REl - 0600012-83.2024.6.21.0113 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/08/2024 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os pressupostos de admissibilidade, de modo que merece conhecimento.

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo DIRETÓRIO MUNICIPAL do MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) de Porto Alegre/RS, em face da sentença prolatada pelo Juízo da 113ª Zona Eleitoral, a qual julgou extinto o feito, sem resolução do mérito, não conhecendo da representação por propaganda eleitoral antecipada negativa ajuizada contra o movimento social “COMITÊ POPULAR ESPERANÇAR – APOIO AO GOVERNO LULA” e as pessoas naturais de SOFIA CAVEDON NUNES, MÁRIO ROBERTO GENEROSI BRAUNER, MARCOS PAULO STIGGER e VINICIUS TEIXEIRA GALEAZZI.

O objeto da demanda versa sobre a distribuição em pontos diversos da capital de dois panfletos com o seguinte conteúdo:

No primeiro, está exposta a chamada “Corrupção na Prefeitura. A Polícia prende servidores de Melo. É um escândalo sem precedentes em Porto Alegre”, seguida de texto tratando de fatos ocorridos em 23 de janeiro de 2024, relativos à operação da Polícia Civil envolvendo a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre e suposto cometimento de fraude em licitações e associação criminosa na compra de livros, assim como afirmando que o Secretário de Modernização da Prefeitura, Alexandre Borg, teria sido afastado do cargo por determinação da Justiça. Ao final do panfleto constam as frases: “E nós continuamos a perguntar: Prefeito Melo vai continuar dizendo que não sabia de nada? A RBS vai continuar protegendo o Prefeito?”.

No segundo panfleto, por sua vez, consta a chamada “Melo é o caos. Deixou toda a cidade sem água e luz”, contendo foto do rosto do Prefeito Sebastião de Araújo Melo, seguida de texto abordando as consequências das chuvas e ventanias que atingiram a cidade no mês de janeiro de 2024, as quais afetaram o abastecimento de água e energia elétrica. Também cita, de forma negativa, a venda da CARRIS e a suposta intenção de privatização do DMAE, finalizando com as frases “A periferia vai ficar sem abastecimento de água por longos períodos e com a energia elétrica cada vez mais cara! Até nossos parques e praças estão na mira da concessão por 30 anos, e a população precisa pagar para usar o que hoje é público e gratuito”.

Em ambos os impressos, consta logomarca alusiva ao “COMITÊ POPULAR ESPERANÇAR”.

Inicialmente, passo à análise das preliminares suscitadas.

 

I. Preliminares

I.1. Da ilegitimidade passiva dos recorridos SOFIA CAVEDON NUNES, MÁRIO ROBERTO GENEROSI BRAUNER, MARCOS PAULO STIGGER e VINICIUS TEIXEIRA GALEAZZI

Na esteira do pontuado na sentença ora vergastada e na linha do parecer emanado pelo douto Procurador Regional Eleitoral, tenho que inexistem elementos nos autos que estabeleçam, com a suficiente segurança juridicamente exigida, que as pessoas naturais recorridas são responsáveis pela elaboração, confecção ou distribuição do material objeto da representação.

Da leitura da inicial e da peça recursal, depreende–se que o recorrente alega que os recorridos exercem a “liderança política” do movimento social. No entanto, não há, mesmo a partir de um exame puramente abstrato da correlação entre a narrativa apresentada na petição inicial e das provas carreadas, o necessário liame entre as partes demandadas e a propaganda impugnada.

Da análise do caderno probatório, sobressai que SOFIA CAVEDON NUNES, MÁRIO ROBERTO GENEROSI BRAUNER, MARCOS PAULO STIGGER e VINICIUS TEIXEIRA GALEAZZI são apoiadores e participantes – com maior ou menor intensidade – das atividades do aludido movimento social. Todavia, não existem nos autos provas de que exerçam ou participem da coordenação ou gestão do coletivo.

O material colacionado a partir de postagens e links de redes sociais dos representados (documentos ID 45655635, 45655636, 45655638, 45655639, 45655643, 45655644, 45655647, 45655652) evidencia a participação dos recorridos em atividades do movimento social, além da notória relação social entre eles (como se pode verificar dos documentos de ID 45655636, por exemplo).

Ademais, conforme se extrai do conteúdo juntado, VINICIUS TEIXEIRA GALEAZZI (Documento ID 45655637, 45655646, 45655648 e 45655639) utilizou-se de seus dados pessoais para ação social do coletivo, destinada às vítimas da catástrofe climática que assolou o estado do Rio Grande do Sul, o que não possui, por si só, o condão de relacioná-lo com a direção do movimento. Vejamos:

“CAMPANHA DE AJUDA ÀS ILHAS

O COMITÊ POPULAR ESPERANÇAR está comprando e distribuindo mantimentos e material de limpeza para as lideranças das comunidades flageladas pelas cheias nas ilhas de Porto Alegre, com o recurso da campanha que arrecadou, até o momento R$ 3.750,00.

Se você ainda não participou, qualquer contribuição ajuda.

Pix: CPF 090.867.060-53”

De todo modo, não se desconhece da alegação recursal de que incumbiria aos recorridos indicar quem seriam os supostos representantes do “Comitê Esperançar”, nos termos do art. 339 do Código de Processo Civil e, mesmo, da lição trazida pelo Ministério Público Eleitoral de que, “se o réu não tem relação com o feito, e talvez deva provar isso, a solução da questão pode envolver uma maior complexidade, talvez mesmo de instrução probatória”.

Tal dinâmica processual, no entanto, não é compatível com a celeridade exigida pelo rito das representações em propaganda eleitoral, como se pode extrair da jurisprudência que colaciono:

ELEIÇÕES 2022. RECURSO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT). EVENTO ATRIBUÍDO AO DIRETÓRIO DO PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE, EM BENEFÍCIO DO PRÉ-CANDIDATO LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA. PRETENDIDA CONCESSÃO DE PRAZO PARA SUBSTITUIÇÃO DO RÉU, NOS TERMOS DO ART. 338 DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL. DISPOSITIVO INCOMPATÍVEL COM O RITO MARCADAMENTE CÉLERE DAS REPRESENTAÇÕES POR PROPAGANDA IRREGULAR. INTELIGÊNCIA DO ART. 17 DA RES. -TSE No 26.608/2019 C.C. O PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DA RES.-TSE N o 23.478/2016. DESPROVIMENTO. 1) Segundo o entendimento desta Corte, "A legitimidade ad causam deve ser aferida com base na teoria da asserção, isto é, a partir de um exame puramente abstrato da correlação entre a narrativa apresentada na petição inicial e as partes demandadas" (RO no 0603037-55/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, publicado em 23.3.2022). 2) As sanções previstas no § 3º do art. 36 da Lei nº 9.504/1997 para hipóteses de propaganda eleitoral antecipada atingem o "responsável pela divulgação da propaganda" e o "beneficiário" do ato, quando comprovado seu prévio conhecimento, daí derivando a manifesta ilegitimidade passiva de agremiação partidária materialmente alheia aos episódios questionados na representação, vício que pode ser reconhecido inclusive de ofício, nos termos do art. 17 da Res.-TSE nº 23.608/2019 c.c. o art. 485, § 3º, do CPC. 3) O art. 338 do CPC é materialmente incompatível com o rito marcadamente célere previsto no art. 96 da Lei nº 9.504/1997 e na Res.-TSE no 23.608/2019, que não preveem a possibilidade de deferimento de prazo para eventual emenda à inicial (art. 2º, parágrafo único, da Res.-TSE nº 23.478/2016). 4) Recurso a que se nega provimento. (TSE - Rp: 06003470920226000000 BRASÍLIA - DF 060034709, Relator: Min. Maria Claudia Bucchianeri, Data de Julgamento: 30/08/2022, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão.) (Grifei.)

Com isso, adequado o afastamento da legitimidade passiva dos recorridos frente à lide posta.

 

I.2. Da Ilegitimidade Passiva do “COMITÊ POPULAR ESPERANÇAR”

O recorrente indicou no polo passivo da representação o movimento social “COMITÊ POPULAR ESPERANÇAR”, sem personalidade jurídica formalizada, conforme informações que se extraem dos autos e de seu sítio na internet (https://www.esperancarpoa.com.br/).

Em suas próprias palavras (documento 45655636, anexo à inicial), o movimento social “dedica-se ao estabelecimento de conexões com grupos urbanos afetos ao Esperançar, na perspectiva de, via comunicação horizontal, contribuir para a compreensão das dinâmicas políticas de interesses coletivos, assim como identificar necessidades e possibilidades de que essas sejam supridas”.

Vê-se, portanto, que o chamado " COMITÊ POPULAR ESPERANÇAR " não possui personalidade jurídica de direito privado formalizada, sendo, em verdade, uma reunião organizada de pessoas físicas com objetivos dos mais diversos. Nas palavras da socióloga e professora Maria da Gloria Gohn: “Os movimentos ‘sociais’ são fluidos, fragmentados, perpassados por outros processos sociais (GOHN, Maria da Glória. Teorias dos Movimentos Sociais – Paradigmas Clássicos e Contemporâneos. 14ª ed. São Paulo: Loyola, 2017 [1997] p. 344).

Nessas circunstâncias, na esteira de recente julgado deste Colegiado, não é possível imputar a responsabilidade por propaganda eleitoral irregular a um movimento político ou social desprovido de personalidade jurídica, sob pena de tornarem-se inexequíveis eventuais condenações à abstenção de condutas,  ao pagamento de multas ou à remoção de conteúdo. Vejamos:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. IMPROCEDENTE. ELEIÇÕES 2024. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. INTERNET. PRELIMINARES. AFASTADA A ALEGAÇÃO DE INOVAÇÃO RECURSAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE PARTIDO FEDERADO PARA ATUAR ISOLADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE MOVIMENTO COLETIVO SEM PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. POSTAGENS NA INTERNET. ALGUMAS SEM A CARACTERÍSTICA DE ATO ABUSIVO OU FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO. OUTRAS COM INEQUÍVOCA DIVULGAÇÃO DE PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. RESPONSABILIZAÇÃO DE APENAS UM DOS REPRESENTADOS. DETERMINADA REMOÇÃO DO CONTEÚDO IRREGULAR E ABSTENÇÃO DE NOVA VEICULAÇÃO DOS MESMOS CONTEÚDOS. APLICADA MULTA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente representação por propaganda eleitoral antecipada negativa na internet.

2. Preliminares. 2.1. Afastada a alegação de inovação recursal. A petição inicial da representação não limitou seus argumentos à eventual propaganda ofensiva à honra do candidato, mas também incluiu a questão relativa ao pedido explícito de não voto, ínsito à própria noção do ilícito imputado. Ademais, uma vez demarcados os fatos na representação, cabe ao juiz aplicar as normas jurídicas apropriadas a fim de identificar a presença dos elementos caracterizadores da alegada propaganda eleitoral antecipada negativa, em suas diferentes materializações, para o que não está delimitado pelo enquadramento jurídico atribuído pelo autor. 2.2. Ilegitimidade passiva de partido federado. A jurisprudência sedimentou o entendimento de que, a partir do deferimento do registro da federação partidária pelo TSE, os partidos políticos que a integram não possuem legitimidade ativa ou passiva para atuarem isoladamente em ação judicial eleitoral, ante o dever da atuação unificada prevista na legislação. Manifesta a ilegitimidade passiva do órgão partidário para compor o polo passiva da demanda de forma isolada. Acolhida a preliminar, julgado extinto o processo sem resolução do mérito em relação a agremiação, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil. 2.3. Ilegitimidade passiva de movimento coletivo sem personalidade jurídica. Não é possível imputar a responsabilidade por propaganda eleitoral irregular a um movimento político ou social desprovido de personalidade jurídica, sob pena de se tornar inexequíveis eventuais condenações à abstenção de condutas, pagamento de multas ou remoção de conteúdo. No caso dos autos, o chamado “Movimento Coletivo” não possui personalidade jurídica de direito privado, sendo, em verdade, uma reunião organizada de pessoas físicas que deliberariam coletivamente sobre o exercício do mandato eletivo titularizado por vereador. Na realidade, a imputação de eventuais ilícitos deve recair sobre a pessoa física responsável pela página eletrônica, ora identificada como sendo o vereador representado. Portanto, reconhecida a ilegitimidade passiva do “Movimento Coletivo”, em relação ao qual, julgado extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil.

3. Matéria fática. Realização, no decorrer do mês de abril de ano eleitoral, de postagens no Instagram e no sítio "Movimento Coletivo", com propaganda eleitoral antecipada e negativa em desfavor de pré-candidato a prefeito, promovendo campanha focada no chamamento à participação política de jovens.

4. O art 17, inc. III, da Resolução TSE n. 23.608/19 estabelece a necessidade de identificação dos endereços eletrônicos de cada postagem nos casos de propaganda via internet, estabelecendo, ainda, a obrigação de indicar prova de que a parte representada é responsável pela publicação. Na espécie, embora a exordial tenha incluído diversos correpresentados no polo passivo da demanda, todas as URLs direcionadas ao aplicativo Instagram referem-se apenas a postagens realizadas no perfil do vereador representado, não se desincumbindo o representante do ônus que lhe cabia de indicação específica do conteúdo atacado dentro do perfil pessoal de cada um dos representados e representadas.

5. Conforme o art. 36 da Lei n. 9.504/97, a propaganda somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição, sob pena de configurar propaganda antecipada passível de multa, nos termos regulados pelos arts. 2º e 3º-A da Resolução TSE n. 23.610/19. Inequívoco que, antes do período eleitoral, o vereador representado divulgou publicações contendo expressões que denotam o pedido direto e explícito de não voto em pré-candidato ao cargo de prefeito, nominalmente indicado, bem como alusão às eleições próximas, estando, portanto, suficientemente preenchidos os requisitos objetivos estabelecidos pela jurisprudência do TSE para a configuração de propaganda eleitoral antecipada negativa. Dessa forma, a prova dos autos e o teor das divulgações apresentam-se suficientes para a responsabilização do representado por propaganda eleitoral antecipada, nos termos do art. 2º, § 4º, da Resolução TSE n. 23.610/19 e do art. 36, § 3º, da Lei n. 9.504/97. Por outro lado, as demais postagens, enfatizando comentários sobre a importância de que os jovens priorizem certas demandas políticas genéricas, tais como a "justiça climática", "a valorização dos espaços públicos" e "moradia estudantil", visam ao chamamento do voto em favor de determinada plataforma ou ação política e não contra ou a favor de certo candidato, sem incorrer em pedido direto de voto ou de não voto, em ato abusivo ou na divulgação de fato sabidamente inverídico. Dessa forma, com relação a estas postagens, deve prevalecer a intervenção mínima da Justiça Eleitoral sobre a liberdade de manifestação na arena democrática, consoante orientação expressamente trazida no art. 27, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.610/19.

6. Determinada a remoção somente dos conteúdos irregulares, a abstenção de nova veiculação dos mesmos conteúdos e aplicada multa ao representado responsável. Na ausência de maiores informações sobre a quantidade de visualizações e projeção das mensagens sobre o público, mas valorando negativamente a utilização de duas diferentes aplicações de internet para a propagação de três peças irregulares, fixada proporcionalmente a sanção pecuniária.

7. Parcial provimento. Reconhecimento da ilegitimidade passiva do partido e do “movimento coletivo”. Extinção sem resolução do mérito. Parcial procedência da representação com relação ao representado vereador. Multa. Improcedência quanto aos demandados remanescentes. (RECURSO ELEITORAL 0600008-96.2024.6.21.0161 - Porto Alegre - RIO GRANDE DO SUL. RELATOR: MARIO CRESPO BRUM) (Grifei.)

Assim, de ofício, reconheço a ilegitimidade passiva do movimento social "COMITÊ POPULAR ESPERANÇAR", em relação ao qual julgo extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil.

Diante do exposto, conheço do recurso e VOTO para, de ofício, RECONHECER A ILEGITIMIDADE PASSIVA do “COMITÊ POPULAR ESPERANÇAR”, julgando extinto o processo sem resolução do mérito em relação ao referido ente sem personalidade jurídica, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil e, na esteira do parecer ministerial, acolhendo as preliminares de ilegitimidade passiva de SOFIA CAVEDON NUNES, MÁRIO ROBERTO GENEROSI BRAUNER, MARCOS PAULO STIGGER e VINICIUS TEIXEIRA GALEAZZI, ofertadas em contrarrazões, NEGAR PROVIMENTO ao recurso eleitoral, mantendo hígida a sentença que julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 17, inc. I, da Resolução TSE n. 23.608/19 e no art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil.

É o Voto.