VOTO
1. Admissibilidade Recursal
1.1. Preliminar de não conhecimento do recurso do PRD
Conforme já consignei no relatório, em razão de o PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) ter se fusionado com o PATRIOTA, fazendo surgir a nova agremiação denominada PARTIDO RENOVAÇÃO DEMOCRÁTICA (PRD), esta foi notificada para regularizar sua representação nos autos, nos termos do previsto no art. 76, caput, do CPC, tendo decorrido o prazo sem qualquer manifestação da grei.
Assim, tal como determina o inc. I do § 2º do art. 76 do CPC, descumprida a determinação de regularização da representação da parte, em fase recursal, o relator não conhecerá do recurso se a providência couber ao recorrente.
Por consequência, não deve ser conhecido o recurso do PARTIDO RENOVAÇÃO DEMOCRÁTICA (PRD).
1.2. Preliminar de não conhecimento do recurso suscitada pelos recorridos
Nesse sentido, esclareço que estou superando a preliminar de não conhecimento do recurso, suscitada pelos recorridos em contrarrazões, com base na inobservância do princípio da dialeticidade, por não ter o recorrente, supostamente, impugnado especificamente os fundamentos da sentença, conforme exigem o art. 932, inc. III, do CPC e o Enunciado da Súmula n. 26 do Tribunal Superior Eleitoral.
Isso porque o recorrente formulou pedido expresso de reforma da sentença, sob o argumento de que as provas apresentadas comprovam a ocorrência de captação ilícita de sufrágio, abuso de poder político e econômico e transferência irregular de eleitores em prol da candidatura dos recorridos, inclusive correlacionando a prova produzida aos fatos que, a seu ver, estariam comprovados.
Assim, a pretensão deduzida pela parte recorrente impugna especificamente os fundamentos da sentença e atende ao requisito da dialeticidade, bem como demonstra o interesse recursal na alteração do resultado do julgamento, viabilizando o conhecimento do recurso.
Superada essa questão prefacial, tenho que o recurso é tempestivo e atende aos demais pressupostos, devendo ser conhecido.
Passo ao exame do mérito.
2. Mérito
Os fatos versam sobre supostas práticas de abuso de poder político e econômico, captação ilícita de sufrágio e fraude eleitoral reunidos em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), ação de cunho constitucional, com assento no art. 14, §§ 10 e 11, da Constituição Federal, cujas hipóteses de cabimento são o abuso do poder econômico, corrupção ou fraude:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
[...]
§10 O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.
§11 A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé.
As condutas que podem caracterizar a procedência de uma AIME não são taxativas, sendo atos ilícitos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito, rompendo com a normalidade e legitimidade do pleito.
Nessa senda, cita-se a doutrina de Rodrigo López Zílio (Direito Eleitoral - 8ª ed. rev., ampl. e atual., - São Paulo: Editora Jurispodivm, 2022, p. 717):
Portanto, da antinomia das normas, em uma interpretação sistemática, deve se sobrepor aquela que melhor observe o fim básico do Direito Eleitoral, que é a preservação da higidez da manifestação de vontade do corpo eleitoral. Em conclusão, não obstante a omissão do legislador constituinte ao estabelecer as hipóteses normativas do § 10 do art. 14 da CF, deve prevalecer o entendimento de que é cabível a apuração de toda e qualquer forma e espécie de abuso de poder – seja político, de autoridade, econômico ou uso indevidos dos veículos e meios de comunicação social – na AIME. (Grifo nosso.)
Por sua vez, o abuso de poder encontra-se normatizado no art. 22, caput e incs. XIV e XVI, da LC n. 64/90:
Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:
(...)
XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
(...)
XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
Na lição de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral Essencial, São Paulo: Editora Método, 2018, pp. 228-229):
Haverá abuso sempre que, em um contexto amplo, o poder – não importa sua origem ou natureza – for manejado com vistas à concretização de ações irrazoáveis, anormais, inusitadas ou mesmo injustificáveis diante das circunstâncias que se apresentarem e, sobretudo, ante os princípios e valores agasalhados no ordenamento jurídico. Por conta do abuso, ultrapassa-se o padrão normal de comportamento, realizando-se condutas que não guardam relação lógica com o que normalmente ocorreria ou se esperaria que ocorresse. A análise da razoabilidade da conduta e a ponderação de seus motivos e finalidades oferecem importantes vetores para a apreciação e o julgamento do evento; razoável, com efeito, é o que está em consonância com a razão.
(...)
No Direito Eleitoral, o abuso de poder consiste no mau uso de direito, situação ou posição jurídicas com vistas a exercer indevida e ilegítima influência em dada eleição. Para caracterizá-lo, fundamental é a presença de uma conduta em desconformidade com o Direito (que não se limita à lei), podendo ou não haver desnaturamento dos institutos jurídicos envolvidos. No mais das vezes, há a realização de ações ilícitas ou anormais, denotando mau uso de uma situação ou posição jurídicas ou mau uso de bens e recursos detidos pelo agente ou beneficiário ou a eles disponibilizados, isso sempre com o objetivo de influir indevidamente em determinado pleito eleitoral.
As práticas abusivas, nas suas diferentes modalidades, não demandam prova da sua interferência no resultado da votação, mas, tão somente, da gravidade das condutas para afetar o equilíbrio entre os candidatos e, com isso, causar mácula à normalidade e à legitimidade da disputa eleitoral (TSE, AIJE n. 060177905, Acórdão, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJE de 11.3.2021), valores tutelados pelo art. 14, § 9º, da Constituição Federal:
Art. 14. (...)
(...)
§9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
No que respeita especificamente ao abuso de poder econômico, é necessário que a conduta abusiva tenha em vista processo eleitoral futuro ou em curso, concretizando ações ilícitas ou anormais, das quais se denote o uso de recursos patrimoniais detidos, controlados ou disponibilizados ao agente, que extrapolem ou exorbitem, no contexto em que se verificam, a razoabilidade e a normalidade no exercício de direitos e o emprego de recursos com o propósito de beneficiar determinada candidatura, provocando a quebra da igualdade de forças que deve preponderar no âmbito da disputa eleitoral.
Trata-se de instituto aberto, não sendo definido por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir práticas e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.
A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade da conduta capaz de alterar a simples normalidade das campanhas, sem a necessidade da demonstração de que, sem a prática abusiva, o resultado das urnas seria diferente.
Por sua vez, a captação ilícita de sufrágio (compra de voto) tem previsão legal no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, cuja redação a seguir transcrevo:
Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)
§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
Por conseguinte, é necessária a demonstração de que o candidato realizou uma das condutas da supracitada norma, mesmo que não seja possível determinar exatamente qual foi o eleitor eventualmente corrompido.
Postas essas considerações teóricas, passo à análise do caso concreto.
A Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME, com fundamento no art. 14, § 10, da Constituição Federal, cumulada com Pedido de Tutela Provisória de Urgência, o qual foi autuado de forma autônoma sob o n. 0600040-49.2021.6.21.0083, foi ajuizada pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT, de Barra Funda/RS, e PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO – PTB, Barra Funda/RS, contra MARCOS ANDRÉ PIAIA e ANDRÉ SIGNOR, candidatos respectivamente a prefeito e a vice-prefeito de Barra Funda/RS, eleitos em 2020, CÁSSIO OLAVO GNOATTO, JERRI ANTÔNIO DURANTI, candidatos a vereador, eleitos, ELAINE MOREIRA DO AMARAL, candidata a vereadora que alcançou a suplência, e PARTIDO PROGRESSISTA – PP, de Barra Funda/RS.
A parte autora, ora recorrente, fundamentou o pedido de cassação dos mandatos em quatro fatos imputados aos recorridos que, a seu ver, interferiram na lisura do pleito municipal de 2020: 1) promessa e entrega de bens e dinheiro a eleitores em troca de voto; 2) colocação de placas com propaganda institucional em vias públicas em período vedado, abuso de poder político e econômico expresso em conduta vedada pelo art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei. n. 9.504/97; 3) usos de bens e serviços públicos de forma gratuita, distribuição de testes de COVID-19, espécie de abuso de poder econômico consubstanciando conduta vedada pelo art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97; 4) inscrição fraudulenta de eleitores (ID 45441029 do REL 0600007-59).
Em tutela de urgência (ID 45441060 do REL 0600007-59), foi deferido o pedido de busca e apreensão dos aparelhos de telefone celular de MARCOS ANDRÉ PIAIA e de sua esposa, ANDRÉ SIGNOR, CÁSSIO OLAVO GNOATTO e de sua esposa, JERRI ANTÔNIO DURANTI, ELAINE MOREIRA DO AMARAL, do cabo eleitoral ADILSON COSTA, bem como acesso ao cadastro de todos os eleitores do Município de Barra Funda/RS.
Apresentada a contestação e outros documentos pelos réus, ora recorridos (ID 45441074 a ID 45441096, ID 45441153 a 45441155, ID 45441273 a ID 45441281 do REL 0600007-59), iniciou-se a instrução processual, acostando-se aos autos o laudo da perícia técnica empreendida nos aparelhos celulares (ID 45441162 e 45441163 do REL 0600007-59) e a prova oral (ID 45441215 a ID 45441256, ID 45441262, ID 45441287 a 45441331 do REL 0600007-59).
Após, adveio o parecer do Ministério Público Eleitoral pela improcedência da ação (ID 45441343 do REL 0600007-59). Por fim, sobreveio a sentença, que julgou improcedentes os pedidos da Ação de Impugnação de Mandado Eletivo (ID 45441344 do REL 0600007-59).
Inicialmente, cabe ressaltar que o feito se restringe a analisar as seguintes irresignações:
A) promessa e entrega de bens e dinheiro a eleitores em troca de voto caracterizando abuso de poder econômico em modalidade semelhante à captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/1997;
B) inscrição fraudulenta de eleitores.
Pois bem.
A) Da suposta promessa e entrega de bens e dinheiro a eleitores em troca de votos
O conjunto probatório traz como prova indiciária áudios de WhatsApp, notadamente os referidos nas páginas 05 a 08 do recurso de ID 45441348; além de print screens de mensagens de WhatsApp, contidos em link direcionado ao Google Drive com diversas pastas assim nominadas “Áudios mais importantes para o recurso”, “Eleitores que transferiram o título – FRAUDE”, “Áudio das telas de WhatsApp”, “Erro PJE”, “Art. 73, IV – Abuso de Poder Político(…)”, “Documentos apresentados em audiência”, “Empenhos com Constantina – Cabo Eleitoral (…)”, “Áudio do relatório dos fatos – Corrupção (…), Audiência 23/08”, “Vista do celular 17/02”, Busca e Apreensão”, “Vídeos das Placas – Abuso de Poder Pol (…)", “Audiência 16/09”, “Compra de Testemunha”.
Conquanto as gravações (áudios de WhatsApp), em especial as contidas nas páginas 05 a 08 do recurso de ID 45441348 do REL 0600007-59, atribuídas a Lucas de Mattos Custódio, José Carlos Lima e Thiallisson Santos, sejam indicativos de ilícitos eleitorais, tanto que serviram à concessão de tutela de urgência, os fatos que pretendiam comprovar não foram corroborados pelos demais elementos de prova. Assim, o conjunto probatório carece de robustez necessária para o reconhecimento do abuso de poder econômico e político em que se funda o pedido de cassação.
A Lucas de Mattos Custódio, identificado no recurso como autor do áudio de 26s (eleitor B), e a outro eleitor (eleitor A), são atribuídas as seguintes gravações, destacadas na página 05 do recurso de ID 45441348 do REL 0600007-59:
Áudio de 11seg
Eleitor A: Ah, o Cássio ele me deu dinheiro só aquele dia que foi lá em casa. O Gordo que falou que ia me conseguir uma moto e tal se a Elaine passasse e o Cebola também.
Áudio de 4seg
Eleitor A: Ah, ele me deu trezentos pila. Pedi para ele trezentos e ele foi lá e me deu trezentos.
Áudio de 26seg
Eleitor B: Foi assim né, o Gordo me falou que se eles chegassem a ganhar, eles iam me dar uma moto. Se eu votasse para a Elaine e a Elaine se elegesse e o Cebola também. Só que daí tipo, no final ali, o Gordo descobriu que não votei no PP, nem pra Elaine. Nem falaram mais comigo, mas eu não sabia essa história da moto, tô sabendo agora que tu me contou.
Os três áudios, arquivos independentes localizados na pasta “Áudio do relatório dos fatos (…)”, são declarações isoladas que não fazem parte de um diálogo, estão descontextualizadas e desprovidas de informações quanto ao período em que ocorreram, de modo que não se pode afirmar tratar-se de promessas em troca de voto.
Arrolado, as partes dispensaram a oitiva de Lucas de Mattos Custódio (ID 45441235 do REL 0600007-59), não sendo esclarecido o contexto de sua declaração. Nota-se que do extrato “Áudio 26seg” não fica claro se realmente foi prometida uma moto a Lucas, pois ele próprio menciona ora que “o Gordo me falou que se eles chegassem a ganhar, eles iam me dar uma moto”, ora que “mas eu não sabia essa história da moto, tô sabendo agora que tu me contou”. Assim, não há comprovação de que tenha lhe sido oferecida uma moto (áudio salvo como “Promessa de moto também” na pasta “Áudios do relatório dos fatos” no link da página 4 do ID 45441348 do REL 0600007-59). Nesse cenário, a declaração escrita particular de Lucas de Mattos Custódio não esclarece a inconsistência da gravação, sendo que as assinaturas da declaração e do documento de identificação são visivelmente diversas (ID 45441212 do REL 0600007-59).
As declarações imputadas a José de Lima Santos (também conhecido como José Mosquito) (ID 45441348 do REL 0600007-59, página 5/6) também não foram corroboradas pelos demais elementos de prova produzidos nos autos, não bastando para tal a prova indiciária consistente no seguinte arquivo de áudio:
Áudio de 50seg
Voz A: Mas deram... gastaram cinco pau para o Jeremias...
Voz B: não sei.
Voz A: Cinco pau deu... (incompreensível, barulho de rua)
Voz B: O Jerri deu uns cinco mil
Voz A: Cinco mil por três votos. Tu ganhou mil e meio desse
(incompreensível, barulho de rua)?
Voz B: Mil e oitocentos...
Voz A: Mil e oitocentos mesmo?
Voz B: Claro. Mais setecentos do vereador.
Voz A: Do quem? Do Cássio? Do Cássio (falaram
conjuntamente).
Voz B: É...
Voz A: Mil e oitocentos do Cebola. É o Cebola e o André os
dois. Me...
Voz C: É para quatro anos, cara...
Voz B: Ah? Voz C: É para quatro anos…
Voz B: (incompreensível, barulho de rua). “Já pá” né.
Voz A: Eugênio disse que deu cinco o dele...
Voz B: o meu deu dois e oitocentos.
Voz A: Dois e oitocentos... dinheirinho é só....
Voz B: dinheirinho né...
Voz A: só de cem, Gusta.
Por sua vez, foi atribuída a Thiallisson Santos a seguinte gravação referida no recurso de ID 45441348 do REL 0600007-59, página 7 e 8:
Eleitor: “curto e grosso contigo. Seguinte, eu tenho minha menina e tô devendo dois mil de pensão. Tu me ajudou, me deu quinhentos aquele dia. Eu dei uma amenizada. Ela precisa também (barulho externo tornou incompreensível). Ela precisa também né, Cebola. [...]
MARCOS (Cebola): [...] viu, ai o seguinte ó, tô... vou ver com o pessoal aí do Partido se a gente consegue alguma coisa. O que eu tinha e o que eu posso fazer é manobrar do jeito que for. Mas não posso te conseguir esse valor, mas nem a pau consigo puxar por isso. Estamos tentando arrumar lugar para as contas aí porque gastamos bastante, na campanha.
Mas eu vou”....
Eleitor: “na verdade é dois e oitocentos. E tipo, e tu me deu, sai dali e fui para Sarandi” […]
MARCOS: “tá e os quinhentos que te dei?” [...]
MARCOS: “tranquilo. Vou ver com o pessoal se consigo levantar alguma coisa para ti. Vou ver com o pessoal do Partido se consigo depositar uma coisa para ti, nem fechamos as contas da campanha.
Como se vê, o diálogo entre Thiallisson Santos e Marcos André Piaia ocorreu após as eleições, haja vista a fala de Marcos de que “Estamos tentando arrumar as coisas, porque gastamos bastante na campanha”. Malgrado, na conversa, o eleitor tenha referido que Marcos o ajudou com R$ 500,00 “aquele dia”, e Marcos tenha prometido “ver com o pessoal do Partido se consigo depositar alguma coisa pra ti”, não se pode presumir o fim eleitoreiro da relação. Isso porque Thiallisson Santos manteve contato com a advogada Jaqueli da Silveira e, em outra gravação, afirmou que o pessoal do PDT lhe prometeu R$ 100 mil para gravar áudios e prejudicar os candidatos recorridos (ID 45441155 do REL 0600007-59). Observa-se, pois, a alteração de versões do cidadão quanto aos fatos testemunhados por ele, comprometendo a credibilidade da prova produzida.
Soma-se a isso que Marcos André Piaia, candidato eleito a prefeito de Barra Funda em 2020, em depoimento pessoal em juízo, afirma que, no contexto em que o diálogo aconteceu, Thiallisson Santos perguntava à sua esposa sobre “tá e os quinhentos que te dei?”, e não ele, Marcos, que proferiu essa frase (ID 45441224 do REL 0600007-59). Thiallisson Santos sequer foi arrolado como testemunha a fim de esclarecer se houve negociação de voto.
Acresço que Thiallisson Santos também procurou a advogada Jaqueli da Silveira pedindo dinheiro para pagar a pensão da filha, visto que o candidato a prefeito Marcos supostamente já lhe havia entregado alguma quantia (gravação transcrita nas páginas 7e 8 do recurso de ID 4544134 do REL 0600007-59, salvo na pasta “Áudios do relatório dos fatos”, no arquivo nomeado como “Jaqueli falando com eleitor sobre pagamento”. Em sua conversa com Jaqueli constante do ID 45441155 do REL 0600007-59, a advogada faz referência ao diálogo que teve com o eleitor. Contudo, desse cenário não se pode concluir que o pedido tenha sido fruto de promessa feita pelo candidato a prefeito em troca de voto, já que Jaqueli não confirma a operação, limitando-se a responder que “– Vou ver com ele [Marcos] e te aviso”.
No mesmo sentido, na gravação referida na página 7 do recurso de ID 45441348 do REL 0600007-59, verifica-se que Thiallisson Santos pede dinheiro para pensão de sua filha ao candidato a vice-prefeito, André Signor, o qual afirma: “- Isso tem que ver com ele [Marcos André Piaia, também conhecido como Cebola] que eu to bem por fora dessas coisas ai”. O homem ainda afirma que Cebola já o ajudou em outras ocasiões. Nota-se que o interlocutor nada promete ou alcança ao pedinte, limitando-se a encaminhá-lo a Marcos André Piaia ou ao partido político. Dessa conduta não se pode aferir a prática de captação ilícita de sufrágio. A esse respeito, Marcos André Piaia, em depoimento pessoal, esclarece que, para não se indispor com eleitores, orientou seu pessoal a não dar ou prometer nada durante a campanha eleitoral, mas pediu que lhe encaminhassem os requerentes, oportunidade em que lhes negaria o pedido (ID 45441225 a 45441227 do REL 0600007-59). Embora a explicação seja inusitada, é razoável, considerando que nem Jaqueli, nem André Signor prometeram ou deram o que foi pedido pelo eleitor e ambos, de fato, repassaram a demanda do eleitor a Marcos. Segundo a conversa com Jaqueli, ao que tudo indica, o eleitor não recebeu valores de Marcos como desfecho desse fato (ID 45441155 do REL 0600007-59).
Logo, como não há a versão de Thailisson sobre os fatos não há como presumir o abuso de poder econômico mediante a captação ilícita de sufrágio supostamente praticada por Marcos André Piaia ou outros recorridos.
Com relação à suposta captação ilícita de sufrágio realizada por Adilson da Costa, inclusive com ameaças a eleitores, em prol da candidatura dos recorridos, com base nas conversas de WhatsApp encontradas por conta da perícia no aparelho celular apreendido, tem-se que as mensagens trocadas com Rosangela e Evandro não revelam captação ilícita de sufrágio.
Em 10.11.2020, o diálogo foi o seguinte com Rosângela:
Rosângela: Boa noite compadre Tudo bem Tá vivo
Rosângela: Não fala mais com nós oque ouve
Adilson da Costa: Embarque na caminhada vem aqui que tem chope, carne, agora venho.
Rosangela: Pinto tem um cara ainda de falar agora, não é? Por que que eu não convidou a dias que daí nós se programava? E aí, tá bom? Foi uma ganhar ou não? Vai ser a festa da Vitória.
Adilson: A festa da Vitória tu vai ver 15 dias isso aqui é só
Rosângela: Menos, nem exagere. Tá doido, moleque? Não, eu vou ir votar. Eu quero ser a última e votar. A gente vai fechando a urna, vou chegar. Daí, né? Não sei pra que lado eu saio toda e onde é que vai? Onde é que a gente vai se reunir depois?
Adilson: O que que eu falei para ti? Lembra eu. Eu às vezes não posso ir junto fazer o que eu prometi para vocês. Foi cumprido, não foi?
Rosangela: Foi. Falei da festa onde vai ser
Certo é que há uma refeição ocorrendo, com carne e chopp em 10/11/2020, para a qual Rosângela acaba de ser convidada. Mas, como o próprio testemunho de Adilson afima, Rosângela é sua comadre (ID 45441169 e 45441295 do REL 0600007-59), assim sendo, há uma relação de amizade que sustenta o convite. Os dois interlocutores ainda mencionam a festa da vitória, a ocorrer após as eleições. Adilson ainda fala que não poderá acompanhar Rosangela para fazer o que prometeu. O contexto da promessa, se teve alguma, não está minimamente compreensível, nem foi esclarecido por conta do depoimento de Adilson (ID 45441295 do REL 0600007-59). Em síntese, não há indícios de que Costinha esteja ofertando comida em troca de votos em benefício dos recorridos, que sequer são mencionados na conversa. Há dúvida, portanto, quanto à alegada finalidade eleitoreira do evento ou da conduta de Adilson José da Costa.
Na mesma linha, os áudios apontados no página 8 do recurso de ID 45441348 do REL 0600007-59, em que eleitora afirma ter recebido valores de Costinha para votar nos recorridos, são insuficientes para condená-los à cassação do mandato, porque não corroborados por outras provas.
A versão da testemunha Adilson da Costa é de que seu filho mais velho fazia muitas festas em período eleitoral (ID 45441295 do REL 0600007-59), o que é corroborado pela testemunha de John Lenon de Souza Borba, que consignou que não recebeu dinheiro ou carne dos recorridos em período eleitoral; de vez em quando participava de almoços na casa de Adilson da Costa, por questões de amizade, mas que os participantes dividiam o valor do almoço (ID 45441301 e 45441302 do REL 0600007-59).
Em 02.11.2020, Adilson da Costa também conversou com Evandro:
Evandro: Mas se conseguir uns dias me empresta
Adilson: É 38, tenho só uma, não é? Eu saio direto com ele. Faz assim, ó, deixa que eu te empresto. Ele é um. Nos últimos dias dessa eleição e dessa semana, fica com ele essa semana ou a semana que vem. Nos últimos dias, estou. Daí eu nós temos que fazer o bicho pegar. Ele também. Derrota está bom.
Ora, não há liame subjetivo entre a conduta (ameaçar) e os impugnados. Primeiro porque não há a indicação de nenhum eleitor que efetivamente tenha sido ameaçado para votar nos impugnados; segundo porque não há comprovação de que Adilson ou Evandro tenham, de fato, ameaçado eleitores, e que, se o tenham feito, tenha sido com a finalidade de beneficiar os impugnados.
Por sua vez, John Lenon de Souza Borba é apontado como pessoa que vendeu o voto e ofereceu provas contra Marcos André Piaia para a candidata do PDT. Esclarecendo os fatos a contento, a testemunha John Lenon de Souza Borba disse que não sabe ler, por isso não entendeu a intimação que lhe entregaram para depor e enviou áudio de WhatsApp a seu amigo Charley dizendo que ia sair preso da audiência, que mostrou a foto da intimação para sua mãe para que ela o lesse para ele, porque não entendeu do que se tratava (ID 45441313, 45441314, 45441316, 45441317 do REL 0600007-59). De fato, dos áudios que foram mostrados para a testemunha em audiência (ID 45441313 a 45441317 do REL 0600007-59), vê-se que John Lenon de Souza Borba é pessoa humilde que justificadamente não compreendeu o que dizia a intimação para depor, que pessoas (amigos e parentes) lhe incentivavam a pedir favores aos candidatos, e que ele respondia que já tinha pegado para “não ficarem enchendo o saco” (ID 45441317 e 45441318 do REL 0600007-59). John Lenon negou que tenha recebido dinheiro para adesivar seu carro e ir à carreata (ID 45441319 do REL 0600007-59), não sendo produzidas outras provas capazes de infirmar essa declaração. O áudio em que a testemunha afirma a Thiago ter provas contra o candidato Marcos André Piaia em troca de dinheiro não faz referência a ilícitos eleitorais praticados por Marcos André Piaia, Cebola, nem esclarece de que provas falava tampouco seu conteúdo (ID 45441322 do REL 0600007-59). Além disso, embora John Lenon de Souza Borba tenha confirmado a prática de compra de votos pelos “dois lados”, não mencionou o envolvimento ou beneficiamento dos recorridos. Nesse cenário, declarações genéricas de captação ilícita de sufrágio são insuficientes à finalidade condenatória postulada na AIME. Disso, não se vislumbra corrupção eleitoral ou beneficiamento dos candidatos.
De maneira geral, os documentos constantes do drive fornecido no recurso de ID são áudios e print screens de mensagens de WhatsApp, muitos não referenciados no processo, seja em petições, seja durante a instrução processual. Trata-se, pois, de conversas aleatórias juntadas de forma descontextualizada pelos recorrentes não sendo possível identificar data da produção e interlocutores. Ressalta-se que o link enviado é facilmente modificável a quem lhe seja dado acesso, isto é, podem ser incluídos ou excluídos arquivos a qualquer tempo. Além disso, a perícia técnica dos aparelhos celulares apreendidos foi inconclusiva em razão da impossibilidade da extração de dados (ID 45441162, 45441163 do REL 0600007-59).
Como bem consignado pela ilustre Magistrada (ID 45441344 do REL 0600007-59),
(…)
no mérito, constata-se que não há elementos que indiquem de maneira suficiente a prática de ilícitos eleitorais, mormente de abuso do poder político e/ou de autoridade por parte dos Representados. Isso porque os áudios e conversas produzidas unilateralmente pelos Representantes ou mesmo as extraídas dos aparelhos de telefone celular apreendidos não são suficientes para comprovar, por si sós, a prática dos fatos imputados aos Representados.
Em verdade, são em grande parte descontextualizados, alguns inclusive posteriores à eleição. Não foram ratificados em juízo, sendo que os principais interlocutores, como Thialisson e Lucas, não foram ouvidos em juízo, sendo que o primeiro sequer foi arrolado (assim como Claudiomiro, deveras mencionado nos autos), enquanto o segundo teve sua oitiva desistida pelos representantes, que optaram em juntar uma mera declaração supostamente por ele assinada, cuja veracidade não se pôde comprovar, pois sequer havia firma reconhecida em cartório.
(...)
No mesmo sentido, a percuciente análise do Douto Procurador Regional Eleitoral (ID 45546353 do REL 0600007-59):
Deveras, mesmo diante da licitude das gravações ambientais colacionadas à inicial, na esteira do que o Ministério Público Eleitoral tem reiteradamente defendido perante essa Egrégia Corte, entende-se que o conjunto probatório produzido na origem, inclusive aquele obtido mediante a busca e apreensão dos aparelhos telefônicos dos impugnados, não induz à conclusão de que os investigados praticaram as condutas descritas no tipo eleitoral do artigo 41-A da Lei nº 9.504/97, muito menos de que houve a prática de abuso de poder econômico e/ou político.
Ainda que se extraiam das gravações ambientais colacionadas à exordial algumas falas indicativas da prática ilícita do artigo 41-A da LE, em especial no que diz respeito aos diálogos perpetrados por Lucas, José Carlos Lima e Thialisson, tais provas não foram corroboradas em juízo. Por outro lado, aportaram aos autos, inclusive, elementos que colocam em dúvida o teor das referidas conversas.
(…)
Como se vê, não merece guarida a tese dos recorrentes de que a sentença é ilógica, porque não utiliza as provas das quais reconheceu a validade para análise do mérito, e de que o Ministério Público Eleitoral opinou pela insuficiência de prova testemunhal ao mesmo tempo em que impugnou testemunhas. A discussão acerca da licitude da prova é matéria processual que precede à análise do mérito, quando somente então será feito juízo sobre o conteúdo contido em cada espécie de prova produzida. Nesse sentido, nada obsta que seja reconhecida a validade das gravações, perícias e demais meios de prova, porque produzidas de acordo com a norma jurídica, mas que seu conteúdo seja reputado como insuficiente para conduzir ao juízo condenatório.
Portanto, no que diz respeito à denúncia de compra de votos mediante promessa ou entrega de bens e dinheiro e eventual abuso de poder econômico, entendo demasiada frágil e pouco crível a prova trazida aos autos pelos impugnantes. Ademais, cabe ressaltar que para eventual procedência da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) é necessário que as condutas impugnadas ostentem gravidade bastante e suficiente para comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito, o que não se vislumbra no caso sob análise.
B) Inscrição fraudulenta de eleitores
Os impugnantes alegam que houve fraude na transferência e inscrição de eleitores no Município de Barra Funda/RS em prol da candidatura dos recorridos. Em relação a este ponto, a questão é simples e a improcedência das alegações dos impugnantes é medida que se impõe.
Pois bem, conforme jurisprudência pacífica do Tribunal Superior Eleitoral – TSE, não é possível a discussão, no processo eleitoral, de vícios ocorridos durante o alistamento eleitoral, devendo observar-se o prazo para impugnações de transferências e inscrições, ou, excepcionalmente, enquadrar-se na hipótese de fraude ocorrida na intimidade da Justiça Eleitoral, que constitui motivo superveniente de modo a elidir a ocorrência de preclusão, o que não é o caso dos autos:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ALISTAMENTO ELEITORAL. FRAUDE. APURAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Não é possível a discussão, no processo eleitoral, de vícios ocorridos durante o alistamento eleitoral.
2. Precedentes.
3. Recurso não conhecido.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral 19413/MA, Relator(a) Min. Sepúlveda Pertence, Acórdão de 23/10/2001, Publicado no(a) Diário de justiça, data 22/02/2002, pag. 181
Embora a desproporção entre o número de eleitores e o número de habitantes possa ensejar procedimentos de revisão do eleitorado, conforme o art. 92 da Lei n. 9.504/97, o mero comparativo não revela, por si só, a existência de fraude no alistamento eleitoral. Importa notar que, para realização de alistamentos e transferências, a Justiça Eleitoral analisa a veracidade dos documentos e declarações apresentadas pelo eleitor, servindo como primeira barreira defensiva contra fraudes materiais ou intelectuais.
A fraude que enseja o ajuizamento da AIME é aquela ocorrida durante o pleito eleitoral, podendo nem mesmo ter relação com condutas dos candidatos envolvidos. Os fatos anteriores ao período eleitoral mas relacionados ao processo eleitoral, no que se incluem alistamento e transferências de eleitores, devem ser apurados em impugnações próprias. Essa limitação temporal tem razão de ser porque a possibilidade de alistamento e a transferência eleitorais encerra-se 150 dias antes do dia da eleição, segundo o art. 91 da Lei n. 9.504/97. Nesse período, nem sequer estão definidas as chapas e candidatos, sendo que há apenas aspirações a candidaturas.
É bem verdade que transferências e alistamentos podem ocorrer em razão de coação ou outros ardis empregados por aspirantes a candidatos ou com ciência destes com finalidade eleitoreira, o que deve ser provado. Todavia, esse fenômeno não se confunde com a influência natural que estes podem exercer sobre as decisões dos eleitores. É dizer, se o eleitor reúne as condições reputadas suficientes pela Justiça Eleitoral (a saber, domicílio eleitoral na circunscrição e capacidade eleitoral ativa), não há óbice para a realização de transferências e alistamentos, não sendo relevante perscrutar se o eleitor já possui predileção por algum aspirante a cargo eletivo ou não.
No caso dos autos, a magistrada a quo determinou em sentença que fosse instaurado expediente para apuração dos ilícitos pelo Ministério Público Eleitoral.
Portanto a alegação de fraude do alistamento de eleitores não é cabível em sede de AIME. Resta analisar o fato sob a ótica do abuso de poder econômico e político.
Como nota o douto Procurador Regional Eleitoral, a prova produzida nos autos não permite a conclusão de que as transferências e os alistamentos eleitorais foram feitos a mando ou para benefício dos recorridos, a caracterizar abuso de poder político ou econômico:
Nessa linha, a afinidade política entre os candidatos e os agentes que alegadamente buscaram cooptar eleitores em seu favor não pode acarretar, por si só, o reconhecimento da ciência inequívoca dos candidatos, pois, nesse caso, sua responsabilidade não seria subjetiva, mas objetiva, decorrendo do simples fato de terem obtido benefícios em razão das ilegalidades eleitorais praticadas por outras pessoas.
(…)
Importa destacar que as consequências jurídicas da procedência dos pedidos iniciais são definitamente graves, sendo que a prova do ilícito deve ser precisa, contundente e incontestável, como já referido nesta manifestação, não sendo bastantes, para tanto, meras presunções. A prova indiciária, para viabilizar o juizo de condenação, deve ser veemente, convergente e concatenada, sem a existência de contraindícios, a abalar ou neutralizar dubiedade das conclusões a serem extraídas7.
No caso, além da insuficiência e da dubiedade da prova da efetiva captação ilícita de sufrágio e do alistamento irregular de eleitores, que, no caso, seria necessária à comprovação do abuso de poder político e/ou econômico, cabe considerar que não foi demonstrado o comprometimento da lisura e do equilíbrio do pleito, especialmente no que diz respeito à violação ao princípio da paridade de armas.
A vontade popular, refletida nos votos obtidos pelos demandados, deve prevalecer sobre a dúvida quanto à sua manipulação por meio do abuso de poder e da captação ilícita de sufrágio, em face do princípio "in dubio pro suffragium".
Diante do exposto, deve ser desprovido o recurso eleitoral dos impugnantes, mantendo-se, na íntegra, a sentença de improcedência da ação.
Acresço que há a limitação temporal em que se pode reconhecer a atuação com abuso de poder econômico ou político para fins de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo -AIME, isto é, o período eleitoral.
Além disso, ainda que se buscasse estender o juízo condenatório para período anterior à própria candidatura, a prova produzida nestes autos não é robusta o suficiente para ensejar a condenação à pena de cassação do mandato.
A informante Franciane Marcon assegurou que quatro eleitores utilizaram-se de seu endereço para transferir o título eleitoral (ID 45441236 e 45441237 do REL 0600007-59). Já as informantes Eliane Tonello Zamin e Ligia Gnoatto afirmaram que foram mesárias e que havia eleitores desconhecidos que não sabiam onde votar (ID 45441238, 45441239 do REL 0600007-59). Quer em um depoimento quer em outro, o fato é que não há elementos nos autos que indiquem tenham os eleitores utilizado-se de comprovantes de residência falsos ou de terceiro sem seu consentimento para alistamento ou transferência, muito menos que haja a participação ou beneficiamento dos candiados recorridos.
Ainda quanto às acusações de que os recorrentes orientavam eleitores a utilizar comprovantes de endereço de terceiros para alistamento ou transferência, a testemunha Adilson da Costa afirma que alugava imóveis na rua 07 de setembro, n. 398, Barra Funda/RS, antes do período eleitoral, por isso as pessoas deram esse endereço para Justiça Eleitoral (ID 45441289, 45441290 do REL 0600007-59). Em verdade, as acusações são frágeis. Por exemplo, os recorrentes alegam que Lucas de Mattos Custódio fez transferência eleitoral utilizando comprovante de residência de seu tio, Claudiomir Oliveira de Mattos (ID 45441210, 45441212, 45441207 do REL 0600007-59). Inicialmente, Claudiomir declarou, em ata notarial, que o marido da candidata a vereadora Elaine Moreira do Amaral, conhecido como “Gordo”, utilizou seu endereço para alistar/transferir eleitores para o município. Contudo, na ata notarial de ID 45441095 e em outros áudios indicados nos ID 45441092 a 45441094 do REL 0600007-59, a versão foi retratada pelo próprio Claudiomir, que garantiu que candidatas do PTB e PDT o alcoolizaram e coagiram a gravar o áudio e que a declaração feita em ata notarial anterior não era verdadeira.
Ao contrário do que alegam os recorrentes, alguns dos treze eleitores constantes da lista de ID 45441056 do REL 0600007-59 foram transferidos entre 2016 e 2019 (conforme informações de ID 45441074, página 54/55 do REL 0600007-59), outros têm atividades sociais na comunidade de Barra Funda, participando de campeonato de futsal em 2019 (ID 45441083 do REL 0600007-59), ou residem no município (ID 45441082 do REL 0600007-59). Aliás, os recorrentes não se desincumbiram de seu ônus de comprovar ligação abusiva entre os recorridos e os treze eleitores nominados na lista anexada à exordial.
Portanto, não há falar em abuso de poder econômico ou político envolvendo os recorridos e os eleitores que realizaram transferências ou alistamentos.
Desse modo, do exame dos autos, constatada a demasiada fragilidade e precariedade dos elementos probantes coligidos, e em virtude da inexistência de prova inequívoca da gravidade dos fatos e das circunstâncias que os circundam, infere-se pela inexistência de conjunto probatório que possa caracterizar a prática de abuso de poder ou corrupção, como forma de ensejar desequilíbrio grave a afetar a normalidade e legitimidade das eleições, em benefício da campanha eleitoral dos impugnados, de modo que se impõe a manutenção da sentença que julgou improcedente a ação.
Encerro com os ensinamentos de Marcus Vinicius Furtado Coelho (A gravidade das circunstâncias no abuso de poder eleitoral. Revista Eleições & Cidadania, Teresina, ano 3, n. 3, p. 146):
A democracia pressupõe a prevalência da vontade da maioria, com respeito aos direitos da minoria. A banalização das cassações de mandato, com a reiterada interferência do Judiciário no resultado das eleições, pode gerar uma espécie de autocracia, o governo dos escolhidos pelos Juízes e não pelo povo. O juízo de cassação de mandato por abuso de poder deve ser efetuado tão apenas quando existentes provas robustas de graves condutas atentatórias à normalidade e legitimidade do processo eleitoral e às regras eleitorais.
Ante o exposto, VOTO pelo não conhecimento do recurso do PARTIDO RENOVAÇÃO DEMOCRÁTICA (PRD), pela rejeição da matéria preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT).