RSE - 0600123-95.2021.6.21.0073 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/08/2024 às 14:00

VOTO

 

O recurso é tempestivo e deve ser conhecido.

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto em face de decisão que rejeitou denúncia oferecida contra ANA CAROLINA DOS SANTOS, com fundamento no art. 358 do Código Eleitoral e no art. 395, inc. III, do Código de Processo Penal.

A peça acusatória assim descreveu o suposto fato delituoso (ID 45615937):

Durante todo o dia 15 de novembro de 2020, dia da eleição do pleito de 2020, a denunciada ANA CAROLINA DOS SANTOS impulsionou conteúdo, consistente em vídeo de divulgação de sua candidatura ao cargo de vereadora, na aplicação de internet Facebook.

A denunciada contratou impulsionamentos pagos de um vídeo no período de 11 a 16 de novembro de 2020, estando o conteúdo ativo no dia da eleição, o que é vedado pela legislação em vigor. O vídeo, que consta nos autos e que pode ser acessado pelo link https://www.facebook.com/ads/library/?id=1321516218197642 tem cunho nitidamente eleitoral, contendo informações sobre sua candidatura, inclusive nome e o número pelo qual concorria.

Assim agindo, a denunciada ANA CAROLINA DOS SANTOS incorreu nas sanções do art. 39, § 5º, inciso IV, da Lei nº 9.504/1997, com redação dada pela Lei nº 13.488/2017, pelo que o Ministério Público Eleitoral oferece a presente denúncia, requerendo a sua citação, para, querendo, apresentar suas alegações escritas. Após, pugna pelo recebimento da denúncia, com a oitiva das testemunhas adiante arroladas, preenchidas as demais formalidades legais, até final julgamento e condenação.

 

A proposta de suspensão condicional do processo não foi aceita (ID 45615943) e, após a apresentação da defesa, foi proferida a decisão recorrida, que rejeitou a denúncia com a seguinte fundamentação (ID 45615972):

Na medida em que a ré apresentou prova documental a respeito do lapso temporal desses anúncios, proveniente da mesma aplicação de internet, mas em sentido contrário ao da denúncia, a conclusão é no sentido de que o acervo probatório não é minimamente seguro no sentido da prática da infração penal imputada, faltando justa causa.

Desse modo, diante do exíguo conjunto probatório acerca dos fatos narrados na denúncia e tendo sido apresentada pela ré prova documental no sentido contrário ao narrado na peça acusatória, é o caso de se rejeitar a denúncia, na forma do art. 358 do Código Eleitoral.

Tal se afirma pois, nesse caso, a ação penal foi movida sem um acervo probatório mínimo e seguro para desencadear a ação penal, circunstância que caracteriza a ausência de justa causa para a ação penal, na forma do art. 395, III, do Código de Processo Penal.

 

O dispositivo do Código Eleitoral que fundamentou a decisão prevê que a denúncia será rejeitada quando o fato narrado evidentemente não constituir crime; já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa; ou for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal.

Já o preceito do Código de Processo Penal autoriza a rejeição da denúncia ou queixa quando faltar justa causa para o exercício da ação penal.

Adianto que o recurso merece ser provido, uma vez que a análise do acervo probatório foi realizada de forma prematura.

O oferecimento da denúncia demanda a apresentação de indícios suficientes de materialidade e autoria (justa causa), sendo exigível apenas após a instrução acervo probatório seguro para eventual decreto condenatório.

A análise do recebimento da denúncia não pode desbordar desse parâmetro, uma vez que apenas com a realização da instrução processual será possível verificar se as provas produzidas são aptas para sustentar condenação penal, assim como se a conduta eventualmente pode ser atribuída à pessoa diversa do candidato no caso de impulsionamento de propaganda eleitoral no dia da eleição.

Observe-se que o tipo penal indicado na inicial, ou seja, o art. 39, § 5º, inc. IV, da Lei n. 9.504/97, prevê pena de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR, para a conduta de publicar novos conteúdos ou impulsionar conteúdos contendo propaganda eleitoral em aplicações de internet no dia da eleição.

A consulta à biblioteca de anúncios do Facebook juntada aos autos pelo Ministério Público Eleitoral (ID 45615899), assim como o relatório de cobrança trazido pela própria acusada (ID 45615948), aparentemente emitido por Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., possibilita que se verifique o pagamento de anúncios, no dia 15.11.2020, no valor de R$ 109,67 (ID 45615948).

Embora a recorrida também tenha apresentado prints de consultas às postagens, mediante ata notarial (ID 45615949) a partir da qual sustenta que os impulsionamentos não perduram durante o dia do pleito, a aparente contradição entre os documentos denota uma dúvida relevante a ser dirimida no decorrer da persecução penal, pois, na fase de recebimento da acusação, a dúvida merece ser solvida em favor da sociedade (princípio in dubio pro societate).

Com efeito, esses elementos oferecem o suporte mínimo a recomendar que conduta descrita na denúncia seja devidamente apurada, com a instrução processual sob os princípios do contraditório e da ampla defesa, a fim de que se constate, de modo cabal, possível ocorrência ou não de impulsionamento de propaganda eleitoral no dia do pleito.

O fato a ser apurado foi devidamente descrito na inicial, assim como as circunstâncias que envolveram a conduta, havendo indícios suficientes de autoria e materialidade a configura a justa causa para a ação penal.

Para o processamento da ação penal não são exigíveis provas plenas e absolutas de autoria e materialidade, já que a natureza da decisão que examina os requisitos para o recebimento da denúncia é diversa daquela aplicada por ocasião da sentença definitiva.

Ao analisar caso semelhante, também oriundo do Município de São Leopoldo, este Tribunal recentemente decidiu que a “denúncia cumpre os requisitos elencados nos arts. 41 do Código de Processo Penal e 357, § 2º, do Código Eleitoral” quando acompanhada de “prints de tela do Facebook e certidão expedida pelo Oficial do Ministério Público”, tal como no processo que ora se examina.

Na mesma ocasião, decidiu-se que esses elementos “configuram início de prova, mesmo que indiciária, suficiente, para justificar a oferta de acusação em juízo” (TRE-RS, Recurso em Sentido Estrito n. 0600132-57.2021.6.21.0073, Relator Desembargador Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 12.06.2024).

Nessa linha, a decisão recorrida deve ser reformada, para o fim de receber a denúncia e determinar o prosseguimento da ação penal.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO por dar provimento ao recurso, para o fim de receber a denúncia e determinar o prosseguimento da ação penal.