REl - 0600025-55.2023.6.21.0004 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/08/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a contabilidade relativa ao exercício de 2022 do Diretório Municipal do PARTIDO LIBERAL (PL) de Selbach/RS foi desaprovada, sendo-lhe imposto o recolhimento de R$ 1.300,00 ao Tesouro Nacional e a suspensão do recebimento de recursos do Fundo Partidário por 4 (quatro) meses, em face do aporte na conta bancária destinada à movimentação de “Outros Recursos” de depósito em dinheiro.

Sobre o tema, o art. 8º da Resolução TSE n. 23.604/19, que assim prescreve:

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual ou distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e da respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (art. 39, § 1º, da Lei nº 9.096/95).

(…).

§ 3º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

(…).

§ 10. As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas, até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito, ou, se não for possível identificá-lo, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 14 desta resolução.

 

No caso concreto, constatou-se a realização de um depósito em espécie, efetuado no dia 08.7.2022, no valor de R$ 1.300,00, na conta n. 06.014380.0-9, do Banrisul, de natureza “Contribuições de Filiados – Outros Recursos” (ID 45593227).

Em suas razões recursais, a agremiação alega que demonstrou, por meio do extrato bancário da conta partidária, que o doador “foi o Senhor Clovis Bourscheid, CPF n. 324.905.340-68”.

De fato, o extrato bancário da conta do Banrisul do Partido Liberal de Selbach registra o CPF 324.905.340-68 ao lado do depósito em dinheiro, no valor de R$ 1.300,00, efetuado em 08.7.2022 (ID 45593309).

Ocorre que, em razão da quantia creditada superior a R$ 1.064,10, a operação somente poderia ser realizada “mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal”, nos exatos termos do art. 8º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

Embora o depósito tenha sido realizado com a anotação do CPF do doador, é firme o posicionamento do TSE no sentido de que se trata de ato meramente declaratório prestado à instituição bancária, de modo que “a realização de depósitos identificados por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário” (TSE, Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060035966, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE de 17.10.2023).

Na mesma linha, colaciono julgados deste Tribunal Regional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2021. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. DOAÇÕES EM ESPÉCIE MEDIANTE DEPÓSITO BANCÁRIO. VALOR SUPERIOR AO PARÂMETRO LEGAL. COMPROMETIMENTO SUBSTANCIAL DA CONTABILIDADE. IRREGULARIDADE QUE REPRESENTA 100% DA RECEITA OBTIDA. MANTIDA A APLICAÇÃO DA SANÇÃO DE MULTA DE 20% E A SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO ATÉ QUE O VALOR IRREGULAR SEJA RECOLHIDO. DESPROVIMENTO. [...]. 2. Recebimento de doações em valor superior a R$ 1.064,10, mediante depósito bancário. Contrariado o disposto no § 3º do art. 8º da Resolução TSE n. 23.604/19, que exige seja feita a doação por transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal. No caso, constam dois valores, via depósitos em espécie, os quais, ainda que relatados em análise preliminar, remanescem, diante da insuficiente argumentação do partido. Existência de mácula quanto ao aporte de recursos de origem não identificada na conta da agremiação. Dever de recolhimento da integralidade do valor irregular ao Tesouro Nacional. Comprometida substancialmente a contabilidade. 3. O escopo da norma é possibilitar o cruzamento de informações com o Sistema Financeiro Nacional, de modo a permitir que a fonte declarada seja confirmada por meio dos mecanismos técnicos de controle da Justiça Eleitoral. Ainda que os depósitos tenham sido realizados com a anotação do CPF dos supostos doadores, é firme o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o mero depósito identificado é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato. [...]. 5. Provimento negado.

(TRE-RS; REl n. 060002781, Acórdão, Relator: Des. Nilton Tavares Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 25/04/2024.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. RECEBIMENTO DE VERBAS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DEPÓSITO EM ESPÉCIE SUPERIOR AO LIMITE LEGAL. APLICAÇÃO IRREGULAR DO FUNDO PARTIDÁRIO. DEPÓSITOS REALIZADOS A DIRETÓRIOS MUNICIPAIS QUE CUMPRIAM SUSPENSÃO. IRREGULARIDADE. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL EM RAZÃO DA POSSIBILIDADE DE APENAMENTO DUPLICADO. PAGAMENTO DE MULTA, JUROS E/OU ENCARGOS COM RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. VEDAÇÃO EXPRESSA DO ART. 17, § 2º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.604/19. AUSÊNCIA DE APLICAÇÃO MÍNIMA NA CRIAÇÃO E MANUTENÇÃO DE PROGRAMAS DE PROMOÇÃO E DIFUSÃO DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES. CONDENAÇÃO AFASTADA. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 117/22. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas de diretório estadual de partido político, referente ao exercício financeiro do ano de 2020. 2. Recebimento de verbas de origem não identificadas. Assinalado ingresso do recurso por meio de depósito em espécie. Apesar de o número de CPF do depositante ter sido identificado, a forma na qual o numerário foi recebido é diversa daquela prevista na legislação. O art. 8º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.604/19 determina que os depósitos de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 devem obrigatoriamente ser realizados mediante transferência eletrônica ou cheque cruzado nominal. Assim, os valores percebidos em descompasso com os preceitos normativos não podem ser utilizados e devem ser devolvidos à origem até o último dia do mês subsequente à efetivação do crédito, caso seja possível identificá-lo. Se utilizado, o valor deve ser considerado como recurso de origem não identificada (RONI) e recolhido ao Tesouro Nacional, conforme estipulado no art. 8º, § 10, da Resolução em voga. […]. 6. Aprovação com ressalvas. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS; PC-PP n. 060011461, Acórdão, Des. Afif Jorge Simoes Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 01/09/2023.) (Grifei.)

 

Logo, está configurada a irregularidade em razão da doação efetuada por meio diverso do prescrito da norma, ainda que identificado o CPF do suposto depositante. Em decorrência, as quantias “devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional”, conforme preceituam os arts. 8º, § 10º, e 14, caput, da Resolução TSE n. 23.604/19.

No que tange à pretensão de aprovação as contas com ressalvas, com base na pequena expressão do valor irregular, a jurisprudência considera inexpressivo o montante que não ultrapassar, (a) em termos absolutos, o mesmo valor de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos); ou (b) em termos relativos, o percentual de 10% (dez por cento) do total de recursos arrecadados (REspEl - Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060166587 - SÃO LUÍS/MA, Acórdão de 12.11.2020, relator Min. Edson Fachin, DJ-e 20.11.2020).

Na hipótese, a irregularidade alcança a quantia de R$ 1.300,00; que representa 100% do total de recursos movimentados no exercício, inviabilizando a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para que a falha seja considerada pouco relevante no conjunto das contas, impondo a sua desaprovação.

Em relação à suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, prevista no art. 46, inc. II, da Resolução TSE n. 23.604/19, a sentença aplicou a penalidade pelo período de 4 (quatro) meses.

Nesse ponto, cabe prestigiar a interpretação conferida ao dispositivo pelo TSE e adotada por este TRE no sentido de que "incidem os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na hipótese da sanção prevista no art. 36, inc. II da Lei n. 9.096/95, especialmente com base na repercussão das falhas no conjunto das contas" (TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 3804, Acórdão, Relator Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 142, Data: 03.8.2021).

Assim, considerando a proporcionalidade entre os recursos de origem irregular e o montante total arrecadado, bem como “a necessidade de compatibilizar a sanção com a sobrevivência econômica do Diretório” (TRE-RS - RE: 0000011-52, Relator: Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, DEJERS de 26.11.2018), a sentença não merece qualquer reparo quanto à fixação da sanção.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.