PCE - 0603391-51.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/08/2024 00:00 a 15/08/2024 23:59

VOTO

Trata-se da prestação de contas apresentada por MIGUEL FERNANDO DE MATTOS MEDINA JUNIOR, candidato não-eleito ao cargo de deputado estadual pelo Movimento Democrático Brasileiro - MDB, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

Efetuado o exame técnico, a Secretaria de Auditoria Interna do TRE-RS identificou irregularidades não sanadas pelo candidato (ID 45523579) envolvendo a utilização de recursos de origem não identificada e a aplicação irregular de recursos do FEFC, no total de R$ 61.255,62.

Passo à análise.

 

1. Dos Recursos de Origem Não Identificada

No item 3.1 do parecer conclusivo, o órgão técnico indicou a permanência da falha envolvendo despesa eleitoral não declarada pelo candidato, para a qual houve a emissão de nota fiscal eletrônica para o CNPJ de campanha: NFE n. 705, de ARTE CRIADA EIRELI, no valor de R$ 1.440,00, em 21.09.2022.

Em sua defesa, o prestador de contas asseverou: “ao que se refere a NF 705, da empresa ARTE RECRIADA EIRELI, a mesma foi paga em espécie pelo candidato. Contudo, para comprovar que o requerente cumpriu com seus deveres, anexa-se recibo de pagamento (RECIBO ARTE RECRIADA) firmado pela empresa em questão” (ID 45519504), acostando aos autos a referida nota fiscal e recibo particular de pagamento (ID 45519508).

Embora tenha sido emitido recibo e haja nota fiscal referente à despesa, o pagamento não foi originalmente declarado nas contas, e os recursos empregados não transitaram pela conta bancária de campanha, conforme consulta aos extratos bancários eletrônicos, de modo que não é possível constatar a origem da receita.

Nos termos do art. 32, § 1º, inc. VI, o manejo de recursos que não provenham das contas específicas de campanha caracterizam a utilização de recursos de origem não identificada, os quais devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

[...].

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

 

Ainda nesse sentido, destaco o seguinte julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. VEREADORA. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. SAQUE ELETRÔNICO DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. CONFIABILIDADE CONTÁBIL. MACULADA. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. RECOLHIMENTO DOS VALORES AO TESOURO NACIONAL. VALOR NOMINAL DAS IRREGULARIDADES. DIMINUTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO. PROVIMENTO PARCIAL. (...). 2. Detectadas 07 (sete) notas fiscais emitidas contra o CNPJ de campanha, sem que os recursos para quitação da despesa tenham transitado pelas contas bancárias da candidata, indicando omissão de gasto eleitoral. Os gastos não contabilizados afrontam o art. 53, inc. I, als. “g” e “i”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Nesse trilhar, a Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil. 3. As despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de modo paralelo à contabilidade formal da candidata, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19. (...). (TRE-RS - RE: 06006545520206210094 IRAÍ/RS 060065455, Relator: DES. FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Data de Julgamento: 03/02/2022.) (Grifei.)

Assim, a quantia de R$ 1.440,00 deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, na forma prescrita pelo art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

2. Da Comprovação de Gastos com Recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC)

No parecer conclusivo, o examinador técnico indicou a persistência de falhas relatadas no item 4.1.1 do relatório de exame de contas, referentes a extenso rol de gastos com pessoas físicas em relação aos quais “foram apresentados recibos de pagamento, todavia não possuem a integralidade dos detalhes previstos no §12 do art. 35 da Resolução TSE 23607/2019, tais como locais de trabalho, horas trabalhadas, especificação das atividades executadas e justificativa do preço contratado”, bem como outro conjunto de despesas com pessoas físicas sobre as quais não foram apresentados nenhum documento comprobatório sequer (ID 45523579, fl. 8).

Em suas manifestações apresentadas após a emissão do parecer conclusivo, o prestador de contas apresentou recibos de pagamentos relacionados ao segundo grupo de gastos (IDs 45519521, 45531474 e 45534663), agregando aos autos também uma planilha com informações a respeito das funções, atividades e abrangência espacial das contratações com pessoal (ID 45531473).

Contudo, não houve a apresentação de nota fiscal, contrato ou documentos equivalentes.

Ocorre que a comprovação dos gastos eleitorais "deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das (os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço", nos termos do art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

A citada norma regulamentar possibilita, ainda, a admissão, por esta Justiça Especializada, de quaisquer outros meios idôneos de provas das despesas eleitorais, desde que veiculem as informações essenciais acerca da contratação, in verbis:

Art. 60. (...).

[...].

§ 1º Além do documento fiscal idôneo, a que se refere o caput, a Justiça Eleitoral poderá admitir, para fins de comprovação de gastos, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I - contrato;

II - comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço;

III - comprovante bancário de pagamento; ou

IV - Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social (GFIP).

§ 2º Quando dispensada a emissão de documento fiscal, na forma da legislação aplicável, a comprovação da despesa pode ser realizada por meio de recibo que contenha a data de emissão, a descrição e o valor da operação ou prestação, a identificação da destinatária ou do destinatário e da(o) emitente pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ, endereço e assinatura da prestadora ou do prestador de serviços.

§ 3º A Justiça Eleitoral poderá exigir a apresentação de elementos probatórios adicionais que comprovem a entrega dos produtos contratados ou a efetiva prestação dos serviços declarados.

[…].

§ 8º A comprovação dos gastos eleitorais com material de campanha impresso deve indicar no corpo do documento fiscal as dimensões do material produzido.

Importa destacar que o art. 35, § 12, do mesmo diploma normativo impõe, no tocante às despesas com pessoal de campanha, que os documentos comprobatórios contenham diversos detalhamentos, para permitir à Justiça Eleitoral aferir a regularidade do gasto, nos seguintes termos:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[…].

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

No caso em exame, o candidato instruiu suas contas tão somente com recibos de pagamento, os quais, isoladamente, não têm aptidão para demonstrar a regularidade dos gastos, notadamente ante o uso de recursos públicos, não havendo instrumentos contratuais mínimos, indispensáveis para evidenciar a higidez das contratações de pessoas físicas para atividades de militância.

Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados:

ESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO NÃO ELEITO. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. UTILIZAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DO FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS FISCAIS COMPROBATÓRIOS DE GASTOS COM FORNECEDOR. FALHAS NOS COMPROVANTES DE GASTOS COM PESSOAL. MILITÂNCIA. DOCUMENTO FISCAL SEM A DESCRIÇÃO ADEQUADA DO OBJETO CONTRATUAL. FALHAS PARCIALMENTE SANADAS. IRREGULARIDADES QUE REPRESENTAM ELEVADO VALOR E PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

   2. Aplicação irregular de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. [...]. 2.2. Falhas nos comprovantes de gastos com pessoal. Inconsistências referentes a atividades de militância e mobilização de rua. Pagamento bancário ao fornecedor dos serviços, mediante PIX, cuja chave é o número de CPF do beneficiário. Documento bancário sem o registro de quaisquer informações adicionais atinentes ao fato gerador do pagamento. Ainda que o art. 60, § 1º, da Resolução n. 23.607/19 admita “qualquer meio idôneo de prova” dos gastos, o mero comprovante bancário de pagamento, sem informações adicionais, não basta para comprovar dispêndio com pessoal, máxime quando o pagamento é efetuado com verbas públicas. Configurada a irregularidade no emprego de recursos do FEFC, impondo o recolhimento dos valores aos cofres públicos. [...].

3. A soma das falhas não superadas corresponde a 45,8% da receita total declarada pelo candidato, impondo-se a reprovação das contas, em razão do elevado valor manejado irregularmente.

4. Desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional. (TRE-RS; PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS n. 060292035, Acórdão, Des. Eleitoral CAETANO CUERVO LO PUMO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 07/08/2023.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATA. DEPUTADA ESTADUAL. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSO ORIUNDO DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. ATIVIDADE DE MILITÂNCIA E MOBILIZAÇÃO DE RUA. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS. IRREGULARIDADES DE NATUREZA GRAVE. ALTA REPRESENTATIVIDADE DA FALHA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Prestação de contas apresentada por candidata não eleita ao cargo de deputada estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022.

2. Existência de despesas contratadas, indicadas como “atividades de militância e mobilização de rua”, pagas com recursos de origem pública, sem a devida comprovação. Para além disso, os documentos estão incompletos, de modo que não satisfazem as exigências do art. 60, c/c o art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19. Logo, a contratação não restou devidamente comprovada.

[...].

5. Desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS; PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS n. 060328237, Acórdão, Des. Luiz Mello Guimaraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 05/02/2024.) (Grifei.)

 

Do mesmo modo, a planilha juntada aos autos não supre a ausência de notas fiscais ou de contratos, pois se trata de documento elaborado unilateralmente pelo prestador, sem indicação de data ou do responsável pela sua confecção, bem como sem a assinatura do contratante, dos contratados ou de qualquer pessoa.

Logo, a prova é inidônea à comprovação dos requisitos exigidos pelos arts. art. 35, § 12, e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo-se o reconhecimento da irregularidade, com o dever de recomposição da quantia correspondente ao Tesouro Nacional (R$ 59.815,62), na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

3. Do Julgamento das Contas

O valor total das irregularidades apuradas nos autos alcança R$ 61.255,62 [item 1 (RONI): R$ 1.440,00 + item 2 (não comprovação de gastos com FEFC): R$ 59.815,62], que representa 32,03% do montante arrecadado pelo candidato, o qual totalizou R$ 191.207,03, de maneira a inviabilizar a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como meio de atenuar a gravidade das máculas sobre o conjunto contábil, sendo, portanto, mandatória a desaprovação das contas.

Portanto, deve ser comandado ao prestador de contas o recolhimento do montante total de R$ 61.255,62 ao Tesouro Nacional, dos quais a quantia de R$ 1.444,00 refere-se ao uso de recursos de origem não identificada (art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19) e o montante de R$ 59.815,62 envolve a ausência de comprovação dos gastos com recursos do FEFC (art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela desaprovação das contas de MIGUEL FERNANDO DE MATTOS MEDINA JUNIOR, nos termos do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, determinando o recolhimento de R$ 61.255,62 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.