PCE - 0602137-43.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/08/2024 00:00 a 08/08/2024 23:59

VOTO

Trata-se da prestação de contas apresentada pelo DIRETÓRIO ESTADUAL DO REPUBLICANOS DO RIO GRANDE DO SUL, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

Passo à análise das irregularidades apontadas pelo órgão técnico ao final do exame das contas.

1. Da Omissão de Despesas Eleitorais

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI) deste Tribunal apontou a existência de diversas despesas eleitorais não declaradas pelo candidato, para as quais houve emissão de nota fiscal eletrônica para o CNPJ de campanha, nos seguintes termos (ID 45613801):

No item 3 do Relatório de Exame de Contas (ID 45539622) e Parecer Conclusivo (ID 45570492) foi apontado que houve a identificação das seguintes omissões relativas às despesas constantes da prestação de contas em exame e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais, infringindo o que dispõe o art. 53, I, g, da Resolução TSE n. 23.607/2019:

 

Intimado, o partido político não se manifestou sobre o ponto.

A existência dos documentos fiscais contra o número de CNPJ do candidato, ausentes provas do efetivo cancelamento, retificação ou estorno, tem o condão de caracterizar a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nessa linha, o TSE entende que “gastos não declarados que tenham sido informados por fornecedores por meio do Sistema de Registro de Informações Voluntárias, e/ou constem de notas fiscais oriundas das Secretarias das Fazendas Estaduais e Municipais, (...) constituem omissão de despesas” (TSE; Prestação de Contas n. 97795, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, DJE, Tomo 241, Data 16.12.2019, p. 73).

Além disso, conforme atestou o órgão técnico, não há registro dos correspondentes pagamentos nas contas bancárias da agremiação.

Desse modo, as despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação dos gastos de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do partido político, caracterizando o recurso como de origem não identificada.

Com esse entendimento, cito o seguinte precedente desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. VEREADORA. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. SAQUE ELETRÔNICO DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. CONFIABILIDADE CONTÁBIL. MACULADA. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. RECOLHIMENTO DOS VALORES AO TESOURO NACIONAL. VALOR NOMINAL DAS IRREGULARIDADES. DIMINUTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO. PROVIMENTO PARCIAL. (...). 2. Detectadas 07 (sete) notas fiscais emitidas contra o CNPJ de campanha, sem que os recursos para quitação da despesa tenham transitado pelas contas bancárias da candidata, indicando omissão de gasto eleitoral. Os gastos não contabilizados afrontam o art. 53, inc. I, als. “g” e “i”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Nesse trilhar, a Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil. 3. As despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de modo paralelo à contabilidade formal da candidata, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19. (...).

(TRE-RS - RE: 06006545520206210094 IRAÍ/RS 060065455, Relator: DES. ELEITORAL FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Data de Julgamento: 03.02.2022). Grifei.

 

Assim, a quantia de R$ 959,52 deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, na forma prescrita pelo art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

2. Da Ausência de Destinação de Valor Mínimo do Fundo Partidário nas Cotas de Gênero e Raça

No item 5.1 do Relatório de Exame de Contas (ID 45539622) e do Parecer Conclusivo (ID 45570492), bem como no Relatório de Exame Complementar (ID 45613801), foram constatadas irregularidades na aplicação de recursos do Fundo Partidário nas cotas de gênero e nas cotas de candidaturas de pessoas negras.

Em relação à destinação de recursos à cota de gênero, considerando o montante total de despesas pagas com recursos do Fundo Partidário recebidos pelo prestador de contas (R$ 2.989.574,00) e o número de candidaturas femininas registradas, que representaram 30,69%, deveria a agremiação ter realizado o repasse mínimo de R$ 917.500,26 às candidaturas de mulheres.

Contudo, em descumprimento ao disposto no art. 19, § 3º, inc. I, e §§ 4º e 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19, o partido político repassou às candidaturas femininas apenas o valor de 799.399,10, que corresponde a 26,74% do montante recebido, configurando um repasse a menor de R$ 118.101,16 (R$ 917.500,26 - R$ 799.399,10).

No que tange à destinação de recursos do Fundo Partidário às candidaturas de pessoas negras, a unidade técnica apontou um repasse a menor de R$ 17.837,90 para candidaturas de pessoas negras ou pardas do gênero feminino, desatendendo o art. 19, § 3º, incs. II e III, e §§ 5º e 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante dados sintetizados na seguinte tabela (ID 45570492, fl. 7):

Em sua defesa, a agremiação impugna o valor total de recursos do Fundo Partidário utilizado para aferição do cumprimento das cotas de gênero e raça, asseverando que (ID 45602379):

A parte discorda do parecer da eminente unidade técnica acerca do quadro apresentado sobre o total recebido pela agremiação, no qual, o número é ponto de partida para os demais cálculos referentes à divisão dos valores exigidos pela legislação. Neste ponto, a agremiação, junta documentos que apontam o ponto de partida o valor de R$ 2.436,430 (Dois milhões quatro centos e trinta e seis mil e quatrocentos e trinta reais) para a realização da matemática requerida. Em anexo, a planilha interna da agremiação utilizada para fins de organização do partido visando o fiel cumprimento da lei.

Visando corroborar com a afirmação e clarear as transações, segue carreada a petição documentos e extratos bancários que visam elucidar a questão.

 

Quanto ao ponto, adoto a manifestação do setor de análise técnica, que bem ratifica a correção dos valores apurados a partir de gastos e despesas contabilizados pelo próprio partido político em seus demonstrativos contábeis:

Em que pese as alegações da agremiação partidária a respeito do valor considerado como ponto de partida para os demais cálculos, não houve comprovação a respeito da referida afirmação.

A planilha juntada aos autos no ID 45602380 trata-se de mero documento interno do partido.

Os valores utilizados como ponto de partida e apresentados no Parecer Conclusivo (ID 45570492) estão em conformidade com o que foi declarado pelo próprio partido em sua prestação de contas.

O total das despesas pagas com o Fundo Partidário, que é o valor utilizado como base para a análise da aplicação dos percentuais de gênero e raça, no montante de R$ 2.989.574,00, é o valor que foi declarado na prestação de contas do Republicanos, conforme se depreende do Demonstrativo de Receitas e Despesas apresentado (ID 45310109).

 

Reconhecida a aplicação de recursos do Fundo Partidário em desacordo com regras de financiamento mínimo para candidaturas femininas e de pessoas negras, imperiosa a condenação do partido político ao recolhimento do valor total de R$ 135.939,06 (R$ 118.101,16 + R$ 17.837,90) ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 19, § 9º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

3. Da Distribuição de Recursos do Fundo Partidário às Candidaturas Femininas e de Pessoas Negras Após o Prazo Legal

No item 5.1, letra “D”, do exame complementar das contas (ID 45613801), a unidade técnica apontou que o órgão partidário não observou o prazo estabelecido no art. 19, § 10, da Resolução TSE n. 23.607/19 para a transferência de recursos do Fundo Partidário às candidaturas femininas ou negras, relacionando uma série de repasses ocorridos a partir de 16.9.2022, conforme segue:

 

 

O art. 19, § 10, da Resolução TSE n. 23.607/19, em sua redação vigente à época do pleito de 2022, estabelecia que os recursos correspondentes aos percentuais previstos para o financiamento de candidaturas femininas e de pessoas negras “devem ser distribuídos pelos partidos até a data final para entrega da prestação de contas parcial”, marco esse estabelecido para a campanha em tela no dia 13.9.2022, consoante previsto no art. 47, § 4º, da mesma Resolução.

A finalidade da norma ao estabelecer uma data limite para a distribuição dos recursos é evitar que os valores sejam destinados apenas ao final do período de campanha, tão somente para cumprir os percentuais mínimos estabelecidos pela legislação eleitoral, sem que possam ser oportuna e efetivamente investidos na promoção de candidaturas de mulheres e de pessoas negras.

No caso em exame, observa-se que os recursos foram repassados em parcelas, logo em seguida à data limite para tanto, especialmente entre os dias 16, 19 e 21 de setembro, e que as distribuições ocorridas em 30 de setembro, mais próxima do pleito, envolveram material estimável em dinheiro tão somente, sem prejuízos incontornáveis ao planejamento financeiro de campanha dos candidatos e candidatas.

Assim, a despeito da inobservância do art. 19, § 10, da Resolução TSE n. 23.607/19, evidencia-se, na hipótese, uma falha de ordem formal, que não justifica a determinação de recolhimento das quantias correspondentes ao Tesouro Nacional, tendo em conta que a verba restou minimamente viabilizada para os fins legalmente previstos.

Em semelhante sentido, colho julgado deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. REPASSE DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO INFERIOR AO DEVIDO PARA CANDIDATURAS MASCULINAS DE PESSOAS PRETAS OU PARDAS. TRANSFERÊNCIA INTEMPESTIVA DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO PARA CANDIDATURAS FEMININAS OU NEGRAS. BAIXO PERCENTUAL. APLICADOS OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por diretório estadual de partido político, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

[...].

3. Transferência intempestiva de recursos do Fundo Partidário às candidaturas femininas ou negras. Inobservância do § 10 do art. 19 da Resolução TSE n. 23.607/19. No entanto, houve recebimento do valor pelo partido em data posterior ao comando legal, momento a partir do qual a quantia poderia ser distribuída. Ausente prejuízo às candidaturas em comento. Mesmo que a destempo, o partido destinou valor superior ao exigido pela norma eleitoral. Ademais, a lei não coíbe o pagamento de despesas após o marco definido no aludido art. 19, de forma que, dentro do prazo de apresentação da contabilidade final do pleito, os candidatos já dispunham da cifra destinada ao financiamento de suas campanhas. Afastada a necessidade de recolhimento ao erário. Mantida a necessidade de ressalvas quanto ao ponto. Nesse sentido, jurisprudência deste Tribunal.

4. A irregularidade representa 3,2% do total auferido, soma que permite, na linha do entendimento desta Corte, aplicados os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, mitigar o juízo reprobatório da contabilidade.

5. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS n. 060253405, Acórdão, Des. Nilton Tavares Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 28.06.2024.) Grifei.

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO ESTADUAL. PARTIDO POLÍTICO. ELEIÇÕES 2022. ATRASO NOS REPASSES DE RECURSOS ÀS CANDIDATURAS FEMININAS, DE MULHERES NEGRAS E DE HOMENS NEGROS. AUSÊNCIA DE DESTINAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DO FUNDO PARTIDÁRIO ÀS CANDIDATURAS MASCULINAS DE PESSOAS NEGRAS. BAIXO PERCENTUAL. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por diretório estadual de partido político, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

2. Atraso nos repasses de recursos às cotas de gênero e étnica. A Resolução TSE n. 23.607/19 regula, em seu art. 19, a distribuição de recursos do Fundo Partidário para financiamento de candidaturas femininas e de pessoas negras. Na hipótese, o atraso dos repasses não prejudicou a utilização dos recursos transferidos, já que a maior doação foi efetuada poucos dias após a data limite. As peculiaridades do caso, em especial a distribuição dos repasses em três parcelas, permite que se acolha a justificativa da agremiação para que ao atraso resulte apenas na anotação de ressalvas na contabilidade. Circunstância a ser analisada caso a caso, observando a data do repasse e a proximidade do pleito, assim como o percentual dos valores envolvidos em cada transferência e a comprovação de que os candidatos puderam usufruir adequadamente dos recursos públicos, a fim de que se estabeleçam as sanções para o descumprimento da norma.

[...].

5. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS n. 060279737, Acórdão, Des. Voltaire De Lima Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 06.03.2024.) Grifei.

 

Desse modo, ausente violação concreta e grave aos fins das ações afirmativas de fomento à participação política de mulheres e de pessoas negras, no caso concreto, é suficiente a aposição de ressalvas em relação ao apontamento.

 

Do Julgamento das Contas

Por fim, destaco que o somatório das irregularidades alcança o valor de R$ 136.898,58 (item 1: R$ 959,52 + item 2: R$ 135.939,06), que representa 3,27% dos recursos declarados pelo partido político (R$ 4.180.366,86), admitindo o juízo de aprovação com ressalvas mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Nada obstante, deve ser comandado ao órgão partidário o recolhimento do montante total de R$ 136.898,58 ao Tesouro Nacional, dos quais a quantia de R$ 959,52 refere-se ao uso de recursos de origem não identificada (art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19) e o montante de R$ 135.939,06 envolve o descumprimento das cotas de financiamento de candidaturas femininas e de pessoas negras com recursos do Fundo Partidário (art. 19, § 9º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas do DIRETÓRIO ESTADUAL DO REPUBLICANOS DO RIO GRANDE DO SUL, com base no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação ao órgão partidário do recolhimento total de R$ 136.898,58 ao Tesouro Nacional, sendo R$ 959,52 por utilização de recursos de origem não identificada e R$ 135.939,06 por descumprimento das normas de financiamento de candidaturas femininas e de pessoas negras com recursos do Fundo Partidário.