PCE - 0602973-16.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/08/2024 00:00 a 15/08/2024 23:59

VOTO

Ao analisar as contas, a unidade técnica aferiu duas falhas, nos valores de R$ 525,84 e de R$ 2.211,12, caracterizadas como recursos de origem não identificada.

Embora o parecer conclusivo tenha apontado que o total das falhas é de R$ 2.735,96, observo que a soma dos valores resulta no montante de R$ 2.736,96.

A primeira irregularidade refere-se à dívida de campanha na quantia de R$ 525,84, a qual foi declarada pela candidata quando da prestação de contas final, por meio do Demonstrativo de Despesas Efetuadas e Não Pagas do ID 45261745.

O procedimento foi corretamente considerado irregular, porque está desacompanhado dos documentos obrigatórios referentes à comprovação da assunção da dívida pelo partido político, ao acordo formalizado com os credores para a quitação do débito e ao cronograma de pagamento, em desconformidade com os §§ 2º e 3º do art. 34 e o art. 53, inc. II, al. “e”, todos da Resolução TSE n. 23.607/19 (itens 1.1, primeira parte, e 3.2 do exame preliminar e do parecer conclusivo, IDs 45414266 e 45459834).

O exame técnico apontou que, devido à falta de assunção da dívida pelo partido, a origem dos valores a serem utilizados para o pagamento da dívida não será passível de fiscalização pela Justiça Eleitoral por falta de trânsito nas contas bancárias mantidas pela legenda partidária, caracterizando-se como recebimento de recursos de origem não identificada, que devem ser recolhidos ao erário conforme art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

A Procuradoria Regional Eleitoral acompanhou em parte a conclusão técnica, apenas observando que não há dever de recolhimento do valor equivalente à dívida de campanha ao erário de acordo com o entendimento firmado na jurisprudência do TSE e desta Corte.

De fato, assiste razão ao órgão ministerial, pois o art. 34 da Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece que a dívida de campanha não quitada e não assumida pelo partido político pelo qual concorreu o candidato pode acarretar a desaprovação das contas, mas não prevê a imposição de outras sanções ou o dever de recolhimento do montante ao erário.

No julgamento da PCE n. 0602652-78.2022.6.21.0000, este Tribunal, por maioria, filiou-se ao entendimento de ser inviável a interpretação extensiva do art. 32 da norma para classificar a existência da dívida como futuro recebimento de recursos de origem não identificada, conforme acórdão do TSE no REspEl n. 0601205-46.2018.6.12.000, da relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, enquanto redator designado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO ELEITO. SEGUNDO SUPLENTE. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DE DESPESA. EXISTÊNCIA DE NOTAS FISCAIS CONTRA O NÚMERO DE CNPJ DE CAMPANHA. PRESUNÇÃO DE DESPESA ELEITORAL. INFRAÇÃO AO ART. 53, INC. I, AL. “G”, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DÍVIDAS DE CAMPANHA NÃO ASSUMIDAS PELO PARTIDO. INCABÍVEL A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NORMATIVA. BAIXO PERCENTUAL. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato, eleito 2º suplente ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022.

2. Omissão de gastos. Divergência entre as informações relativas às despesas lançadas da prestação de contas e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais. Falha que não se confunde com simples dívidas de campanha. Operações não registradas na contabilidade, apartando-se de verificações técnicas sobre a regularidade de seus objetos, idoneidade dos fornecedores, limites de gastos, dentre outros aspectos necessários para que se apure a higidez das contas. A emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa eleitoral, conforme preceitua o art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. Infração ao disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação dos gastos de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando os recursos como de origem não identificada. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

3. Identificada dívida de campanha não assumida pelo partido político. Falha reconhecida. Informado que a agremiação partidária indeferiu o pedido de assunção de dívidas, consoante resposta juntada aos autos, razão pela qual o prestador pugna pela autorização para que proceda à quitação com recursos próprios. Todavia, o pedido deduzido não encontra amparo na legislação de regência. Caracterizada a irregularidade por descumprimento do art. 33, §§ 1º a 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez que as despesas não foram integralmente quitadas até o prazo de entrega das contas e as dívidas remanescentes não foram assumidas pelo partido político. Incabível o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, pois as dívidas de campanha consistem em categoria com regulamentação específica, que não prevê a restituição de valores em caso de infringência.

4. O total das irregularidades representa 4,64% do montante de recursos recebidos, autorizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

5. Aprovação com ressalvas, com esteio no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, PCE n. 0602652-78.2022.6.21.0000, Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, publicado julgado em 9.12.2022).

 

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, não há “respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse” (REspEl n. 0601205–46/MS, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 08.02.2022, DJe de 30.3.2022).

Esse posicionamento foi adotado neste Tribunal para as eleições de 2022, consoante julgamentos da PCE n. 0602777-46.2022.6.21.0000, Relatora Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, DJe de 14.12.2022; PCE n. 0603265-98.2022.6.21.0000, Relator Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, DJe de 16.12.2022; PCE n. 0602861-47.2022.6.21.0000, Relatora Desembargadora Eleitoral Elaine Maria Canto da Fonseca, DJe de 13.12.2022; PCE n. 0602936-86.2022.6.21.0000, Relatora Desembargadora Eleitoral Kalin Cogo Rodrigues, DJe de 15.12.2022; PCE n. 0603217-42.2022.6.21.0000, Relator Desembargador Federal Luís Alberto D`Azevedo Aurvalle, DJe de 11.12.2022.

Portanto, acompanho a Procuradoria Regional Eleitoral no sentido de que é irregular a classificação da quantia de R$ 525,84 como dívida de campanha, por falta dos documentos necessários à validade do procedimento, e deixo de determinar o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional por falta de previsão legal.

A segunda falha relaciona-se à irregularidade no valor de R$ 2.211,12, relativa à emissão de 13 (treze) notas fiscais contra o CNPJ da candidatura, as quais não foram declaradas e cujos pagamentos não transitaram nas contas de campanha (item 3.1 do exame preliminar e do parecer conclusivo, IDs 45414266 e 45459834):

Como se vê, segundo a unidade técnica, as notas fiscais de gastos não declarados revelam a existência de recursos de origem não identificada, os quais devem ser recolhidos ao erário, nos termos do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez que demonstram o recebimento de valores fora das contas bancárias da candidatura para custear despesas contraídas durante a campanha.

Intimada do exame preliminar, a candidata voluntariamente retificou suas contas, incluindo como dívidas de campanha as notas glosadas no item 3.1, conforme demonstrativo do ID 45417862, e alegou que “Por um lapso os apontados gastos não foram registrados às contas em análise, o que segue devidamente corrigido através da retificação das contas em apreço” (ID 45417442, p. 04).

Verifica-se que a tese de que as notas fiscais não declaradas não foram custeadas com recursos ocultados da Justiça Eleitoral, devendo ser compreendidas como despesas não quitadas, foi igualmente desacompanhada dos requisitos essenciais de validade da dívida de campanha já referidos, prescritos no art. 33, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, consistentes na assunção da dívida pelo partido, no acordo firmado com os credores e no cronograma de pagamentos.

E essa nova classificação contábil não foi acolhida, tendo o parecer conclusivo consignado que a retificação das contas foi realizada de modo irregular e inválido, em desacordo com o que prevê o art. 71 da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez que as contas foram retificadas sem determinação para que o procedimento fosse efetuado.

Além disso, o órgão técnico apontou ser inviável o recebimento da nova conciliação de despesas para entender como dívida as notas fiscais não declaradas nas contas, sobretudo porque “o ajuste das informações declaradas no SPCE se deu após o apontamento realizado pelo órgão técnico em relação à possível utilização de recursos que não transitaram pela conta bancária”. Transcrevo a manifestação técnica:

No caso, a candidata alterou a prestação de contas inserindo a integralidade das despesas omitidas a fim de aumentar o saldo líquido negativo, registrando que os referidos valores seriam despesas de campanha não pagas, o que se mostra inconsistente, com base na aplicação dos procedimentos técnicos de exame e na análise dos extratos bancários eletrônicos disponibilizados pelo TSE.

Com efeito, a percepção de receitas e a realização de despesas no âmbito da campanha eleitoral tem como regra o trânsito dos valores pelas contas bancárias especificamente abertas para tal fim, isso para que a origem e a aplicação dos recursos sejam identificadas, sob pena de desaprovação, nos termos do art. 14 da Resolução TSE n. 23.607/2019:

Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou da candidata ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

§1º Se comprovado o abuso do poder econômico por candidata ou candidato, será cancelado o registro da sua candidatura ou cassado o seu diploma, se já houver sido outorgado (Lei n. 9.504/1997, art. 22, § 3º).

§2º O disposto no caput também se aplica à arrecadação de recursos para campanha eleitoral os quais não transitem pelas contas específicas previstas nesta Resolução.

Assim, por não comprovação da origem dos recursos utilizados na campanha, considera-se irregular o montante de R$ 2.735,96 (R$ 2.211,12 ref. item 3.1 e R$ 525,84 ref. item 3.2), passível de recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme o art. 14 e o art. 32 da Resolução TSE 23.607/2019.

 

No mesmo sentido, a Procuradoria Regional Eleitoral considerou que a declaração de novas dívidas não deve ser aceita, pois somente depois do apontamento da irregularidade a candidata retificou as contas para incluir as despesas como dívidas de campanha, estando acertado o parecer conclusivo.

Realmente, a circunstância de a prestadora apresentar contas omitindo despesas localizadas a partir de notas fiscais, no total de R$ 2.211,12, encontradas pelo exame técnico a partir dos convênios firmados entre a Justiça Eleitoral e os órgãos fazendários, reclassificando os gastos como dívidas, sem, contudo, trazer aos autos os documentos obrigatórios para a validade da caracterização das despesas como dívidas, não tem força suficiente para afastar a conclusão de recebimento de recursos de origem não identificada.

Nesse caso, não é possível adotar a conclusão quanto à primeira falha, pois as dívidas de R$ 525,84 foram declaradas antes da realização do exame técnico das contas.

Portanto, a quantia de R$ 2.211,12 deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, conforme art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Desse modo, as irregularidades representam R$ 2.735,96 (dois mil, setecentos e trinta e cinco reais e noventa e seis centavos), equivalentes a 10,7% dos recursos recebidos pela candidata em sua campanha (R$ 25.571,14), e extrapolam os parâmetros, fixados na jurisprudência desta Justiça Especializada, de aplicação dos princípios de razoabilidade e de proporcionalidade para formar juízo de aprovação com ressalvas da contabilidade (superior a 10% da arrecadação financeira e acima de R$ 1.064,10).

Em face do exposto, VOTO pela desaprovação das contas de JANE MARY CENI, na forma do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e determino o recolhimento de R$ 2.211,12 ao Tesouro Nacional, relativos ao recebimento de recursos de origem não identificada, nos termos da fundamentação.

Com o trânsito em julgado, anotações de estilo e satisfação de obrigações, arquivem-se os autos com baixa na instância pertinente.