PCE - 0602746-26.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/08/2024 00:00 a 08/08/2024 23:59

VOTO

VIVIANE PAULA DA SILVA PINTO, candidata não eleita ao cargo de deputada federal, apresenta prestação de contas relativa às Eleições de 2022.

A Secretaria de Auditoria Interna - SAI desta Corte elaborou parecer conclusivo das contas retificadoras, no qual apontou irregularidades referentes a (1) recebimento de recursos de fonte vedada; (2) recebimento de recursos de origem não identificada - RONI e (3) a não comprovação de gastos realizados com verba do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. Opinou, inicialmente, pela desaprovação das contas e pelo recolhimento da quantia de R$ 113.614,13.

Após, a prestadora ingressou com manifestação acompanhada de documentos, e o órgão técnico, em derradeira informação, acolheu parcialmente os argumentos. Indicou redução de necessidade de recolhimento e apontou o valor de R$ 7.786,30.

Por sua vez, a Procuradoria Regional Eleitoral ratificou a manifestação inicial - desaprovação, acompanhada de ordem de recolhimento de R$ 70.787,21 ao Tesouro Nacional.

Passo à análise.

1. Fontes vedadas

A Secretaria de Auditoria Interna desta Corte, em verificação do extrato bancário da conta n. 760676 (Outros Recursos), agência 2692, do Banco do Brasil, identificou o recebimento de doação oriunda da pessoa jurídica MERCADO MESA CASA LTDA., CNPJ n. 07376489000140, no valor de R$ 1.400,00.

A prática afronta o art. 31, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 31. É vedado a partido político e a candidata ou candidato receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I - pessoas jurídicas;

(...)

 

Destaco que o prestador apresentou declaração do doador no sentido de que a doação, por um lapso, fora realizada com a utilização dos dados da pessoa jurídica - e não como pretendera, a partir da pessoa física.

Contudo, destaco que a mera declaração não se mostra suficiente a comprovar a origem do recurso, pois a par de se tratar de declaração de cunho unilateral, impede a fiscalização, por exemplo, quanto à observação do percentual admitido para doação de pessoa física. Nesse sentido, julgado desta Corte, de relatoria do Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA. INGRESSO DE DOAÇÃO PROVENIENTES DE PESSOA JURÍDICA. DEPÓSITOS REALIZADOS POR PESSOAS EXERCENTES DE CARGOS PÚBLICOS DE LIVRE EXONERAÇÃO OU DEMISSÃO. IRREGULARIDADES MANTIDAS. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. SATISFAÇÃO EM PARTE DO DISPOSTO NO ART. 18 DA RESOLUÇÃO TSE. N. 23.604/19. IRREGULARIDADES DE BAIXO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas de diretório estadual de partido político, relativa ao exercício financeiro de 2020, disciplinadas quanto ao mérito pela Resolução TSE n. 23.604/19. 2. Recebimento de recursos de fonte vedada. 2.1 Ingresso de doação proveniente de pessoa jurídica. Recebimento de quantia, em onze parcelas iguais, constando no extrato bancário. Acostada declaração firmada pela doadora. Todavia, a mera declaração da parte, mesmo não havendo indícios de fraude ou má-fé, não faz prova da origem do recurso, tal como preceitua o inc. III do art. 36 da Resolução TSE n. 23.604/19. Ausência de elemento probatório objetivamente constituído que respalde o esclarecimento apresentado. 2.2. Realização de 46 depósitos provenientes de pessoas que exercem cargos públicos de livre exoneração ou demissão em diferentes órgão públicos. Vedação expressa pelo art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95. Ausência de demonstração da incidência da ressalva da parte final do citado dispositivo. Como regra, o partido é proibido de receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive mediante publicidade de qualquer espécie, procedente de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário. A existência de recursos de fonte vedada demanda o recolhimento do seu montante ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19. 3. Aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário, em desacordo com o art. 18 da Resolução TSE n. 23.604/19. Apresentado pelo partido elementos capazes de elidir parcialmente o apontamento. Demonstrado que algumas despesas efetivamente se referem a serviços de telefonia e internet contratados, conforme se depreende das referidas faturas. Irregularidade sanada nesse ponto. Todavia, não houve demonstração em relação a alguns fornecedores. Inexistência de documento capaz de satisfazer o requisito do citado art. 18, o que inviabiliza o afastamento da irregularidade. 4. As irregularidades apontadas representam 1,58% das receitas declaradas, ficando abaixo do percentual (10%) utilizado como parâmetro para permitir a aprovação das contas com ressalvas, na esteira da jurisprudência desta egrégia Corte. 5. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS. PCPP n. 060013197, Acórdão, Relator Des. Luis Alberto Dazevedo Aurvalle. Julgamento: 24.04.2023, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 47, Data 27.04.2023.)

Assim, considerando que a proibição contida no dispositivo incide de maneira objetiva, não há como afastar a irregularidade, e a quantia de R$ 1.400,00 deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Recursos de origem não identificada - RONI

Os pareceres conclusivo e ministerial apontaram o ingresso de recursos de origem não identificada (a) oriundo de doação financeira, recebida de pessoa física, acima de R$ 1.064,09, realizada de forma distinta da opção de transferência eletrônica; (b) configurado em razão de omissão de despesas, e (c) configurado em razão de dívidas de campanha declaradas na prestação.

2.a. Doações irregulares acima de R$ 1.064,09

O órgão técnico contábil destacou a ocorrência de dois depósitos, em montante de R$ 4.153,30, realizados por meio diverso do estabelecido na legislação de regência:

Resolução TSE nº 23.607/2019

Das Doações

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF da doadora ou do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que a doadora ou o doador é proprietária(o) do bem ou é a(o) responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

IV - Pix. (Incluído pela Resolução nº 23.731/2024)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

 

Ou seja, para efetuar doação com valor igual ou superior a R$ 1.064,10, obrigatoriamente o doador deverá utilizar o modo de transferência eletrônica entre contas bancárias, a própria e a da campanha beneficiada, ou cheque cruzado e nominal - qualquer outra forma se constitui irregular, nos termos da regulamentação eleitoral.

No caso posto, o extrato bancário da conta Outros Recursos registra os referidos depósitos, em valores de R$ 3.000,00 e R$ 1.153,30, respectivamente nos dias 14.9.2022 e 10.10.2022, como "depósito online", e identifica a contraparte com o CPF da própria candidata.

A prestadora argumenta que realizou os depósitos na "boca do caixa", em decorrência das dificuldades impostas pela instituição bancária para cadastramento da chave Pix. Não respalda a afirmação com qualquer espécie de prova.

Ressalto que a exigência legal objetiva coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação, sendo imprescindível a perfeita identificação do doador. Este Tribunal tem arrefecido o rigor de disposições desta natureza quando o prestador, por outros meios, atinge o fim colimado pela norma que, no caso do preceito em referência, consiste na demonstração segura da origem dos recursos.

O que não ocorreu no presente feito.

A ausência de comprovação segura do doador caracteriza os recursos como de origem não identificada, cujo valor correspondente, no importe de R$ 4.153,30, deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, conforme os arts. 32 e 79 da Resolução TSE n. 23.607/19.

2.b. Omissões de despesas - não apresentação de notas fiscais.

O exame das contas (ID 45503487), por meio do cotejo entre as despesas declaradas na prestação de contas e as notas fiscais eletrônicas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, verificou omissões de gastos, em desobediência ao que dispõe o art. 53, inc. I, al. "g", da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme a seguinte tabela:

Em resposta, a prestadora retificou sua contabilidade e, no ponto, incluiu documentos que "equivocadamente não haviam sido apresentados": ID 45522004 ao ID 45522017; 45522021 ao 45522023; 45522025 ao 45522027 ao 45522051 e 45522054.

Após análise das contas retificadoras, o órgão técnico entendeu parcialmente sanadas as irregularidades e excluiu operações relativas aos Ids indicados, de modo a reduzir a importância de recolhimento ao patamar de R$ 3.746,11.

A d. Procuradoria Regional Eleitoral, contudo, em exame dos mesmos documentos, posiciona-se forma diversa e entende não sanadas as irregularidades. Transcrevo trecho do parecer:

Entretanto, quando se trata do item 3.2, preponderam os argumentos traçados no Parecer Ministerial. A ver: na primeira avaliação realizada pela SAI, por meio do Relatório de Exame das Contas e utilizando base dados além daqueles trazidos a esta prestação, consignou-se que um pagamento total de R$ 7.427,91 para "S S COMERCIO DE COMBUSTIVEIS SA" provem de RONI. Adiante, através do Parecer Conclusivo, considerou-se esse apontamento parcialmente sanado e reduzido a R$ 3.746,11, visto a juntada pela prestadora de algumas notas fiscais da empresa em questão. No entanto, a juntada desses documentos ao processo - cuja existência havia sido descoberta por outra forma - não sana a irregularidade referente à origem dos recursos, que segue não identificada, porquanto os valores para o pagamento, que alcança a soma supracitada, não transitaram por nenhuma das contas bancárias da candidatura. Além disso, tampouco há razão em a SAI afirmar, desta vez através do Exame de Documentos após o Parecer Conclusivo, que, quanto a essa soma de R$ 3.746,11, "a candidata esclareceu (ID 45557489) que retificou as contas após o Relatório Exame de Contas (ID 45503487) e incluiu as notas apontadas como dívida de campanha, motivo pelo qual considera-se sanado o apontamento".

 

Adianto que me alinho ao posicionamento externado pela Procuradoria Regional Eleitoral.

Ora, nítido está que, diante do apontamento no exame das contas referente à verificação de notas fiscais omitidas, a candidata intentou "ajustar" a contabilidade ao qualificar os valores como dívida de campanha na prestação retificadora, pois o entendimento deste Regional (em obediência à jurisprudência atualmente vigente no TSE) é pelo não recolhimento de valores de dívida de campanha, em face da ausência de previsão normativa - enquanto, obviamente, o tratamento dado às verbas que configuram origem não identificada - RONI é de recolhimento, à luz de regra expressa nesse sentido.

Desse modo, julgo que acolher a pretensão da candidata seria legitimar a burla ao reconhecimento da ocorrência de RONI nas contas eleitorais sob exame.

No presente item, entendo apenas por reduzir o valor relativo ao gasto no RESTAURANTE WM LTDA., pois foi possível verificar, no extrato da conta Outros Recursos, o registro de pagamento de R$ 306,00 ao fornecedor.

Nessa linha de raciocínio, configura recebimento de recurso de origem não identificada a quantia de R$ 9.000,91 (R$ 7.427,91 + R$ 1.879,00 - R$ 306,00), cujo equivalente deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, sob o fundamento dos arts. 14 e 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

2.c. Omissões de despesas - dívida de campanha

Inicialmente, ressalto que este item difere do anterior em razão de, neste caso, os gastos terem sido declarados pela candidata - inclusive com apresentação de contratos de prestação de serviço, os quais não foram integralmente quitados, gerando dívida de campanha.

A Informação final do órgão técnico registrou a ausência de requisitos legais para admissão de dívida de campanha declarada na prestação de contas, conforme quadro que segue:

Como bem observado pelo diligente órgão ministerial, o valor a ser considerado como dívida remanescente é de R$ 3.300,00, em excerto que transcrevo e adoto expressamente como razões de decidir, com o fito de evitar desnecessária repetição:

Quanto ao item 3.3, importante pontuar desde logo que há nos autos contratos de prestação de serviço com alguns fornecedores - e não notas fiscais, como no item anterior - que não foram pagos integralmente: a) FRANTIESCA VITORIA DE OLIVEIRA BRUM, obrigação de R$ 1.500,00 (ID 5263983), pagamento de R$ 1.000 (conta Outros Recursos), dívida de R$ 500,00; b) MARCIO JOSE DA SILVA DE SOUZA, obrigação de R$ 2.000,00 (ID 45263981), pagamento de R$ 1.700,00 (conta Outros Recursos), dívida de R$ 300,00; c) MARIA GORETE JANK, obrigação de R$ 3.000,00 (ID 45263997), pagamento de R$ 2.000,00 (R$ 1.500,00 da conta FEFC e R$ 500,00 da conta Outros Recursos), dívida de R$ 1.000,00; d) TANIA MARA VARGAS, obrigação de R$ 3.000,00 (ID 45263990), pagamento de R$ 1.500,00 (conta Outros Recursos), dívida de R$ 1.500,00. Dívida Total: R$ 3.300,00 - e não R$ 3.800,00, como consta no Exame de Documentos após Parecer Conclusivo. Pois bem, como assentado no Parecer Ministerial, não houve assunção da dívida pela agremiação, na forma prescrita pelo artigo 33, §3º da Resolução TSE nº 23.607/2019, o que torna essa soma irregular, ensejando, conforme entendimento jurisprudencial consolidado, "tão somente a possibilidade de rejeição das contas, a ser analisada no momento do julgamento, sem imposição de outras sanções, revelando-se inviável a interpretação extensiva do art. 32 da citada resolução para determinar ressarcimento ao Tesouro Nacional a título de recurso de origem não identificada."

 

A divergência ocorre em razão de o parecer conclusivo da SAI computar apenas o pagamento de R$ 1.500,00 com recursos do FEFC, e, em consequência, considerar devida, a Maria Gorete, a quantia de R$ 1.500,00 do total de R$ 3.000,00; contudo, a coordenadora de campanha recebeu, também, R$ 500,00 da conta Outros Recursos.

Ou seja, não pagos restaram R$ 1.000,00.

A despeito de estar a falha configurada, o recolhimento não deve ser determinado, por falta de amparo normativo, conforme entendimento desta Corte, esposado exemplificativamente no processo n. 0600604-54.20206210021, rel. Des. Federal Luis Alberto D'azevedo Aurvalle, julgado em 07.3.2023, em linha ao posicionamento do TSE firmado no acórdão do RESPE n. 0601205-46.2018.6.12.000, redator designado o Ministro Luís Roberto Barroso.

De todo modo, ainda que incabível a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, a irregularidade no valor de R$ 3.300,00 há de ser considerada para juízo de aprovação, ressalvas ou desaprovação das contas.

3. Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC

O órgão técnico, procedendo à análise dos extratos bancários eletrônicos da conta 0760650, da agência: 2692, do Banco do Brasil, utilizada para trânsito dos valores recebidos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, bem como da documentação apresentada nesta prestação de contas, constatou irregularidades na comprovação dos gastos com as verbas públicas, apontando no parecer conclusivo. Apresento transcrição das tabelas, unicamente no que diz respeito às irregularidades sob exame:

Após o parecer conclusivo da SAI, a prestadora acostou novos documentos, e o setor contábil, na Informação de ID 45592232, acolheu os argumentos da prestadora e entendeu sanados os apontamentos referentes a ALDIR BALBINOT e CIA LTDA-EPP, GILSON ANDRÉ ANTUNES, FERNANDO RIGON BARCELLOS, MARCIO SOUZA BAUER e FELIPE SCHUMAHER.

Em manifestação derradeira, a Procuradoria Regional Eleitoral pronunciou-se de forma diversa. Transcrevo:

Por derradeiro, sobre o item 4.1, há consonância de entendimento entre a SAI e esta PRE tão somente no que tange a se considerar sanado o apontamento quanto ao fornecedor ALDIR BALBINOT e a se considerar irregular o que se refere a SUPERMERCADO SCOTTA, LNV ALIMENTOS e ELIOMAR PRANDO (R$ 2.233,00 no total). No entanto, a Unidade Técnica, limitando-se a afirmar que "o prestador apresentou esclarecimentos e documentos nos IDs 45557498 a 45557500 e 45557489", destoa desta PRE ao reputar sanado - sem oferecer qualquer fundamentação - os apontamentos relativos a GILSON ANDRÉ ANTUNES, FERNANDO RIGON BARCELLOS, MARCIO SOUZA BAUER e FELIPE SCHUMAHER. Cabe, assim, reiterar nesse momento o Parecer Ministerial, destacando que: a) não se mostrou justificada a expressiva diferença pecuniária entre os contratos de Marcelo Paula da Silva, R$ 5.000,00 (ID 45522059) - utilizado como paradigma -, Gilson André Antunes, R$ 15.000,00 (ID 45263994) e Fernando Rigon Barcellos (ID 45521988); os três foram contratados para exercerem a "função de motorista", com o mesmo expediente de serviço e por igual período; Marcelo, que recebeu três vezes menos, prestou serviço em área inclusive mais abrangente ("Passo Fundo e Região") quando comparado a Fernando ("Passo Fundo" somente); desarrazoada a alegação da prestadora no sentido de que Gilson e Fernando receberam muito mais por terem "valor político" e "histórico de resultados comprovados", porquanto não foi feita prova dessa alegação e, obviamente, porque essas eventuais características não estão relacionadas a um melhor desempenho da "função de motorista"; b) igualmente injustificados os valores dos contratos de Marcio Souza Bauer, R$ 12.000,00 (ID 45263999) e Felipe Schumaher, R$ 12.000,00 (ID 45522024), uma vez comparados ao de Maria Gorete Jank, R$ 3.000,00 (ID 45263997); foram contratados os três para exercerem a "função de coordenador local", e assim como no caso anterior, com o mesmo expediente de serviço e por igual período; embora os respectivos contratos expressem que Marcio prestou serviço em Seberi, Felipe em Cristal do Sul, e Maria em Getúlio Vargas, a prestadora sustenta - novamente sem assumir o ônus probatório - que eles trabalharam em diversas outras localidades e que a "dimensão do espaço geográfico e as relações políticas de Maria Gorete" seriam reduzidas, voltando a enaltecer o suposto e genérico "valor político" dos que foram fartamente remunerados. Dessa forma, deve ser considerado irregular nesse item a soma de R$ 56.233,00 (R$ 354,00, R$ 413,00, R$ 1.466,00, R$ 15.000,00, R$ 15.000,00, R$ 12.000,00 e R$ 12.000,00), o qual deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

 

Entendo que assiste razão ao Parquet.

Inicialmente entendo, assim como a PRE, que o gasto realizado com ALDIR BALBINOT está plenamente comprovado, pois a prestadora trouxe aos autos cópia da microfilmagem do cheque nominal e cruzado utilizado para pagamento da despesa (ID 45557498).

Ademais, e no relativo à operação de compras de R$ 354,00 no SUPERMERCADO SCOTTA ; em LNV ALIMENTOS, R$ 413,00, e R$ 1.466,00 com ELIOMAR PRANDO , despesas que totalizam R$ 2.233,00, a prestadora reconhece a falha e esclarece ter se tratado de erro, pois os cheques não foram preenchidos de modo "nominal e cruzado", e "resigna-se em aguardar o apontamento final, para o recolhimento dos valores determinados por esse Tribunal".

Mais complexa, todavia, é a situação em relação aos prestadores de serviço GILSON ANDRÉ ANTUNES, FERNANDO RIGON BARCELLOS, MARCIO SOUZA BAUER e FELIPE SCHUMAHER.

Em síntese, o órgão ministerial tomou como paradigma o contrato de Marcelo Paula da Silva, motorista, no valor de R$ 5.000,00 (ID 45522059), e o contrato de Maria Gorete Jank, coordenadora local, no valor de R$ 3.000,00 (ID 45263997), para avaliar os demais contratados para as mesmas funções.

Com efeito, o contrato firmado com Marcelo Paula da Silva teve como objeto a "função de MOTORISTA - PASSO FUNDO E REGIÃO nas eleições de 2022, realizando para tanto todas as atividades pertinentes à referida função, sem vínculo empregatício algum", e o horário de prestação do serviço restou estabelecido na cláusula contratual terceira: de Segunda-feira a Sexta-Feira, das 9h00 às 18h00, com intervalo de 60 minutos, e aos sábados, de 08h00 às 13h00. Ainda, destaco que a remuneração foi fixada em R$ 5.000,00, e o período da prestação, entre 17 de agosto de 2022 e 01 de outubro de 2022.

De fato, os parâmetros são legítimos adotados pelo Ministério Público Eleitoral - pois praticados pela própria prestadora de contas, de modo que os contratos de Gilson André Antunes e Fernando Rigon Barcellos se mostram com fixação de remuneração exorbitante, R$ 15.000,00, cada. Ora, GILSON e FERNANDO, assim como Marcelo, prestaram serviço de motorista na campanha da candidata.

E as semelhanças não param por aí: todos os contratados declaram domicílio na respectiva cidade de atuação, bem como apresentam o mesmo período.

A situação se torna ainda mais discrepante quando verificada a área de prestação dos serviços: Marcelo, com salário bem menor, teria atuado em Passo Fundo e região, contando aquele município com uma extensão territorial de 784,407 km² e uma população de 206.215 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, censo de 2022 (https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/), enquanto GILSON, na região de Vicente Dutra (território de 193,025 km² e 4.665 habitantes) e Caiçara (território de 189,160 km² e 4.836 habitantes), e FERNANDO, exclusivamente em Passo Fundo.

A menor remuneração, atendeu a um espaço territorial mais amplo, portanto.

Alega a prestadora que, diferente do contrato firmado, "Gilson André Antunes desenvolveu seu trabalho na "REGIÃO DE VICENTE DUTRA E CAIÇARA", (Vicente Dutra, Caiçara, Pinheirinho do Vale, Vista Gaúcha, Palmitinho, Vista Alegre, Taquaruçu do Sul, Frederico Westphalen e Ametista do Sul).", ainda, que "Marcelo Paula da Silva desenvolveu suas atividades em "PASSO FUNDO E REGIÃO", tendo ficado baseado em Passo Fundo, com raríssimas viagens em municípios da região", e que "O atendimento aos municípios da região de Passo Fundo (Marau, Vila Maria, Casca, Santo Antônio do Palma, Gentil, Campo do Meio, Coxilha, Sertão e Getúlio Vargas) foram executados por Fernando Rigon Barcellos."

Todavia, as alegações não podem ser consideradas, pois contradizem os documentos trazidos pela própria candidata. Há de preponderar, obviamente, a força probante dos contratos celebrados e assinados pelas partes, em situação que deve servir como advertência para que os contratos firmados espelhem, forma fidedigna, a realização da avença, pois o candidato há de prestar contas à sociedade com base, exatamente, nos contratos que realiza sob a legislação de regência.

Igualmente descabido o argumento relativo ao "valor político" superior de Gilson e Fernando. A uma, porque tal vetor (aliás, de todo com índole subjetiva), não encontra respaldo legal - fosse então contratado para outra função, e não para motorista, atividade para a qual independe sua "capacidade de obter votos para a contratante", como sustentado.

Sigo.

Passo ao exame do contrato de Maria Gorete Jank, no valor de R$ 3.000,00 (ID 45263997), em confronto com as contratações de Marcio Souza Bauer, R$ 12.000,00 (ID 45263999), e Felipe Schumaher, R$ 12.000,00 (ID 45522024), todos na prestação de serviço de "coordenador(a) local".

Maria Gorete, contratada como "coordenadora local" de campanha, teve seu contrato regido pelas seguintes Cláusulas: (a) objeto e local, "Coordenadora da região do município de Getúlio Vargas"; (b) horário, "de Segunda-feira a Sexta-Feira, das 9h00 às 18h00, com intervalo de 60 minutos. Aos sábados, de 08h00 às 13h00"; (c) período, "se iniciará no dia 17 de agosto de 2022 esse encerrará no dia 01 de outubro de 2022"; e (d) remuneração, R$ 3.000,00.

Por outro lado, os elementos contratuais de MARCIO e FELIPE não diferem em objeto, horário ou período do pactuado com Maria Gorete. São individualizados no local da prestação: Márcio, em Seberi, e Felipe em Cristal do Sul.

Mostram-se díspares, sobretudo no relativo ao valor da remuneração, qual seja, R$ 12.000,00, 4 (quatro) vezes mais que o valor pago a Maria Gorete, em estampada assimetria.

Por pertinente, novamente me valho dos dados do censo de 2022 do IBGE: (a) Getúlio Vargas, 16.602 habitantes em um território de 287,466 Km2; (b) Seberi, 11.950 habitantes em um território de 300,827 Km2; e (c) Cristal do Sul, 2.692 habitantes em um território de 97,077 Km2 (https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/).

Portanto, os contratos de Marcio Souza Bauer e Felipe Schumaher estão em evidente desajuste quanto ao preço avençado pela prestação de serviço, considerados parâmetros objetivos: idênticos objeto, período e horário fixado com Maria Gorete Jank.

A despeito desses dados, a candidata afirma que "a dimensão do espaço geográfico e as relações políticas de Maria Gorete são totalmente diferentes de Felipe Schumaher", e utiliza-se dos mesmos argumentos relativos ao desequilíbrio anterior, suscitando municípios que não estavam enumerados nos contratos, bem como um alegado "valor político" dos contratados.

Sem, novamente, respaldar as alegações com provas, com dados objetivos. Convém deixar claro que a contratação de prestadores de serviço, pelos candidatos a cargos eletivos, está sujeita a parâmetros de razoabilidade - há o manejo de verbas públicas - e não pode estar ancorada em suposto, alegado e subjetivo "valor" político (eleitoral, na verdade), sob pena de que a distorção esteja a encobrir, em verdade, enriquecimento sem causa.

Nessa senda, julgo ausentes de justificativa os preços nos contratos firmados com GILSON ANDRÉ ANTUNES, FERNANDO RIGON BARCELLOS, MARCIO SOUZA BAUER e FELIPE SCHUMAHER, os quais somam a importância de R$ 54.000,00 (cinquenta e quatro mil reais).

Portanto, o total de recurso oriundos do FEFC não comprovados alcançam o montante de R$ 56.233,00 (R$ 354,00, R$ 413,00, R$ 1.466,00, R$ 15.000,00, R$ 15.000,00, R$ 12.000,00 e R$ 12.000,00), cujo valor equivalente deve ser recolhido ao erário, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. Conclusão.

A título de desfecho, destaco que o somatório das irregularidades alcança R$ 74.087,21 (R$ 1.400,00 + R$ 4.153,30 + R$ 9.000,91 + R$ 3.300,00 + R$ 56.233,00) e representa 34,07% dos recursos declarados pela prestadora (R$ 217.453,30), circunstância que afasta a possibilidade do juízo de aprovação com ressalvas, mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. A desaprovação das contas é medida que se impõe.

Diante o exposto, VOTO pela desaprovação das contas de VIVIANE PAULA DA SILVA PINTO e determino o recolhimento da quantia de R$ 1.400,00, recebidos de fonte vedada, R$ 13.154,21, referentes à utilização de recurso de origem não identificada - RONI, e R$ 56.233,00, relativos a gastos irregulares com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, no montante de 70.787,21, nos termos da fundamentação.