RecCrimEleit - 0600408-68.2020.6.21.0091 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/08/2024 às 14:00

 VOTO

1. Preliminares

1.1 Da Admissibilidade

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

1.2. Da Inocorrência de prescrição

Inicialmente, sublinho inexistir prescrição a ser reconhecida.

Com efeito, conforme se extrai da sentença (ID 45539334), OSMAR FAGUNDES GARCIA, ora recorrente, foi condenado à pena de 8 (oito) meses de detenção pela prática do crime tipificado no art. 325 do Código Eleitoral.

Os fatos foram praticados durante o mês de outubro de 2020.

A denúncia foi recebida em 05.7.2022 (ID 45539247).

A sentença penal condenatória foi proferida e publicada em cartório em 16.5.2023 (ID 45539334).

Como se vê, não houve o decurso do prazo prescricional (2 anos) entre os marcos interruptivos (art. 117 do Código Penal), ou seja, entre o recebimento da denúncia, a data da publicação da sentença condenatória e a presente data. Mantem-se hígida, portanto, a pretensão persecutória estatal.
 

1.3. Da nulidade por ausência de defesa técnica

Em suas razões, o recorrente sustenta, “preliminarmente, mister assentar-se que ao contrário da lavra sentencial, o fato de não ter havido o requerimento de provas e laudo pericial no feito, trouxe prejuízo fundamental à defesa do Réu. Isso porque, embora a inexistência de previsão legal para a exceção da verdade, essa, num pleito eleitoral, é de fundamental importância”.

Embora com redação pouco clara e desprovida de melhor técnica, conclui-se que o recorrente está reiterando a preliminar de ausência de defesa técnica suscitada em fase de memoriais escritos (ID 45539331), na qual postulou o reconhecimento de nulidade processual em razão de requerimento genérico de produção de provas apresentada pela então defensora dativa, em sede de defesa preliminar, sem arrolar testemunhas ou requerer a produção de prova pericial para comprovar a autoria do vídeo pelo acusado e sua divulgação.

A prejudicial, entretanto, há de ser de plano rejeitada.

Com efeito, após ser pessoalmente citado quanto à designação de audiência para a data de 05 de julho de 2022 (ID 45539214), o recorrente informou ao cartório eleitoral que havia constituído advogado para a defesa de seus interesses processuais (certidão de ID 45539235). Contudo, considerando que até 04 de julho de 2022 não havia sido efetuada a juntada da procuração pelo defensor constituído, a juíza a quo nomeou a Dra. Yana Paula Both Voos (OAB/RS 117.296) como defensora dativa ao réu (ID 45539237).

A procuração do defensor constituído foi enviada ao cartório eleitoral, por meio impróprio (e-mail), somente no dia 05.7.2022 (ID 45539244), ou seja, na data em que realizada a audiência de instrução e julgamento. Além disso, na mesma oportunidade, o advogado apresentou pedido de adiamento da solenidade (ID 45539245).

Na solenidade a magistrada a quo indeferiu o pedido de adiamento do ato e, diante da ausência do advogado constituído, oportunizou à defensora dativa nomeada a apresentação de defesa prévia e, após, recebeu a denúncia (ID 45539247).

Portanto, o então réu e ora recorrente OSMAR FAGUNDES GARCIA foi regularmente assistido por advogada dativa na fase inicial do processo, tendo sido oportunizada e apresentada defesa pela então defensora nomeada, não havendo se falar em nulidade processual por ausência de defesa técnica.

Conforme muito bem pontuado pela douta Procuradoria Regional Eleitoral (manifestação de ID 45570729, fl. 5):

O recorrente estava devidamente amparado por advogado durante toda a instrução, não cabendo falar em nulidade por ausência de defesa técnica. Os pedidos de produção de provas e laudo pericial são prerrogativas da defesa, não sendo obrigatórios. Ademais, ao não apontar quais provas deveriam ter sido produzidas e o que elas apontariam, nem o motivo do laudo pericial ser necessário no caso, o recorrente não demonstrou a ocorrência de prejuízo.

 

Eventual discordância do atual defensor constituído pelo recorrente com a estratégia adotada pela defesa à época da audiência de instrução e julgamento não configura ausência e/ou deficiência de defesa, não havendo se cogitar em nulidade.

Em semelhante sentido, trago à colação lapidar precedente do egrégio STJ, que tem a seguinte ementa:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT ORIGINÁRIO PORQUE SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. NULIDADE POR DEFICIÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA. TESE NÃO APRECIADA PELA CORTE LOCAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE A SER SANADA DE OFÍCIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A Corte local não examinou a tese defensiva de que o Réu restou indefeso. Das razões recursais e do relatório do aresto impugnado, não se pode depreender que tal argumentação foi objeto de insurgência em sede de apelação, ao revés, dessume-se dos autos que a sentença condenatória transitou em julgado em primeira instância. Assim, mostra-se inviável a análise da matéria de forma originária por esta Corte Superior de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância. 2. E não há constrangimento ilegal pelo não conhecimento do writ originário, manejado como substitutivo de revisão criminal. De fato, a impetração de habeas corpus após o trânsito em julgado da condenação e com a finalidade de desconstituir sentença condenatória definitiva é indevida. 3. Sobretudo porque não se vislumbra a possibilidade de concessão de ordem de ofício, pois o Defensor Dativo apresentou resposta à acusação, compareceu a todos os atos processuais e apresentou alegações finais escritas. Apenas a ausência de defesa, ou situação a isso equiparável, com prejuízos demonstrados ao acusado, é apta a macular a prestação jurisdicional, conforme enunciado da Súmula n. 523 do Supremo Tribunal Federal. 4. Nesse contexto, não há falar em ofensa ao princípio da ampla defesa, pois foi assegurado ao Réu a imprescindível Defesa Técnica. A discordância do atual Defensor com os pleitos, teses e estratégias adotados ou não pelo Causídico anterior não caracteriza ausência/deficiência de defesa capaz de gerar nulidade processual. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC n. 176.203/RN, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 22.5.2023, DJe de 26.5.2023.) (Grifei.)

 

Ademais, em seu interrogatório, o recorrente confirmou ser o responsável por gravar o vídeo que instrui a peça inaugural acusatória, embora negue ter publicado no perfil do “Face Brique” de Crissiumal/RS, de forma que a ausência de perícia no material, de qualquer sorte, não acarretou qualquer prejuízo à defesa, uma vez que incontroversa a autoria da gravação.

Diante disso, voto pelo afastamento da preliminar suscitada.

 

2. Mérito

Superada a preliminar, passo subsequentemente ao exame dos aspectos meritórios do recurso  interposto por OSMAR FAGUNDES GARCIA em face da sentença proferida pelo Juízo da 91ª Zona Eleitoral que julgou procedente a denúncia para fins de condená-lo à pena privativa de liberdade de 8 (oito) meses de detenção e ao pagamento de 5 (cinco) dias-multa pela prática do crime do art. 325 do Código Eleitoral. A pena privativa de liberdade, como posto no relatório, restou substituída por restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços comunitários, pelo mesmo prazo, nos termos do art. 44 do Código Penal.

Conforme a denúncia apresentada pelo Ministério Público Eleitoral, durante a campanha para as Eleições Municipais de 2020, ao fazer propaganda eleitoral e para fins de propaganda eleitoral, o ora recorrente fez gravação de uma live no Facebook, na qual teria difamado a então candidata a prefeita Sandra Rejane Schilling Trentini, ao afirmar na gravação que ela matinha relacionamento extraconjugal com Alencar de Oliveira, configurando o crime do art. 325 do Código Eleitoral.

O fato foi assim descrito na denúncia:

1. Em meados de outubro do corrente ano, o denunciado acima qualificado, ao fazer propaganda eleitoral e visando fins de propaganda, veiculando declarações suas na rede social Facebook vídeo, difamou a candidata à prefeita municipal Sandra Rejane Schilling Trentini, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação, qual seja: a acusação de que mantém relacionamento extraconjugal com Alencar de Oliveira, com claro e inconteste intuito de denegrir a sua imagem, buscando efeitos eleitoreiros.

O vídeo anexo demonstra que o suspeito usa palavras de baixo calão para referir-se ao suposto relacionamento, denotando evidente intenção de ferir a reputação da vítima, conforme é possível aferir-se nos minutos 00:27:13 a 31:20, transcritos abaixo:

“[...] pensei, vou puxa a capivara desse tal de Alencar. Esse aí diz que é o amantão lá da Sandra lá, o comedor da Sandra diz que, candidata também né, só que isso ele não fala né também. É o 65, diz que é o machão da Sandra (risos). Alencar, mas você é um homem de sorte cara, meus parabéns, que a Sandra é bonitona, eu falo pra ti cara, até eu dava umas pegada nela também, porque imagina, óia o muierão que é e ainda cus pila, cu dinheiro, rãrã, até eu queria me encostar ali pra dar uma mamadinha. Ma não é verdade, meu povo? Imagina! Né seu Alencar, e aí? Vai casar ou só vai ficar enrolando a coitada da muié lá? Escreve aí embaixo aí pra eu ir lendo, pra eu ir contando po povo aí que tu tamém é um sem vergonha, ta enganado a muié encostado nela porque ela tem uns pila. Brincadeira. Olha, até isso rola na política, ocês tão vendo meu povo, comé que é? Os cara se encostam nas muié pa sugá o dinheiro das muié. Viu comé que é as coisa? E o que eu to falando, eu to falando aqui ó, pa vocês escutá memo. E daí querem trabaiá na política, querem sê ois santo de fazendô de milagre. Puis olha até o que eu descobri em Crissiumal hoje, que diz que o seu Alencar de Oliveira é o comedô da Sandra ó. [...] ô meu Deus do céu e o comentário corre rapaiz, ó, política eu vou dizer uma coisa pô cê, política é foda né. Mas meus parabéns viu ó, palmas pra você, queria pedir aí pros internauta bater palma pra você, você é um cara de sorte, arrumá, conseguí uma mulher que nem a Sandra, uma mulher que ta sempre batalhando, ela sonha sempre em tê mais capital, sempre em tê mais coisa boa, né, isso é muito bonito,ela querendo ou não a Sandra ela tem os lado bão dela, ela tem os lado bom,

Em outra parte da sua fala, após ofender a candidata Sandra, comprovando a intenção de produzir efeitos nas eleições municipais, o denunciado pede voto para o 40 (constantes nos minutos: 00:34:15 a 00:35:58):

"...mas não conseguiu me convencê a votá no 65, então também quero pedir os voto do 65, meu povo de Crissiumal que ta pensando, senhoras e senhores que tão tentando, me desculpem por eu ser meio grosso pra falar, mas se vocêis tão pensando em votá na Sandra, votá no 65, analisem, pare e pensem três vezes e vocêis votim no 40, porque o 40 até agora não tem rabo pros outros pisá em cima, né? [...] mas vocêis virem essa do Alencar? Essa do Alencar foi de tirá os butiá do borso né (risos) essa do Alencar essa foi foda, essa foi forte memo hein!

O fato ocorreu em meio ao curso da campanha eleitoral municipal do ano de 2020, em pleito no qual a vítima figura como candidata à prefeita, com o único intuito de denegrir-lhe a imagem e macular o seu patrimônio político e, ao fazê-lo, pede aos eleitores expectadores da transmissão de vídeo o voto para os candidatos (a prefeito e vice-prefeito) Magrão e Mumu, da legenda n. 40.

 

O art. 325 do Código Eleitoral prevê o chamado crime de “difamação eleitoral”, que consistente na conduta do agente que, na propaganda eleitoral ou para fins de propaganda, imputa fato ofensivo à reputação de outrem, atacando a honra objetiva do ofendido.

No caso em apreço, o fato ofensivo atribuído à vítima Sandra Rejane Schilling Trentini consiste na alegação de que ela mantinha relacionamento extraconjugal com Alencar de Oliveira.

Discorrendo sobre a figura típica, Rodrigo López Zilio assim preceitua:

A difamação eleitoral se configura com a imputação a alguém de um fato ofensivo à sua reputação. Esse fato não precisa ser criminoso e tampouco falso; basta que seja fato ofensivo à reputação do ofendido. Assim, se determinada pessoa imputa fato ofensivo à reputação de outrem comete o crime de difamação.

[...]

A ofensa, in casu, deve ser sopesada a partir das circunstâncias do caso concreto, sendo punível criminalmente apenas a conduta que extravasa a mera crítica pessoal, causando intencionalmente um prejuízo moral – ainda que mínimo – ao ofendido. No entanto, a consumação da difamação não exige a prova da repercussão social do fato, bastando a intenção de proferir ofensa que abale a reputação da vítima.

Para se configurar como crime de difamação eleitoral, necessário que o fato típico seja praticado “na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda” – conforme já analisado no art. 324 do CE. Como acentuado pelo TSE “em virtude do elemento normativo ‘visando a fins de propaganda’, constante do art. 325 do Código

Eleitoral, o crime de difamação pode ocorrer em contexto que não seja ato tipicamente de propaganda eleitoral” (REspe nº 36.671/SP – j. 27.05.2010 – DJe, p. 259-260). Assim, a elementar “visando a fins de propaganda” possibilita que a ocorrência do delito – desde que comprovada a finalidade ou o contexto eleitoral do ato praticado – seja desvinculada do período de campanha (até mesmo porque possível seja a ofensa direcionada a partido político ou candidato de fato). Da mesma sorte que o tipo penal do art. 324 do CE, a difamação somente se configura como crime eleitoral quando presente a finalidade eleitoral, ou seja, a intenção de a conduta ofensiva causar reflexo nas eleições. O autor do delito deve agir com dolo específico, ou seja, com a vontade efetiva de divulgar fato agressivo ou desonroso a reputação de outrem. (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 8ª Ed. - São Paulo: Editora Juspodvim, 2020. pgs. 1016-1018.) (Grifei.)

 

A autoria e a materialidade do crime descrito na denúncia restaram suficientemente comprovadas nos autos.

O vídeo produzido pelo recorrente (ID 45539060 a 45539065) e transmitido em sua rede social (Facebook) através de live não deixa dúvidas do animus diffamandi de OSMAR FAGUNDES GARCIA ao referir-se à candidata Sandra Rejane Schilling Trentini, utilizando-se de vocabulário chulo, grosseiro e obsceno para acusá-la de manter um relacionamento extraconjugal com Alencar.

Com efeito, ao realizar a live em sua página pessoal do Facebook, em vídeo aberto ao público e com nítido fim de propaganda eleitoral, no qual, inclusive, faz pedido explícito de voto em favor dos candidatos pertencentes ao Partido Socialista Brasileiro – PSB (“número 40”), o recorrente, visando atacar a honra objetiva de Sandra, em discurso inflamado e pejorativo, acusa-a de manter um relacionamento extraconjugal com Alencar, fazendo as seguintes afirmações: “vou puxar a capivara desse tal de Alencar. Esse aí, que diz que é o amantão lá Sandra, o comedor lá da Sandra (...) diz que é o machão da Sandra. Mas você é um home de sorte, cara, meus parabéns, porque a Sandra é bonitona. Falo pra ti que até eu dava umas pegadas nela, também, porque imagina, olha o mulherão que é, e ainda com os pila, com dinheiro, até eu queria me inconsta ali pra dá uma mamadinha (…) e o que eu tô falando, tô falando aqui, pra vocês escutar mesmo (…) pois olha até o que eu descobri em Crissiumal hoje, pois diz que seu Alencar de Oliveira é o comedor da Sandra (...) Meus parabéns, ó, queria pedir pros internautas bater palmas pra você, você é um cara de sorte, arrumar, conseguir uma mulher que nem a Sandra, uma mulher que tá sempre batalhando, ela sonha sempre em ter mais capital, sempre em ter mais coisa boa, né” (vídeo de ID 45539063).

Na sequência, no transcorrer da live, o recorrente fez as seguintes afirmações: “mas vocês viram essa do Alencar? Essa do Alencar foi de tirar os butiá do bolso, né (…) essa do Alencar, essa foi foda, hein?! Essa foi forte mesmo, hein?! Que tal o Alencar, comendo quietinho, né!. Mas viu, dá uma pisada na bola pra você vê, aqui o Fagundes não deixa nada (…) mas olha aí, agora ele (Alencar) se encostou na Prefeita de Crissiumal, na dona Sandra. Vamos ver, a Sandra vai fazer uma live pra esclarecer esse assunto aí, pra ver né, porque deve tá injetando dinheiro no cu de porco gordo, como diz o ditado, né!? Bueno, se a Sandra tava querendo quebrar, capital agora com o Alencar inconstado, agora vai, agora vai de bico (…) já tinha aquele negócio de que pegou carro de banqueiro ali pra fazer campanha política” (vídeo de ID 45539064).

As expressões utilizadas pelo recorrente ao gravar o vídeo, vulgares e chulas por excelência, evidenciam o elemento subjetivo do tipo penal, qual seja, a vontade livre e consciente em atacar a honra da então candidata Sandra Rejane Schilling Trentini, no intuito de desacreditá-la perante os eleitores de Crissiumal/RS e, com isso, beneficiar os candidatos do partido político por ele  apoiados.

Ouvida em juízo, a vítima Sandra relatou as agruras e constrangimentos enfrentados. Informou ter sido candidata à prefeitura de Crissiumal/RS nas Eleições de 2020, e que, durante a campanha, o recorrente usou suas redes sociais para produzir vídeos difamatórios, ressaltando sua condição de casada e mãe de uma filha, de forma que as acusações feitas por OSMAR lhe criaram constrangimentos; que o vídeo foi colocado na mídia e “contaminou a cidade”, inclusive em relação a outras pessoas; que foi uma coisa assustadora, pela falta de respeito; que não conhecia pessoalmente o recorrente e tomou conhecimento de que ele disse, ainda, que “uma banca do jogo de bicho estava bancando minha campanha” e que a declarante “sustentava uns gigolôs na cidade”; que em seus vídeos, além de falar que a declarante mantinha relacionamentos e sustentava outros homens, o recorrente disse que “gostaria de ter uma oportunidade” com a declarante; que em seus vídeos, OSMAR fazia acusações de que a declarante sustentava outros homens ou que o jogo do bicho mantinha sua campanha. Questionada pela defesa, sustentou que, embora o recorrente tenha denegrido sua imagem como mulher e como candidata, não pode afirmar que ele fez isso a mando de algum candidato ou partido político, mas que os fatos aconteceram em razão da política daquele ano (ID 45539279, 45539280 e 45539281).

O próprio recorrente, ao ser interrogado pela juíza a quo, confirmou a gravação do vídeo, realizado sob a forma de live em sua página pessoal do Facebook, embora sustente não ter sido responsável pela divulgação e que não tinha intenção de ofender Sandra. Ponderou que muitas palavras ditas pelas testemunhas são distorcidas; que “não tem como a Sandra não me conhecer, pois moro há 43 anos na cidade”; que “se olhar tudo ali, vocês vão ver que as palavras que eu falo, sempre procurei me dirigir com educação para as pessoas”, havendo bastante palavras distorcidas; que se refere às gravações que fazia, as quais não eram feitas por maldade; que a intenção não era prejudicar ninguém; que a pessoa que postou o vídeo nas redes sociais tentou prejudicar o declarante e “prejudicar todo mundo”, pois colocou em uma rede que só se usa para compra e venda de produtos (“Face Brique”); que os vídeos gravados eram colocados em seu perfil particular, em modo público, e podia ser assistido por outras pessoas; que após, a live era excluída de seu perfil; que foram essas pessoas que publicaram no Facebook. Questionado se confirma ser o responsável pela gravação dos vídeos, o interrogado sustentou que se tratava de “conversa com os amigos”; que a pessoa que publicou os vídeos não tinha sua autorização; que, posteriormente, pediu desculpa às pessoas. Questionado pela acusação, o interrogado confirmou que reproduzia as lives em seu perfil particular do Facebook, mas alguém as publicou no perfil do “Face Brique”. Questionado pela defesa, sustentou que, ao gravar os vídeos, não tinha intenção de influenciar de forma negativa ou manchar a imagem das pessoas, que “a intenção era um bate papo entre amigos”; que as afirmações feitas no vídeo em relação à Sandra “isso aí, na campanha política, era o comentário na cidade”; que, caso as expressões utilizadas no vídeo fossem dirigidas a sua filha, o interrogando afirmou que acharia ofensivo e por isso foi pedir desculpas às pessoas envolvidas (ID 45539282, 45539283 e 45539284).

A versão apresentada pelo recorrente em sua autodefesa, de que não pretendia ofender ou prejudicar a imagem da vítima, mostra-se dissociada da realidade dos fatos, pois as inúmeras expressões pejorativas utilizadas, inclusive em tom de deboche, evidenciam que OSMAR, ao se referir a Sandra na live produzida, visava única e exclusivamente denegrir sua imagem perante a população de Crissiumal/RS, com nítido viés eleitoral, fazendo propaganda negativa em relação à então candidata.

Ademais, conforme depoimentos de Sandra e da testemunha Elson (ID 45539258, 45539257 e 45539256), o recorrente OSMAR FAGUNDES GARCIA, em diversas oportunidades durante a campanha eleitoral de 2020, realizou lives atacando adversários políticos, sempre mediante emprego de expressões de baixo calão e acusações desabonadoras à honra de candidatos rivais, a evidenciar tratar-se de um comportamento corriqueiro do recorrente durante aquele pleito.

Registro que, como vem sendo reiteradamente decidido pelo Supremo Tribunal Federal, o direito à liberdade de expressão positivado no art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal não se confunde com impunidade para agressão, não podendo ser utilizado como escudo protetivo à prática de atividades ilícitas, notadamente para atingir a honra de terceiros. Inviável confundir o direito à liberdade de expressão, que não ostenta caráter absoluto, com impunidade para agressão.

Nesse sentido, assim já decidiu este egrégio Tribunal:

RECURSO CRIMINAL. AÇÃO PENAL. ART. 325 c/c 327, INC. III, DO CÓDIGO ELEITORAL. CRIME DE DIFAMAÇÃO ELEITORAL. CONDENAÇÃO. EMENDATIO LIBELLI. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO. RECAPITULAÇÃO PARA O CRIME DE INJÚRIA ELEITORAL. ART. 326 DO CÓDIGO ELEITORAL. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO. POSTAGENS NA REDE SOCIAL FACEBOOK. UTILIZAÇÃO DE PALAVRAS OFENSIVAS AO CANDIDATO SEM EMPREGÁ-LAS EM NENHUM CONTEXTO CRÍTICO. RECONHECIDA A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE INJÚRIA ELEITORAL. READEQUAÇÃO DA PENA. PARCIAL PROVIMENTO. […] 2. Postagens ofensivas a candidato na rede social Facebook. O Tribunal Superior Eleitoral, em pedidos de direito de resposta, tem admitido o emprego de expressões ácidas e contundentes, mas dentro de um contexto crítico e sem direcioná-las à pessoa do candidato. É pacífico o entendimento de que a liberdade de expressão não é direito absoluto, conforme inúmeros precedentes do Supremo Tribunal Federal, e não o deve ser também em matéria eleitoral. No caso dos autos, o acusado, de forma objetiva, dirigiu palavras ofensivas ao candidato, sem empregá-las em nenhum contexto crítico, sem qualquer referência à eventual incompetência ou alusão a eventual fato supostamente criminoso que pudesse ter prejudicado os projetos da prefeitura durante a gestão do ofendido. […] (Recurso Criminal nº 12817, Acórdão, Relator Des. GERSON FISCHMANN, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 147, Data: 09.08.2019, Página 12.)

 

Também não beneficia o recorrente a alegação de que não foi o responsável pela divulgação do vídeo no perfil do “Face Brique” de Crissiumal, no Facebook, haja vista que a consumação do crime de difamação eleitoral em análise ocorreu no exato momento em que realizada a live em seu perfil pessoal, com acesso público a terceiras pessoas e capacidade de atingir número indeterminado de espectadores (o próprio OSMAR, ao iniciar a gravação da live, gabava-se do fato de seus vídeos estarem atingindo uma grande quantidade de pessoas e de compartilhamentos nas redes sociais).

Assim, devidamente demonstrado o animus diffamandi de OSMAR FAGUNDES GARCIA ao se referir a Sandra Rejane Schilling Trentini em live realizada em seu perfil particular do Facebook, atribuindo a ela fato específico e ofensivo a sua reputação (relacionamento extraconjugal com Alencar de Oliveira), necessária a manutenção de sua condenação criminal.

 

2.1) Da pena aplicada

O art. 325 do Código Eleitoral, ao descrever o crime de difamação eleitoral, prevê em seu preceito secundário pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, além do pagamento de multa de 5 a 30 dias-multa.

Na sentença de ID 45539334, na primeira fase da dosimetria da pena, a magistrada a quo reconheceu a existência de uma única circunstância judicial negativa em desfavor do recorrente, consistente na reincidência (decorrente da ação penal n. 5001339-54.2016.4.04.7127), razão pela qual fixou a pena-base em 6 (seis) meses de detenção, ou seja, o dobro da pena mínima prevista em abstrato. Logo, por favoráveis as demais circunstâncias judiciais, a pena final resultante não deveria ficar afastada da mínima prevista conforme alentados precedentes jurisprudenciais inclusive do colendo STJ.

Todavia, eminentes colegas, estou por sacramentar "in totum" as sanções impostas na origem, ainda que em princípio exasperada a pena-base, principalmente, em relação ao entendimento que a respeito tem prevalecido nos tribunais. E, aqui, me permito fazer pequenos reparos a bem-lançada sentença recorrida, pontualmente no que se refere aos demais vetores ou circunstâncias judiciais elencadas no art. 59 do Código Penal, as quais, uma vez melhor cotejadas frente ao caso concreto retratado em todas suas nuances, justificam, enfim, a fixação da pena-base distanciada da mínima prevista para o crime a que o recorrido restou condenado.

 Com efeito, além da reincidência reconhecida na sentença, tem-se o alto grau de culpabilidade e reprovabilidade com que se houve o recorrido  ao assacar contra a honra e a dignidade da ofendida. Sua personalidade, por tudo que se extrai do processado, não pode ser considerada como comum a uma pessoa normal. No mesmo passo, tanto os motivos como as circunstâncias em que praticado o crime pelo recorrido, assim como suas consequências, não podem ser desconsideradas, uma vez que as graves e vis ofensas foram irrogadas contra a vítima, então candidata ao cargo de prefeito por meio de um vídeo por ele produzido e publicado nas redes sociais. E, o que se reveste ainda de maior gravidade, com a inequívoca finalidade de influir no resultado eleitoral com a desconstituição da candidata, e sem que se possa extrair do processado, por outro lado, qualquer indício de que esta última, a ofendida, tenha de algum modo provocado ou dado azo ao agir criminoso do recorrido.

Em suma, senhor Presidente e eminentes pares, estou por chancelar integralmente a sentença impugnada, portanto inclusive no que concerne à dosimetria da pena, aliás como igualmente concluiu a douta Procuradoria Regional Eleitoral que oficia junto a este Colegiado (ID 45570729).

Ante o exposto, VOTO pelo conhecimento  do recurso e a rejeição da preliminar suscitada pelo recorrido e, no mérito, pelo desprovimento do recurso interposto por OSMAR FAGUNDES GARCIA, mantendo íntegra, portanto, a sentença de primeiro grau que o condenou à pena privativa de liberdade de 8 (oito) meses de detenção, substituída por restritiva de direito na modalidade de prestação de serviços à comunidade, bem como ao pagamento de 5 (cinco) dias-multa, tudo pela prática do crime do art. 325 do Código Eleitoral. 

É o voto.