PCE - 0603240-85.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/08/2024 00:00 a 15/08/2024 23:59

VOTO

Trata-se de prestação de contas apresentada por GISLAINE DE FÁTIMA SCHMIDT PRATE PIRES, candidata não eleita ao cargo de deputada federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições de 2022.

Examinadas as contas, o órgão técnico apontou irregularidades no recebimento e utilização de recursos de origem não identificada, na monta de R$ 10.690,00; e ausência de comprovação de despesas pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), relativas a contratações de serviços de militância e publicidade por materiais impressos, no total de R$ 92.990,00.

Passo a análise.

1. Dos Recursos de Origem Não Identificada

O órgão técnico, mediante confronto com duas notas fiscais eletrônicas, emitidas em nome da candidata e disponibilizadas no sistema DivulgaCandContas, identificou despesas não declaradas na prestação de contas, na quantia de R$ 10.690,00:

Sobre o apontamento, a candidata alegou que (ID 45511982):

3.1 As notas fiscais eletrônicas Nº17430 e Nº17449 foram emitidas pela GRÁFICA E EDITORA RELÂMPAGO, sem o conhecimento da candidata. Efetivamente constaram 02 (duas) Notas Fiscais em relação à empresa: 17430 no valor de R$ 9.800,00 (nove mil e oitocentos reais) emitida em 26.09.2022, aparentemente omitida na prestação de contas, e outra no valor de R$ 17449 no valor de 890,00 (oitocentos e noventa reais) emitida em 27.09.2022. Ocorre que, referidas notas foram emitidas equivocadamente pela referida prestadora de serviço, não tendo sido realizada diligência do contador para aferir a emissão das notas. eis que as mesmas não foram apresentadas para pagamento. Temos pois que não houve omissão de registros financeiros no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral (SPCE - Cadastro), pois o fornecedor, de forma equivocada, emitiu as notas sem comunicar a candidata. Assim, não há de se falar em suposto “Recurso de Origem não Identificada” sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, uma vez que não foi utilizado qualquer valor advindo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha-FEFC .

 

Ocorre que esta Corte já assentou, a respeito de emissão de notas fiscais com a anotação alegadamente equivocada do CNPJ da campanha, que “o procedimento correto para regularizar a situação seria a candidata buscar o cancelamento das notas junto ao estabelecimento comercial, tal como dispõem os arts. 59 e 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19” (REl n. 0600485-67.2020.6.21.0062, Relator: Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, julgado em 23.9.2021), providência não demonstrada nos autos.

Assim, diante da constatação de gastos em cruzamento de informações pela Justiça Eleitoral, está caracterizada a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, que impõe que a prestação de contas deva ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, devidamente especificados.

Nessa linha, o TSE entende que “gastos não declarados que tenham sido informados por fornecedores por meio do Sistema de Registro de Informações Voluntárias, e/ou constem de notas fiscais oriundas das Secretarias das Fazendas Estaduais e Municipais, (...) constituem omissão de despesas” (TSE; Prestação de Contas n. 97795, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, DJE, Tomo 241, Data 16.12.2019, p. 73).

Além disso, as despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação dos gastos de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal da prestadora de contas, caracterizando o recurso como de origem não identificada.

Com o mesmo posicionamento, menciono o seguinte julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATA ELEITA. DEPUTADA ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. ATRASO NA ENTREGA DOS RELATÓRIOS FINANCEIROS. MERA IMPROPRIEDADE. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADAS ¿ RONI. NOTAS FISCAIS NÃO DECLARADAS. OMISSÃO DO REGISTRO DE DESPESA. INFRAÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 53, INC. I, AL. "G", DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. MONTANTE INSIGNIFICANTE. REGULARIDADE DAS CONTAS NÃO COMPROMETIDA. BAIXA REPRESENTATIVIDADE DAS FALHAS. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidata eleita ao cargo de deputada estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

[...]

3. Recursos de origem não identificada. Notas fiscais não declaradas relacionadas ao abastecimento de combustíveis. O DANFE não é, não substitui, e não se confunde com uma nota fiscal eletrônica. A existência de outras despesas contratadas com o mesmo fornecedor impede que se realize o batimento dos gastos para verificação de perfeita coincidência entre o valor das despesas e os pagamentos efetuados. A emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, nos termos do art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. Havendo o registro da transação comercial nos órgãos fazendários, o ônus de comprovar que o gasto eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma irregular é do prestador de contas, que deve laborar para o cancelamento da nota fiscal, conforme previsto nos arts. 59 e 92, §§ 5º e 6º, da Resolução mencionada. Os elementos constantes nos autos não são aptos a sanar as irregularidades relativas à duplicidade de emissão de registros por fornecedor de combustíveis. Caracterizada a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. "g", da Resolução TSE n. 23.607/19, que impõe que a prestação de contas deva ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, devidamente especificados.

4. As despesas resultantes das notas fiscais omitidas e cujo cancelamento não foi devidamente comprovado implicam sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação do gasto de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal da candidata. Caracterizados os recursos como de origem não identificada, cujo montante deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

5. A soma das falhas corresponde a 0,93% da receita declarada e se mostra insignificante diante dos valores totais geridos pela candidata em sua campanha eleitoral. Assim, como as incorreções não têm aptidão para comprometer a regularidade das contas, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, é caso de aprovação com ressalvas da contabilidade.

6. Aprovação com ressalvas. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

(PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS n. 060311180, Acórdão, Relator(a) Des. DES. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 12.12.2022.) Grifei.

 

Assim, está caracterizada a irregularidade, e a quantia de R$ 10.690,00 deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, na forma prescrita pelo art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

2. Das Inconsistências em Despesas de Pessoal Pagas com Recursos do FEFC

O órgão técnico registrou inconsistências nas despesas eleitorais com serviços de militância e mobilização de rua, adimplidas com recursos do FEFC, no montante de R$ 7.100,00, por ausência da integralidade dos detalhes exigidos no art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, envolvendo os seguintes contratos (ID 45617027):

Com efeito, em relação aos locais e horários de realização dos serviços, os instrumentos contratuais limitam-se a enunciar genericamente que “os serviços, quando não prestados em ambiente virtual, serão desempenhados nas localidades, nas datas e nos horários indicados pelo Contratante ou por seu(a) preposto(a) em ‘Lista de Presença em Ato de Campanha’, se houver”.

Entretanto, nenhum outro documento complementar está acostado aos autos, a exemplo de folhas de ponto ou listas de presenças, dentre outras provas cogitáveis, de modo que não há informações sobre os locais em que executados os serviços e tampouco sobre a carga horária observada pelos contratados.

Ao lado disso, todos os contratos referidos seguem um mesmo modelo nas previsões envolvendo o objeto e as obrigações dos contratados. Os documentos apenas se diferenciando na estipulação dos prazos de vigência e nos preços ajustados, havendo uma flagrante desproporção entre os valores diários ou semanais pagos a diferentes contratados pelo mesmo objeto.

O contrato com Natã Oliveira Flores fixa a remuneração de R$ 1.000,00 pelo período de 14.09.2022 até 02.10.22 (ID 45512513), resultando em uma média diária de R$ 55,00; que é o mesmo prazo consignado no contrato com Firmino Cesar Primon Soares, embora este último tenha metade da retribuição, acertada em R$ 500,00 (ID 45512571).

Por sua vez, Antônio Márcio Menezes contratado por um interstício ainda maior que os dois anteriores, de 09.09.22 até 02.10.22, teve a remuneração estabelecida em apenas R$ 600,00 (ID 45512512), ou seja, aproximadamente R$ 26,00 diários.

Já, o contrato com Dair Ferreira de Campos prevê o pagamento de R$ 15.000,00 pelo período de 19.08.22 a 02.10.22 (ID 45512551), perfazendo um valor diário médio de R$ 34,00.

Diante de tais inconsistências, os documentos apresentados não têm aptidão para comprovar e diferenciar as atividades desenvolvidas por cada um dos prestadores de serviços, bem como para justificar a diversidade de valores ajustados.

Em julgamentos sobre o tema em questão, este Tribunal já entendeu que a ausência dos requisitos do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, inclusive “da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço”, não tem o condão, por si só, de macular a regularidade das contas quando presentes outros elementos que permitam inferir tais informações, sem obstar a fiscalização da Justiça Eleitoral (PCE n. 060303034, Acórdão, Relator: Desembargador Voltaire de Lima Moraes, DJE de 10.7.2023).

Não é essa a situação dos autos, pois o conjunto documental apresentada é por demais genérico, lacônico e incongruente, impossibilitando que se tenham por especificadas as atividades executadas e jornadas trabalhadas, bem como que se conclua pela razoabilidade dos preços contratados.

Em razão da natureza pública da verba, o escrutínio contábil, neste ponto, exige redobrada atenção, a fim de permitir o controle da contratação e dos dispêndios com mão de obra, consoante enuncia o seguinte julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CARGO DE DEPUTADA FEDERAL. 3ª SUPLENTE. IMPROPRIEDADES. ABERTURA EXTEMPORÂNEA DE CONTA BANCÁRIA. NÃO APRESENTADOS OS EXTRATOS DAS CONTAS BANCÁRIAS. OMISSÃO DE GASTOS. NOTA FISCAL NÃO CANCELADA. ATUALIZAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO TSE NÃO APLICÁVEL À HIPÓTESE. NÃO COMPROVADOS GASTOS REALIZADOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). COMBUSTÍVEIS. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO. FACEBOOK. AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTO FISCAL IDÔNEO. DESPESAS COM PESSOAL. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

(...).

4. Ausência de documentação apta a comprovar gastos realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

4.4. Inobservância do § 12 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, referente às despesas com pessoal. Apresentados contratos firmados com os prestadores de serviço que revelam inconsistências que não podem ser superadas. Determinada a devolução do somatório irregular ao Tesouro Nacional (art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

(...).

6. Desaprovação. Determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

(TRE/RS; PCE n. 060237477, Relatora: Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, DJE de 16.12.2022) Grifei.

 

Destarte, em razão dessa impossibilidade de fiscalização sobre os contratos de prestação de serviço com pessoas físicas, está caracterizada a irregularidade por inobservância do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo-se a restituição dos recursos originados do FEFC ao Tesouro Nacional, consoante dispõe o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Do Julgamento das Contas

Em conclusão, as irregularidades identificadas alcançam a quantia de R$ 17.790,00 (item 1: R$ 10.690,00 + item 2: R$ 7.100,00), que representa apenas 3,06% do montante arrecadado pela candidata (R$ 581.200,00), permitindo a aprovação com ressalvas das contas, com determinação do recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO por aprovar com ressalvas as contas de GISLAINE DE FATIMA SCHMIDT PRATE PIRES, referentes às Eleições 2022, nos termos do art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo à candidata a determinação de recolhimento de R$ 17.790,00 ao Tesouro Nacional; sendo R$ 10.690,00 a título de utilização de recursos de origem não identificada (art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19) e R$ 7.100,00 por ausência de comprovação de gastos com recursos do FEFC (art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).