HCCrim - 0600232-32.2024.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/08/2024 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

Cuida-se, em síntese, de habeas corpus contra ato da autoridade tida como coatora, a Desembargadora Eleitoral Patrícia da Silveira Oliveira, que negou seguimento a um primeiro habeas corpus, o qual já possuía como paciente ÁLVARO MATA LARA.

Transcrevo trecho das informações prestadas pela d. Magistrada:

"(...)

Ofertada a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, foi reconhecida pelo então Relator do feito a competência originária deste Tribunal para exercer a supervisão judicial do presente procedimento apuratório em razão do foro por prerrogativa de função de Divaldo Vieira Lara, Prefeito de Bagé, e deferidos em parte os requerimentos de busca e apreensão e quebra de sigilo, por decisão datada de 24.05.2023 (ID 45637897 e ID 45637898). A seguir, o inquérito policial passou a tramitar neste Tribunal tendo como investigados, dentre outros, Álvaro Mata Lara, Divaldo Vieira Lara, Manuela Jacques Souza, Bruna de Pereira Coutinho, Priscila Fischer Lara, Amarílio Augusto Sturza Dutra (ID 45488646 e ID 45491837). Cumpridos os mandados expedidos, foram presos em flagrante, em 02.05.2024, Manuela Jacques Souza (ID 45636271) e Amarílio Augusto Sturza Dutra (ID 45636397). Na forma regimental, o expediente foi redistribuído à minha relatoria em razão da vacância do cargo de Desembargador Eleitoral de Jurista 1, e pela decisão do ID 45636272, homologuei a prisão em flagrante de Manuela Jacques Souza - indiciada pela autoridade policial -, concedi-lhe liberdade provisória e fixei-lhe as medidas cautelares pessoais de suspensão do exercício da função pública e de proibição de comparecimento ao Centro Administrativo Municipal de Bagé. Depois do cumprimento de mandados de prisão e de busca e apreensão, e da concessão de liberdade provisória (LibProv n. 0600144- 91.2024.6.21.0000, LibProv n. 0600145-76.2024.6.21.0000, PBACrim n. 0600107-64.2024.6.21.0000, PBACrim n. 0600086-25.2023.6.21.0000), foi certificado que os arquivos eletrônicos apreendidos no cumprimento dos mandados expedidos nos autos do Pedido de Busca e Apreensão Criminal n. 0600086-25.2023.6.21.0000 ainda se encontram em fase de extração e perícia técnica, sendo que a “demora é devido à quantidade de dados e velocidade da rede” (ID 45618457), e que “tão logo sejam concluídos os trabalhos periciais de extração dos dados, será informado o juízo” (ID 45625099 do PBACrim n. 0600086-25.2023.6.21.0000).

Ouvida a Procuradoria Regional Eleitoral, afastei as alegações apresentadas por Divaldo Vieira Lara (ID 45636037 e ID 45636854) e por Priscila Fischer Lara (ID 45637638) quanto às teses de: a) desnecessidade de expedição de mandados de busca e apreensão e irregularidades no seu cumprimento; b) instauração da investigação e expedição de mandados de busca e apreensão com fundamento em denúncia anônima; c) falta de justa causa e de finalidade eleitoral; d) ilicitude das provas coletadas; e) incompetência da Justiça Eleitoral; f) excesso de prazo na tramitação do inquérito policial e fixação de prazo para seu encerramento.

Na mesma decisão, indeferi o pedido de trancamento e arquivamento da apuração, consignei que a notícia sobre infrações disciplinares eventualmente praticadas na condução das investigações devem ser encaminhadas pelos próprios interessados à Corregedoria da Polícia Federal, e determinei o envio de cópia do feito ao Ministério Público Federal com atribuição perante a Justiça Federal de primeiro grau no que se refere à representação por abuso do poder de autoridade (ID 45637628).

No ID 45638838 foi juntado aos autos o habeas corpus HC n. 0600167-37.2024.6.21.0000 impetrado em favor de Manuela Jacques Souza, com apontamento do delegado federal que preside o inquérito policial como autoridade coatora e apresentação dos pedidos de: a) revogação das medidas cautelares impostas a paciente; b) trancamento e arquivamento da investigação por ausência de justa causa; c) excesso de prazo na tramitação do inquérito policial; d) nulidade da prova coligida; e) atipicidade da conduta e inexistência de indícios de autoria e materialidade delitivas.

Distribuído o feito a minha relatoria, neguei seguimento à impetração".

 

Ou seja, inicialmente pontuo que julgo como inegável o acerto da decisão que negou seguimento ao primeiro habeas corpus, pois as decisões contra as quais se insurgem os impetrantes foram exaradas pela d. Desa. El. Patrícia da Silveira Oliveira em momento do inquérito no qual já constam decisões proferidas pela referida magistrada.

Sigo.

Quanto ao mérito do habeas corpus, os impetrantes visam ao "imediato trancamento e arquivamento do procedimento", por ausência de justa causa e, para tanto, aduzem resumidamente que:

1. o presente inquérito tem gênese na prestação de contas do exercício financeiro de 2017 do PTB de Bagé, apresentada à Justiça Eleitoral em 2018, época em que o paciente ÁLVARO não compunha o quadro de filiados da referida agremiação, ou sequer exercia atividade política. ÁLVARO é advogado militante na Comarca de Bagé, com atuação nas áreas de direito privado e de direito público;

2. a investigação não é complexa o suficiente para justificar o estado inicial de inércia estatal na averiguação dos fatos e na obtenção de supostas provas, tendo ocorrido um "congelamento" até a data de 16.10.2021, quando fora reiniciada em decorrência de um "suposto novo conteúdo probatório", sem que, até o momento, tenha havido conclusões objetivas, com prorrogações de prazos e diligências que infringem o devido processo legal e a celeridade processual, em marcha eterna que macula a honra dos investigados, e que o paciente já fora investigado em duas operações da Polícia Federal, com a apreensão de honorários advocatícios recebidos legalmente e escritório alvo de diligências;

3. é característico dos partidos políticos receber contribuições financeiras de seus filiados, conforme autorização legal, norma também estabelecida no Estatuto do PTB, tratando-se, portanto, de fato atípico, previsto na legislação eleitoral;

4. o inquérito fora instaurado com base em depoimentos e documentos unilaterais, produzidos por “pseudo” colaboradores, e a autoridade policial deixara de colacionar “incontáveis” depoimentos que dão conta do desconhecimento de qualquer prática delitiva na Prefeitura Municipal de Bagé;

5. em matéria penal, a prova deve ser robusta para efetivar a condenação do acusado. Havendo dúvida, por menor que seja, não se pode dar guarida a um desfecho condenatório;

6. um único depoimento (Mateus) faz menção ao paciente, em depoimento confuso, desconexo, disléxico e até paranoico, com circunstâncias de que a testemunha nominada teria sido coagida a declarar, e a conduta que poderá ser configurada como incursa no delito de abuso de autoridade.

À análise.

Inicialmente, convém ressalvar a grande semelhança entre o presente habeas corpus e aquele julgado recentemente, em 23.7.2024, por este Tribunal, o HC n. 0600171-74.2024.6.21.0000, paciente Manuela Jacques Souza – processo que, informa o sistema de andamento processual, encontra-se com recurso interposto perante o e. Tribunal Superior Eleitoral.

Naquela ocasião, a decisão desta Corte resultou na seguinte ementa:

HABEAS CORPUS. PEDIDO LIMINAR INDEFERIDO. AGRAVO INTERNO NÃO CONHECIDO. NEGADO SEGUIMENTO AO PRIMEIRO HABEAS CORPUS. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO E ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. INCLUSÃO EM NOMINATA DE INVESTIGADOS. CASO DE ALTA COMPLEXIDADE. PERMANÊNCIA DE JUSTA CAUSA DA INVESTIGAÇÃO. DENEGAÇÃO DA ORDEM.

1. Habeas corpus contra ato de autoridade tida como coatora, Desembargadora deste Tribunal, que negou seguimento a um primeiro habeas corpus, no qual figurava a mesma paciente. Pedido liminar indeferido.

2. Agravo interno. A jurisprudência dos tribunais superiores é majoritária no sentido de ser incabível a interposição de agravo interno (ou agravo regimental) em oposição à decisão que indefere pedido de concessão de medida liminar. Ademais, o agravo interno encontra-se esvaziado do binômio necessidade-utilidade, de forma que não há interesse recursal. Não conhecido.

3. Acertada a decisão que negou seguimento ao primeiro habeas corpus, pois as decisões contra as quais se insurgem os impetrantes foram exaradas pela Desembargadora em momento do inquérito no qual já constavam decisões suas, inclusive a decretação da prisão preventiva.

4. Habeas corpus que objetiva o imediato trancamento e arquivamento de inquérito policial, sob a alegação de ausência de justa causa. Tentativa de antecipação de conclusões de mérito de uma eventual ação penal, como se a investigada fosse, em verdade, ré já condenada. Incidência do princípio in dubio pro societate, uma vez que se está a aferir que pessoas sofrerão a persecução penal. A inclusão em nominata de investigados configura situação desagradável e incômoda, mas não pode ser alegada para trancamento de inquérito policial, uma vez que o esclarecimento de fatos tidos como criminosos está muito além, e muito acima, de tais circunstâncias. Ademais, o caso guarda alta complexidade, pois envolve diversos agentes e vítimas (não apenas o Estado). O inquérito policial tem em seu bojo medidas devidamente fundamentadas, proporcionais e adequadas ao atual momento do expediente investigativo. Permanência de justa causa da investigação.

5. Denegação do habeas corpus. Não conhecimento do agravo interno.

 

Repito que os fatos investigados guardam estreita correlação – Manuela e Álvaro são companheiros. Como exemplos, cito o cumprimento do mandado de busca realizado no estacionamento do Centro Administrativo de Bagé, ocasião em que o automóvel utilizado por Manuela era de propriedade de Álvaro. O ora paciente compareceu ao local e somente permitiu acesso ao bem após a chegada do representante da Ordem dos Advogados do Brasil, quando foram apreendidos R$ 35.997,00 (trinta e cinco mil novecentos e noventa e sete reais) no interior do veículo, bem como o mandado de busca em relação à residência de Manuela, evento em que foram encontrados R$ 23.104,00 (vinte e três mil cento e quatro reais), conforme a autoridade policial, “esparsos pelo quarto do casal e pelo escritório/sala de videogame”, e mais de 900 (novecentas) folhas relativas à contabilidade do Partido Trabalhista Brasileiro e relação de servidores comissionados do município, dentre outros documentos.

Ou seja, nota-se a indissociabilidade fática, não sendo possível, ao menos em sede de habeas corpus para trancamento de inquérito policial, o “recorte” de investigação pretendido pelo paciente. Ainda que exerça a nobre atividade da advocacia – aliás, também por isso – o paciente deve também se submeter à investigação posta em marcha, até que as circunstâncias sejam devidamente elucidadas.

Ora, compulsando os autos, percebe-se a complexidade do referido inquérito, o qual envolve um número significativo de investigados, perícias datiloscópicas, documentais, em aparelhos de telefonia celular e outras tantas, as quais demandam tempo para a sua correta e segura efetivação. Nessa linha de circunstâncias, há precedentes dos tribunais superiores no sentido de que se tratando de investigado solto, “(...) o prazo para conclusão do inquérito policial é impróprio, sendo possível sua prorrogação se a complexidade das investigações o exigir” (STJ - AgRg no RHC: 155947 DF 2021/0340730-3, Data de Julgamento: 09.8.2022, 5ª Turma, Data de Publicação: DJe 15.8.2022).

E, no plano normativo regulamentar, esta Corte tem comando que se alinha a tal entendimento. Conforme dispõe o art. 3º da Portaria Conjunta P-CRE n. 4/19 do TRE-RS, “Cabe ao MPE o acompanhamento da investigação dos fatos e a requisição de diligências à autoridade policial, assim como a análise acerca dos pedidos de dilação de prazo investigatório”.

Como referido, há pendências - diligências e perícias sobre os bens apreendidos, de modo que qualquer conclusão sobre este específico ponto se mostra açodada. Inegavelmente, a pretensão de trancamento do inquérito por este argumento demanda, ainda, maior solidez.

De igual modo, não vejo razão para acolher o pedido de trancamento do inquérito com base na atipicidade da conduta e falta de justa causa para o prosseguimento da persecução criminal. Ressalto que o procedimento se encontra na fase investigativa, momento processual no qual impera o princípio do in dubio pro societate, atribuindo relevo à preservação do interesse público na elucidação dos fatos, e como referido pela e. Desembargadora Eleitoral Patrícia da Silveira Oliveira “as provas apresentadas pela autoridade policial, incluindo depoimentos de testemunhas, documentos e relatórios, demonstraram indícios de cometimento de esquema de ‘rachadinha’ enquanto uma prática sistemática e generalizada na Prefeitura Municipal de Bagé, envolvendo vários indivíduos, incluindo funcionários públicos e membros do partido político.”

Lembro, aqui, que o inquérito penal é procedimento administrativo. Com o recebimento da denúncia, há a judicialização. Todavia, as garantias constitucionais são de observação obrigatória.

Para o trancamento do inquérito, em sede de liminar, deve vir demonstrada uma ilegalidade flagrante. Ou demonstração extreme de dúvidas da inviabilidade ou abuso de autoridade na investigação.

Considerações sobre falta de justa causa, sem provas concretas e de plano, não podem ser fundamento para o trancamento do inquérito policial. Este é justamente para apuração dos fatos. Não tem carga condenatória em si. Só ilegalidade configurada é que pode impedir o andamento do procedimento investigatório. Assim não sendo, impõe-se sua continuidade.

Não se pode descurar que, nesta fase do inquérito, trabalha-se com indícios que, sendo suficientes, vão ensejar o recebimento da ação penal.

Quanto ao prazo e sua superação, importa analisar, se a autoridade vem requerendo a sua prorrogação, e se as razões vêm regularmente sendo acolhidas pelo juízo. A dilação do prazo deve ser deferida, se necessária e imprescindível.

O prazo para o encerramento do inquérito policial não é taxativo. A complexidade das investigações deve ser considerada. Sem dúvida, no caso, em sede de liminar, é manifesta a complexidade. A demora não é desarrazoada. Sabe-se que diligências e outros efeitos também afetam e levam ao atraso. Não se vislumbra desídia ou culpa atribuível à autoridade. 

Ao contrário, após as informações prestadas pela Desa. Eleitoral Patrícia da Silveira Oliveira, bem como o posicionamento externado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, tenho firme a convicção de necessidade de denegação do presente habeas corpus.

A aguerrida impetração fundou-se, conforme foi possível aferir, em alegações compreensíveis sob a posição do investigado, mas, forma predominante, o que se nota é a tentativa de antecipação de conclusões de mérito acerca de uma eventual ação penal, como se o investigado fosse, em verdade, réu. Os impetrantes vindicam, por exemplo, o princípio in dubio pro reo, quando sabidamente não é tal postulado que prepondera no presente momento, mas sim o princípio in dubio pro societade, pois aqui se está a aferir, afinal de contas, que pessoas sofrerão a persecução penal.

É certo que a inclusão em nominata de investigados há de configurar situação desagradável, incômoda. Todavia, tais dissabores não podem ser trazidos como alegação para trancamento de inquérito policial, sobremodo quando a eles são agregadas hipotéticas "condenações morais". O esclarecimento de fatos tidos como criminosos está muito além, e muito acima, de tais circunstâncias. Levado a efeito o raciocínio dos impetrantes, nesse tópico, todo e qualquer investigado teria motivos de "mácula à honra" para vindicar o trancamento de inquérito policial.

Sob outro viés, transcrevo trecho do parecer ministerial, ID 45660695:

“Por certo, poder-se-iam enumerar diversos outros indícios de autoria delitiva dos prováveis membros da organização criminosa, incluído ÁLVARO – como a prisão em flagrante de AMARÍLIO AUGUSTO STURZA DUTRA – que, ao sair da Câmara de Vereadores portando uma pasta com dinheiro, afirmou que se tratava de contribuição partidária a ser entregue a MANU (ID 45636369 do IP) (...)”

Ou seja, salta aos olhos um inafastável paradoxo argumentativo trazido pelas alegações de impetração: há frequentes e contundentes apontamentos de excesso de prazo, pouca celeridade e ausência de objetividade nas diligências. 

Contudo, há contundentes fatos recentes, situações que demonstram progresso nas investigações. Ademais, e conforme bem asseverado no parecer ofertado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, o caso guarda alta complexidade, pois envolve diversos agentes e vítimas (não apenas o Estado), de forma que salta aos olhos a permanência de justa causa da investigação.

Trago, a título de desfecho, ingrediente que também considero relevante para a denegação do presente habeas corpus, qual seja, o exercício da supervisão de parte deste Tribunal Regional Eleitoral, que retornou ao assento originário. 

Vale dizer, a atuação da Exma. Desa. El. Patrícia da Silveira Oliveira (magistrada titular do assento "Jurista 2") ocorrera sob condição peculiar, substitutiva, durou cerca de 50 dias e fora derivada da vacância do assento "Jurista 1", ocupada pelo então Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo até o dia 30.4.2024. Atualmente, ocupa o assento o Exmo. Des. El. Francisco Thomaz Telles, empossado aos 21.6.2024 e que, inclusive, já supervisiona aqueles trabalhos investigativos.

Dessa forma, obviamente sem que sejam desrespeitados direitos e garantias fundamentais, e com prestígio à razoabilidade na duração, o inquérito policial tem em seu bojo medidas devidamente fundamentadas, proporcionais e adequadas ao atual momento do expediente investigativo.

Diante do exposto, VOTO pela denegação do habeas corpus impetrado por Eduardo Fuchs Filho e Luisie Krusser Silveira em favor do paciente ÁLVARO MATA LARA.