RecCrimEleit - 0600408-68.2020.6.21.0091 - Acompanho o(a) relator(a) - Sessão: 13/08/2024 às 14:00

VOTO DO REVISOR

Na condição de revisor, recebi os autos e examinei com atenção o brilhante voto apresentado pelo ilustre Relator, Desembargador Eleitoral Nilton Tavares da Silva, que, com a percuciência que lhe é característica, bem analisou a matéria.

Na presente revisão do feito, destaco, em especial, a alegação preliminar de nulidade por prejuízo na defesa técnica exercida pelo acusado, tal qual tratado no item 1.3 do voto do Relator. 

Na sequência me reportarei à dosimetria da pena aplicada, para, neste aspecto, também, me aliar ao ilustre Relator, o qual manteve as determinações do dispositivo da sentença.

É o que passo a fazer.

Porquanto ressai, o recorrente foi condenado, em sentença proferida pelo Juízo da 91ª Zona Eleitoral, à pena privativa de liberdade de 8 (oito) meses de detenção, substituída por prestação de serviços à comunidade à razão de uma hora por dia de condenação e ao pagamento de cinco dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos, por infringência ao art. 325, do Código Eleitoral, preceptivo que versa acerca do crime de difamação na propaganda eleitoral, assim dispondo:

“art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção de três meses a um ano, e pagamento de 5 a 30 dias-multa.

Parágrafo único. A exceção da verdade somente se admite se ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções”.

Em preliminar, assevera o recorrente ter sido prejudicado em razão de requerimento genérico de produção de provas apresentado por sua então defensora dativa, que não postulou o arrolamento de testemunhas nem a produção de prova pericial acerca da autoria do vídeo postado nas redes sociais, por meio do qual teria o recorrente cometido o crime de difamação eleitoral, previsto no suprarreferido art. 325 do Código Eleitoral, contra a então candidata a prefeita, Sandra Rejane Schilling Trentini, ensejando a denúncia do Ministério Público Eleitoral.  

Assim, não obstante a legitimidade da defesa do recorrente em pugnar pela reforma da decisão a fim de melhor atender seu constituinte, entendo, à luz dos fundamentos deduzidos no voto do eminente Relator, que, efetivamente, tal preliminar recursal não merece ser acolhida.

Ora, efetivamente, a nulidade no Processo Penal consiste em consectário aplicado pelo ordenamento jurídico a ato praticado em desrespeito a formalidades constitucionais ou legais, dentre elas, o pleno exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa.

Assinale-se, todavia, que o Código de Processo Penal, regulando a matéria, dispõe em seu art. 563 que “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa” e também, em seu art. 566, preconiza que “Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa”.

Assim, consequentemente, para que um processo venha a ser anulado em razão de falta ou deficiência de defesa técnica, necessária será a prova do efetivo prejuízo sofrido pela parte.

No caso em apreço, vislumbra-se que o réu foi regularmente assistido por advogada dativa na fase inicial do processo, tendo sido oportunizada e apresentada defesa técnica, não havendo que se falar, portanto, em nulidade processual, ainda que se possa admitir, não tenha o acusado contado com uma defesa mais detalhista, que viesse naquele momento a suscitar produção probatória específica, como oitiva de testemunhas, que eventualmente pudessem infirmar os argumentos postos em seu desfavor, ou a produção de laudo pericial, a fim de avaliar a autenticidade do vídeo em questão, não obstante se tratasse de faculdade a encargo da defesa, que poderia ou não requerer tais providências, conforme a estratégia processual adotada.

Destarte, frise-se, omissão dessa natureza, por si, não justifica o reconhecimento da nulidade do Processo, quanto mais, saliente-se, o próprio recorrente, em audiência, ao ser interrogado pela juíza em primeiro grau, confirmou a gravação do vídeo contendo alusões agressivas à honra da então candidata, realizado sob a forma de live em sua página pessoal do Facebook, onde utilizou-se de vocabulário chulo, grosseiro e obsceno para acusá-la de manter um relacionamento extraconjugal, tendo, inclusive dito que, caso as expressões utilizadas fossem dirigidas a sua filha, acharia ofensivo, e que por isso foi pedir desculpas às pessoas envolvidas.

De tal modo, a falta de prova testemunhal ou de confecção de laudo pericial ora reclamados não aparentam configurar dano ao exercício de defesa do recorrente, pois inconteste e incontroverso o fato de ser o acusado autor do vídeo difamatório veiculado por ele nas redes sociais.

Registre-se, no ponto, que o Supremo Tribunal Federal, em sua Súmula n. 523, assevera que “No processo penal a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.

Na mesma senda, da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, colaciona-se o seguinte acórdão:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. NULIDADE. DEFICIÊNCIA NA DEFESA TÉCNICA. RÉU DEVIDAMENTE ASSISTIDO POR ADVOGADO DATIVO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. SÚMULA 523/STF. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. 

“1. "A alegação de deficiência da defesa deve vir acompanhada de prova de inércia ou desídia do defensor, causadora de prejuízo concreto à regular defesa do réu" (RHC XXXXX/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe 25/2/2015), o que não se verifica no caso em exame. 

2. O agravante foi assistido por defensor dativo, que apresentou o memorial final que, embora sintético, trouxe duas teses essenciais para o exercício da defesa do agravante, consubstanciadas na negativa de autoria e na falta de enquadramento da conduta praticada com o crime imputado, não se verificando hipótese de ausência de defesa capaz de justificar a anulação do processo. 

3. Agravo regimental improvido”.

STJ – AgRg no HC 685313 PR 2021/024

Tecidas essas considerações acerca da improcedência da postulação revisional relativa à nulidade processual por deficiência de defesa técnica, passo a tratar sobre afirmações contidas no mérito das razões recursais, que reputo de grande gravidade.

Ocorre que o acusado, nestes autos, quanto ao mérito, alega que:

“as assertivas com origem no Réu fazem parte do jogo democrático. Aos eleitores deve ser dado o direito de conhecer as posturas morais do candidato. Se ele goza de boa reputação em sua cidade, os eleitores estão infensos em acreditar no que foi assacado e assim, tratar-se-ia de crime impossível. Se não, cabe ao candidato provar a falsidade, já que, quanto a candidatos, como diz o vulgo: ‘Não basta ser honesto, tem de provar que o é’ (...)”.

As manifestações lançadas pelo recorrente, acima transcritas, são inaceitáveis e profundamente desrespeitosas à figura feminina, não podendo passar despercebidas ao discorrermos sobre o caso

Obviamente, não assiste qualquer razão ao recorrente ao formular afirmações de tal monta, absolutamente desqualificadas e desprovidas de qualquer propósito minimante aceitável em um pleito eleitoral, a não ser o de ofender a honra e a dignidade de sua adversária política.

Por certo, a liberdade de expressão não é direito absoluto, não podendo ser exercida com irresponsabilidade e sem as preocupações que lhe devem ser decorrentes.

Tal qual observa o douto Procurador Regional Eleitoral “Fatos sobre a vida íntima da candidata, sem qualquer referência a sua eventual incompetência, ultrapassam os limites do questionamento político” (…) “No caso dos autos, restou demonstrado que Osmar fez, em relação à candidata Sandra, a descrição clara de um fato preciso, determinado e concreto que, no plano objetivo, revela-se infame e desonrado”.

A propósito, cabe trazer a lume recente julgamento do Supremo Tribunal Federal, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.107, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), julgada em 23 de maio de 2024, com relatoria da Ministra Cármen Lúcia.

Ao julgar a Ação, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, fixou, por unanimidade, a tese de que é inconstitucional a prática de desqualificar a mulher vítima de violência durante a instrução e o julgamento de crimes contra a dignidade sexual e também de demais crimes de violência contra a mulher, englobando também casos de violência doméstica e política, ficando vedada, então, eventual menção, inquirição ou fundamentação sobre a vida sexual pregressa ou ao modo de vida da vítima em audiências e decisões judiciais.

Neste sentido, reproduz-se:

“O Tribunal, por unanimidade, conheceu da arguição de descumprimento de preceito fundamental e julgou procedentes os pedidos formulados pela arguente para i) conferir interpretação conforme à Constituição à expressão elementos alheios aos fatos objeto de apuração posta no art. 400-A do Código de Processo Penal, para excluir a possibilidade de invocação, pelas partes ou procuradores, de elementos referentes à vivência sexual pregressa da vítima ou ao seu modo de vida em audiência de instrução e julgamento de crimes contra a dignidade sexual e de violência contra a mulher, sob pena de nulidade do ato ou do julgamento, nos termos dos arts. 563 a 573 do Código de Processo Penal; ii) vedar o reconhecimento da nulidade referida no item anterior na hipótese de a defesa invocar o modo de vida da vítima ou a questionar quanto a vivência sexual pregressa com essa finalidade, considerando a impossibilidade do acusado se beneficiar da própria torpeza; iii) conferir interpretação conforme ao art. 59 do Código Penal, para assentar ser vedado ao magistrado, na fixação da pena em crimes sexuais, valorar a vida sexual pregressa da vítima ou seu modo de vida; e iv) assentar ser dever do magistrado julgador atuar no sentido de impedir essa prática inconstitucional, sob pena de responsabilização civil, administrativa e penal. Por fim, determinou o encaminhamento do acórdão deste julgamento a todos os Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais do país, para que sejam adotadas as diretrizes determinadas nesta arguição. Tudo nos termos do voto da Relatora”.

No ponto, vale também ressaltar que a defesa da participação feminina na política conta, cada vez mais, com reconhecimento no ordenamento jurídico nacional, para tanto podendo ser referida a Lei n. 14.192/21, diploma que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher.

Práticas de agressão física, psicológica, econômica, simbólica ou sexual com viés de gênero acabam por impedir, dificultar ou limitar o acesso das mulheres aos espaços políticos e ao exercício de funções de Poder. O intuito da legislação é assegurar os direitos de participação política feminina e proteção contra discriminação e desigualdade de tratamento em comparação aos homens no acesso a cargos de representação política e no desempenho de funções públicas.

 Aproveito para rememorar a fala do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Luís Roberto Barroso, quando da solenidade de instalação do Comitê de Enfrentamento à Fraude à Cota de Gênero do TRE-RS, ocorrida recentemente, em 1º/07/24. Nas palavras do Ministro Barroso, "a história da condição feminina tem sido marcada por uma luta contínua contra a discriminação. A sub-representação feminina na política, não é apenas um reflexo da desigualdade de gênero, mas também contribui para perpetuar a sua continuidade".

Garantir que mulheres participem ativamente do processo eleitoral vai além da reserva de candidaturas e de recursos financeiros. É preciso romper com um ambiente marcado pela desigualdade, pela discriminação e pela violência em todas as suas variantes.

Na mesma senda, vale trazer a lume o “Guia Mulheres na Política”, lançado pelo Tribunal Superior Eleitoral, pela bancada feminina do Congresso Nacional, pela empresa Meta e pela organização Women’s Democracy Network (disponível em  https://www.tse.jus.br › comunicacao › noticias),

Destaco desse Guia a seguinte passagem:

“O direito das mulheres de viver uma vida política sem violência inclui:

a) Ser livre de todas as formas de discriminação no exercício de seus direitos políticos.

b) Ser livre dos padrões estereotípicos de comportamentos e de práticas políticas, sociais e culturais baseadas em conceitos de inferioridade”.

 

Outrossim, importa anotar que no Processo n. 0600410-38.2020.6210091, que também tramitou neste Tribunal Regional Eleitoral, igualmente sob a relatoria do eminente Desembargador Eleitoral Nilton Tavares da Silva, o recorrente foi condenado por injúria e difamação, nos termos dos arts. 325 e 326 do Código Eleitoral, tendo como uma das vítimas a mesma candidata por ele ofendida no caso dos presentes autos.

O Acórdão ficou assim ementado:

RECURSO CRIMINAL. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO PENAL ELEITORAL. DENÚNCIA PROCEDENTE. CONDENAÇÃO. PRELIMINARES AFASTADAS. PRESCRIÇÃO. NULIDADE POR AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA. MÉRITO. INJÚRIA ELEITORAL. ART. 326 DO CÓDIGO ELEITORAL. DIFAMAÇÃO ELEITORAL. ART. 325 DO CÓDIGO ELEITORAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DIREITO NÃO ABSOLUTO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

Na hipótese dos autos, concordando com o Ilustre Relator, tenho que não se mostra excessivo, desarrazoado ou desproporcional o aumento da reprimenda na primeira fase da dosimetria da pena aplicada pela magistrada. Ressalto que na exasperação da pena-base é admissível certa discricionariedade do órgão julgador, desde que vinculada a elementos concretos. Ressalto que o Relator, ao proceder a análise sobre cada vetorial valorada negativamente, se firmou em observância a elementos concretos, suficientes e idôneos que justificam, a meu ver, a necessidade de manutenção da pena-base em patamar superior.

Nesses termos, considerando os fundamentos jurisprudenciais e normativos em epígrafe, VOTO pela rejeição da preliminar arguida pela defesa do acusado, reconhecendo a alegada deficiência de defesa técnica, e, acompanhando o brilhante voto do Relator, no mérito, nego provimento ao recurso interposto por OSMAR FAGUNDES GARCIA, mantendo na íntegra, a sentença de primeiro grau.

É o voto.