REl - 0600022-88.2024.6.21.0029 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/08/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de um dia insculpido no art. 22 da Resolução TSE n. 23.608/19, e preenche os demais pressupostos relativos à espécie, de modo que está a merecer conhecimento.

No mérito, a representação trata de publicações na rede social Facebook de FABIANO BERGMANN, atualmente licenciado para concorrer ao pleito de 2024, realizadas no curso da campanha eleitoral do pleito de 2020, quando o recorrente concorria ao cargo de vereador do Município de Lajeado. As postagens, em síntese, destacavam a atuação do recorrente como Secretário Municipal no período de 2016 a 2020 e declaravam apoio a candidatos nas Eleições de 2022.

Na origem, inicialmente fora proferida decisão interlocutória que concluiu que o comportamento de FABIANO "neste momento e na atual condição do representado (de pré-candidato), também caracteriza propaganda antecipada”, ordenando-se a retirada do material sob pena de multa diária de R$ 500,00. Após, na sentença, houve o reconhecimento de prática de propaganda eleitoral extemporânea e a condenação à retirada das publicações e ao pagamento de multa no valor de R$ 6.000,00.

Logo, a controvérsia gravita em torno da tipificação da conduta, pois a representação proposta pelo Ministério Público, em razão de propaganda remanescente, teria recebido reenquadramento de ofício para propaganda antecipada. Transcrevo as previsões legais apontadas pelo órgão ministerial e pelo Juízo:

Resolução TSE n. 23.610/2019

Art. 3º-A. Considera-se propaganda antecipada passível de multa aquela divulgada extemporaneamente cuja mensagem contenha pedido explícito de voto, ou que veicule conteúdo eleitoral em local vedado ou por meio, forma ou instrumento proscrito no período de campanha. (Incluído pela Resolução n. 23.671/21)

Parágrafo único. O pedido explícito de voto não se limita ao uso da locução “vote em”, podendo ser inferido de termos e expressões que transmitam o mesmo conteúdo. (Incluído pela Resolução n. 23.732/24)

 

Art. 121. No prazo de até 30 (trinta) dias após a eleição, as candidatas, os candidatos, os partidos políticos, as federações e as coligações deverão remover a propaganda eleitoral, com a restauração do bem em que foi afixada, se for o caso. (Redação dada pela Resolução n. 23.671/21)

Parágrafo único. O descumprimento do que determinado no caput sujeitará as pessoas responsáveis às consequências previstas na legislação comum aplicável.

Relativamente ao primeiro tipo, a doutrina de Rodrigo Lopez ZILIO ensina que “a propaganda extemporânea é espécie de propaganda eleitoral irregular realizada fora do período permitido, o que se configura mais comumente pela sua veiculação antecipada, ou seja, antes do período legal permitido – que é previsto no art. 36 da LE” (Direito Eleitoral. 9 Edição. São Paulo: Editora JusPODIVM, 2023).

Na mesma obra, o citado autor leciona:

A propaganda eleitoral lícita somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição (art. 36, caput, da LE; art. 240, caput, do CE, ambos com redação dada pela Lei nº 13.165/2015). (…) Outrossim, no que concerne ao prazo final, existem regras diversas conforme a modalidade de propaganda eleitoral – a serem examinadas quando da abordagem de cada tipo de propaganda. De toda sorte, no prazo de até 30 dias após a eleição, os candidatos, partidos políticos, federações e coligações deverão remover a propaganda eleitoral, com a restauração do bem em que foi afixada, se for o caso (art. 121 da Res.-TSE nº 23.610/2019), e o descumprimento dessa regra sujeitará os responsáveis às consequências previstas na legislação comum aplicável, ou seja, pode ser punidos por violação às regras do código de posturas do município. De toda sorte, na medida em que a instrução normativa determina expressamente a retirada da propaganda eleitoral no prazo de 30 dias após o pleito, instituindo uma clara obrigação aos atores do processo eleitoral, é possível cogitar de uma representação perante o juízo eleitoral com o escopo de cumprimento dessa regra, sob pena de astreintes ou crime de desobediência (art. 347 do CE).

Com efeito, as publicidades remanescentes de campanhas anteriores não perdem o seu caráter de propaganda eleitoral, podendo, a depender da análise de cada caso, configurar propaganda antecipada. Para tanto, a forma desta Justiça Especializada de coibir um proveito indevido pelo candidato, em virtude da não remoção de propaganda no prazo legal (30 dias após o pleito), é a determinação da retirada das peças publicitárias sob pena de sanção pecuniária.

Antecipo que o recurso merece o parcial provimento indicado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, por dois motivos principais:

1. No caso em tela, a remoção da publicidade questionada foi determinada pelo juízo de origem e o recorrente atendeu ao comando, conforme ID 45657889;

2. Para que uma publicidade remanescente configure propaganda extemporânea, precisa carregar, além da antecipação ao período eleitoral, o caráter próprio de propaganda antecipada, característica que não se extrai das manifestações do recorrente, alusivas claramente aos pleitos de 2020 e 2022, já exauridos.

Nessa linha, convém salientar que a Lei n. 13.195/15 alterou substancialmente a redação do art. 36-A da Lei das Eleições, o qual passou a considerar somente o pedido ostensivo e expresso de voto como apto a configurar propaganda eleitoral irregular antes do período permitido por lei:

Art. 36-A - Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:

I - a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico; Redação alterada pelo art. 3º da Lei n. 12.891, de 2013.

II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; Redação alterada pelo art. 3º da Lei n. 12.891, de 2013. A nova redação deste inciso II teve sua eficácia suspensa para as Eleições 2014 pela Consulta TSE n. 1000-75.

III - a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos; Redação dada pela Lei n. 13.165, de 2015. A nova redação deste inciso III teve sua eficácia suspensa para as Eleições 2014 pela Consulta TSE n. 1000-75.

IV - a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos; Redação alterada pelo art. 3º da Lei n. 12.891, de 2013. A nova redação deste inciso IV teve sua eficácia suspensa para as Eleições 2014 pela Consulta TSE n. 1000-75.

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais; Redação alterada pelo art. 2º da Lei n. 13.165, de 2015.

VI - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias. Incluído pela Lei n. 13.165, de 2015.

§ 1º É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de televisão das prévias partidárias, sem prejuízo da cobertura dos meios de comunicação social. Incluído pela Lei n. 13.165, de 2015.

§ 2º Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver. (Grifei.)

 

Ou seja, a manifestação sob exame não deve ser considerada propaganda eleitoral antecipada, pois não houve pedido expresso de votos, apenas campanha voltada às Eleições de 2020 e, na sequência, apoio a candidatos a cargos no pleito 2022. Sublinho que a menção à pré-candidatura, a exaltação das qualidades pessoais do pré-candidato, a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas e o pedido de apoio político são, desde a reforma legislativa citada, atos perfeitamente regulares.

Vale lembrar que esta própria Corte, no exame do RE 5536, julgado na sessão de 25.10.2016, enfrentou a questão da irregularidade de propaganda eleitoral antecipada frente ao art. 36-A da Lei das Eleições. Restou vencedora a tese elaborada pelo Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, a qual, aliás, espelha a recente posição do TSE sobre o tema exposto nos autos do RESPE 51-24, da relatoria do Min. Luiz Fux (publicado em 18.10.2016), cuja ementa cumpre reproduzir:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. (LEI DAS ELEIÇÕES, ART. 36-A). DIVULGAÇÃO DE MENSAGEM EM FACEBOOK. ENALTECIMENTO DE PARTIDO POLÍTICO. MENÇÃO À POSSÍVEL CANDIDATURA. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTOS. NÃO CONFIGURAÇÃO. LEGÍTIMO EXERCÍCIO DA LIBERDADE JUSFUNDAMENTAL DE INFORMAÇÃO. ULTRAJE À LEGISLAÇÃO ELEITORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. A liberdade de expressão reclama proteção reforçada, não apenas por encerrar direito moral do indivíduo, mas também por consubstanciar valor fundamental e requisito de funcionamento em um Estado Democrático de Direito, motivo por que o direito de expressar-se – e suas exteriorizações (informação e de imprensa) – ostenta uma posição preferencial (preferred position) dentro do arquétipo constitucional das liberdades. 2. A proeminência da liberdade de expressão deve ser trasladada para o processo político-eleitoral, mormente porque os cidadãos devem ser informados da variedade e riqueza de assuntos respeitantes a eventuais candidatos, bem como das ações parlamentares praticadas pelos detentores de mandato eletivo. 3. A ratio essendi subjacente ao art. 36, caput, da Lei das Eleições, que preconiza que a propaganda eleitoral somente será admitida após 15 de agosto do ano das eleições, é evitar, ou, ao menos, amainar a captação antecipada de votos, visando a não desequilibrar a disputa eleitoral, vulnerar o postulado da igualdade de chances entre os candidatos e, no limite, comprometer a própria higidez do prélio eleitoral. 4. A ampla divulgação de ideias fora do período eleitoral propriamente dito se ancora em dois postulados fundamentais: no princípio republicano, materializado no dever de prestação de contas imposto aos agentes eleitos de difundirem atos parlamentares e seus projetos políticos à sociedade; e no direito conferido ao eleitor de acompanhar, de forma abrangente, as ideias, convicções, opiniões e plataformas políticas dos representantes eleitos e dos potenciais candidatos acerca dos mais variados temas debatidos na sociedade, de forma a orientar a formação de um juízo mais consciente e responsável, quando do exercício de seu ius suffragii. 5. A propaganda eleitoral extemporânea consubstancia, para assim ser caracterizada, ato atentatório à isonomia de chances, à higidez do pleito e à moralidade que devem presidir a competição eleitoral, de maneira que, não ocorrendo in concrecto quaisquer ultraje a essa axiologia subjacente, a mensagem veiculada encerrará livre e legítima forma de exteriorizar seu pensamento dentro dos limites tolerados pelas regras do jogo democrático.  6. O limite temporal às propagandas eleitorais encontra lastro no princípio da igualdade de oportunidades entre partidos e candidatos, de forma a maximizar três objetivos principais: (i) assegurar a todos os competidores um mesmo prazo para realizarem as atividades de captação de voto, (ii) mitigar o efeito da (inobjetável) assimetria de recursos econômicos na viabilidade das campanhas, no afã de combater a plutocratização sobre os resultados dos pleitos; e (iii) impedir que determinados competidores extraiam vantagens indevidas de seus cargos ou de seu acesso aos grandes veículos de mídia, antecipando, em consequência, a disputa eleitoral. 7. A menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, nos termos da redação conferida ao art. 36-A pela Lei nº 13.165/2015, não configuram propaganda extemporânea, desde que não envolvam pedido explícito de voto. [...] (TSE, RESPE 51-24, Rel. Min. Luiz Fux, publicação: 18.10.2016).

Na hipótese dos autos, observa-se, a uma, a pronta obediência ao comando de retirada das peças publicitárias e, a duas, a ausência de pedido expresso de votos.

Portanto, o recurso merece ser parcialmente provido, para afastar o reconhecimento da propaganda extemporânea, bem assim a multa impetrada, mantendo-se o reconhecimento da ocorrência de propaganda remanescente.

 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para (1) afastar a configuração de propaganda irregular extemporânea, (2) afastar a multa aplicada, e (3) pelo reconhecimento de propaganda remanescente atinente a eleições passadas, nos termos da fundamentação.