suposta “pesquisa”. Alega que a publicação não tem o potencial de influenciar no cenário eleitoral, e está abrigada constitucionalmente pelo direito à liberdade de expressão. Argumenta não haver, nos autos, comprovação de que os comentários são falsos. Aponta jurisprudência que entende como paradigmática. 

Adianto que não assiste razão à recorrente. Houve a prática de irregularidade de forma estampada e a sentença é , em um termo, impecável.

Inicialmente, destaco que o fato ocorrera em 04.01.2024 - dentro, portanto, do período regulado para a divulgação de pesquisas eleitorais, nos termos do art. 2º da Resolução TSE n. 23.600/19:

Art. 2º A partir de 1º de janeiro do ano da eleição, as entidades e as empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou às candidatas e aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, no Sistema de Registro de Pesquisas Eleitorais (PesqEle), até 5 (cinco) dias antes da divulgação, as seguintes informações (Lei nº 9.504/1997, art. 33, caput, I a VII e § 1º)

Ademais, friso que o diligente cartório eleitoral certificou (e juntou aos autos) o resultado da consulta efetivada no Sistema de Registro de Pesquisas Eleitorais (pesqEle), informando inexistência de pesquisas registradas junto ao TSE para o município de Guarani das Missões, no período de 01.01.2024 a 29.01.2024.

Ainda assim, fora proferida fala - bastante enfática, conforme é possível aferir pela oitiva das gravações: "saiu agora uma pesquisa oficial, de uma fonte oficial também e Foi realizada uma pesquisa, aqui em Guarani das Missões, pesquisa séria, registrada".

Ora, a informação dada passou aos ouvintes/eleitores a falsa ideia de que havia sido realizada uma pesquisa "oficial", "registrada" e "séria" (portanto, detentora de credibilidade), sem que tivesse havido registro algum.

Colho trecho das razões de recurso:

Não há, como se percebe, qualquer tipo de dado, na fala do comunicador MARCO, que possa configurá-la como pesquisa eleitoral do corrente ano (Pleito Municipal de 2024), ou seja, lhe falta o rigor técnico e científico para que seja considerada pesquisa eleitoral.

Inviável.

Nesse ponto é que reside, precisamente, a prática de irregularidade: a tentativa de conferir credibilidade "oficial, técnica e séria" a algo sem qualquer rigor técnico ou científico. Aliás,  nas eleições de 2020, o município de Guarani das Missões contou somente com duas candidaturas: MDB (candidato Jerônimo Jaskulski, 2.653 votos) e PDT (Bertil Bolívar Nilsson, 2.331 votos), exatamente os dois candidatos citados na programação da recorrente, donde se extrai a nítida tentativa e influência no cenário eleitoral de cidade que conta com menos de 6.000 eleitores.

Ou seja, ao inferir que a primeira pesquisa que sai agora entre dois candidatos, que seria um candidato de situação e outro de oposição, não passa dos 5% a diferença e, ainda, não vou dizer quem está em primeiro e quem está em segundo, mas a diferença se era de 7% entre o resultado da eleição entre o Jeronimo e o Bertil nessa pesquisa, candidato A, candidato B, diferença caiu de 7 (%) para 4%, o radialista está divulgando dados que teriam sido extraídos de suposta pesquisa (oficial, registrada e séria) e delimitando os concorrentes conforme a eleição anterior, ainda que tenha alegadamente omitido os nomes dos destinatários das intenções de voto. 

Resta evidente, portanto, a divulgação de diferença percentual entre concorrentes ao pleito de 2024, atribuída à suposta pesquisa realizada no município.

No concernente ao argumento de que falta o rigor técnico e científico para que seja considerada pesquisa eleitoral à fala do comunicador, sublinho que a partir de 23.12.2021 a Resolução TSE n. 23.676/21 acrescentou o § 1º-A ao art. 23 da Resolução TSE n. 23.600/19:

Art. 23. (…)

§ 1º-A A enquete que seja apresentada à população como pesquisa eleitoral será reconhecida como pesquisa de opinião pública sem registro na Justiça Eleitoral, sem prejuízo do que dispõe o caput do art. 23. (Incluído pela Resolução nº 23.676/2021)

 

Em consequência, a inovação encerrou a possibilidade de descaracterização de divulgação de dados como divulgação de pesquisa, quanto, expressamente, for indicado tratar-se de pesquisa - nítido caso dos autos.

Aliás, no presente ponto se mostra necessário realizar o devido distinguishing, toda a jurisprudência invocada pela recorrente é anterior à apontada alteração legislativa, de modo que os precedentes apontados não podem ser tidos como paradigmáticos ao caso posto. São inaplicáveis, tendo em vista a modificação do esquadro normativo.

Assim, resta claro que houve a infração ao art. 33, § 3º, da Lei n. 9.504/97, visto que o conteúdo foi divulgado a título de pesquisa eleitoral. Transcrevo excerto do entendimento da d. Procuradoria Regional Eleitoral, e o tomo expressamente como razões de decidir, com o fito de evitar desnecessária repetição de termos:

Cumpre salientar, ainda, que eventual ausência de indicação de dados técnicos, margem de erro, nível de confiança, método de pesquisa e amostragem, entre outros, não afasta a característica de pesquisa eleitoral irregular, pois a norma tem o objetivo de tutelar a autenticidade das informações e a moralidade das eleições, resguardando o eleitor. A totalidade dos elementos descritos no art. 33 da Lei nº 9.504/97 são relativos apenas ao registro, não havendo a necessidade da coexistência deles para configurar uma pesquisa.

Destarte, a sentença não merece reparos. É certo que a sanção pecuniária é de razoável importância, mas se trata de escolha do legislador, e a decisão recorrida fixou-a no patamar mínimo legal.

 

Diante do exposto, VOTO para negar provimento do recurso interposto, nos termos da fundamentação.