REl - 0600006-73.2024.6.21.0114 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/08/2024 às 14:00

VOTO

Tenho que o Recurso Eleitoral é tempestivo. A parte recorrente foi intimada pelo DJE em 13.6.2024 (quinta-feira), de maneira que a interposição do Recurso Eleitoral em 17.6.2024 (segunda-feira) se mostra tempestiva.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade do Recurso Eleitoral, deve ser conhecido e examinado o seu mérito. É o que passo a fazê-lo.

Inicialmente, cumpre destacar que a petição de ID 45663579 informa que o recorrente se declara na condição de pré-candidato, na iminência de postular indicação na respectiva convenção partidária para o cargo de prefeito, que ocorrerá no próximo dia 03.8.2024, no Município de Pelotas. Para se evitar que o decurso temporal esgote o conteúdo da ação ou traga situação de relativa insegurança jurídica, trago o feito para julgamento do mérito perante este Colegiado na presente data.

As razões recursais voltam-se contra a sentença de ID 45648190, que julgou improcedente a pretensão do recorrente de declarar a nulidade da sentença proferida nos autos de Prestação de Contas Eleitoral 0600917-74.2020.6.21.0163, que, por sua vez, julgou não prestadas suas contas enquanto candidato ao cargo de vereador nas Eleições de 2020 (cópia juntada no ID 45648182).

No caso dos autos, o recorrente busca a anulação da decisão sob os argumentos de que: i) a não apresentação de extratos bancários não tratava de caso de impedimento absoluto à análise das contas, o que não ensejaria seu julgamento como não prestadas, o que ocorrera em contrariedade à legislação eleitoral, aos precedentes da Justiça Eleitoral para situações similares, incorrendo em nulidade que traz prejuízo ao direto de sufrágio passivo do recorrente; e ii) segundo doutrina colacionada, “a possibilidade de ação rescisória no âmbito das prestações de contas eleitorais 'é uma extensão lógica das funções' da justiça especializada”.

Cumpre destacar que a ação declaratória de nulidade de ato judicial, ou querela nullitatis insanabilis, pode ser ajuizada para obter a declaração de nulidade de sentença ou acórdão transitado em julgado em virtude da existência de vícios graves e insanáveis, denominados pela doutrina como "vícios transrescisórios". Ou seja, vícios decorrentes do ferimento a pressupostos de existência do processo, que escapa, inclusive, a eventual preclusão temporal da ação rescisória (esta, inclusive, inexistente para o caso em tela).

Adianto que não verifico, in casu, na decisão proferida nos autos da PCE 0600917-74.2020.6.21.0163 a existência de qualquer nulidade insanável a justificar o manejo da ação em comento.

Analisando os autos processuais da prestação de contas da qual se pretende a declaração de nulidade, percebe-se que as argumentações recursais não devem prosperar.

O processo tramitou de forma absolutamente regular, tendo o interessado constituído representação processual (ID 93389176) e, intimado a manifestar-se sobre as impropriedades apontadas no exame de contas (ID 94922122), permaneceu silente.

Ademais, o parecer técnico conclusivo emitido no processo de prestação de contas apontou justamente a ausência dos extratos bancários, falha pela qual o candidato já havia sido intimado e não se manifestou. Assim, nada de novo foi consignado no parecer técnico que justificasse nova intimação do então interessado, como prevê o art. 72 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 72. Emitido parecer técnico conclusivo pela existência de irregularidades e/ou impropriedades sobre as quais não se tenha dado oportunidade específica de manifestação à prestadora ou ao prestador de contas, a Justiça Eleitoral intimá-la (o)-á para, querendo, manifestar- se no prazo de 3 (três) dias contados da intimação, vedada a juntada de documentos que não se refiram especificamente à irregularidade e/ou impropriedade apontada, salvo aqueles que se amoldem ao parágrafo único do art. 435 do CPC.

A sentença (ID 97312403), em resumo, apontou a ausência de apresentação dos extratos bancários, os quais foram considerados indispensáveis para a conferência da movimentação financeira, maculando o expediente, por sua vez, de elementos mínimos para a análise da prestação de contas, o que atraiu seu julgamento como não prestadas.

Da sentença, o interessado também foi regularmente intimado, por meio de publicação da decisão no Diário de Justiça Eletrônico (DJE), em 20.10.2021, tendo transcorrido o prazo recursal sem manifestação, na data de 28.10.2021, conforme se extrai da certidão de trânsito em julgado (ID 99218808).

Do caderno processual da prestação de contas eleitorais originária do ora recorrente, podemos concluir que a presente ação pretende uma reforma quanto ao mérito da decisão proferida pelo juízo a quo, o que não é permitido através da querela nullitatis. Essa é um instrumento utilizado de forma absolutamente restritiva, em caso de vício de extrema gravidade, não se servindo como opção de revisitação de fatos ou provas, seja pelo escoamento das vias recursais, seja pela operação da coisa julgada material.

Sobre tal questão, colaciono a lição de Daniel Amorim Assumpção Neves:

Atualmente há duas atípicas formas de relativização da coisa julgada: a) coisa julgada inconstitucional; e b) coisa julgada injusta inconstitucional. Enquanto na primeira se pretende afastar a coisa julgada de sentenças de mérito transitadas em julgado que tenham como fundamento norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, na segunda o pretendido afastamento da imutabilidade própria da coisa julgada se aplicaria às sentenças que produzam extrema injustiça, em afronta clara e inaceitável a valores constitucionais essenciais ao Estado democrático de direito. (Manuel de Direito Processual Civil. Ed. 10. JusPODIVM, 2018, p. 897)

No caso em tela, não vislumbro motivos para aplicação de nenhuma das formas de relativização da coisa julgada, pois: a) não há norma declarada inconstitucional pelo STF aplicada no julgamento da prestação de contas do recorrente; e b) foi garantido o devido processo legal (due process of law) ao longo de toda a instrução processual e julgamento do feito.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem entendimento consolidado no sentido de que a querela nullitatis é instrumento utilizado para impugnar sentença contaminada pelos vícios mais graves de erros de atividade (error in procedendo), nominados de vícios transrescisórios, consistentes no erro do juiz ao proceder, culminando num decisório nulo, inexistente, conforme se extrai do aresto colacionado:

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXCEÇÃO DE PRE–EXECUTIVIDADE. RECURSO ELEITORAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. CONHECIMENTO. CABIMENTO DA QUERELLA NULLITATIS PARA RELATIVIZAR A COISA JULGADA. VÍCIOS GRAVES ENSEJADORES DE PREJUÍZOS AO DUE PROCESS OF LAW. NÃO CONFIGURADOS. RECURSO CONHECIDO E NEGADO PROVIMENTO. ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. REPRESENTAÇÃO POR DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE. SUPOSTA ILICITUDE DA PROVA. QUERELA NULLITATIS INCABÍVEL. DESPROVIMENTO.

1. O cabimento da querela nullitatis se limita aos casos em que constatada: ‘a) ausência ou nulidade da citação ou b) a existência de sentença proferida sem dispositivo legal, sem assinatura do julgador ou exarada por quem não exerce ofício judicante ou atividade jurisdicional’ AgR–PET 06003517 (Rel. Min. OG FERNANDES, DJE de 11/5/2020). 2. Eventual ilicitude da prova utilizada como fundamento para a sentença condenatória não constitui fundamento apto ao cabimento de Ação Anulatória. Precedentes. 3. Agravo Regimental desprovido. (REspE nº 060001452, Acórdão, rel. Min. Alexandre de Moraes, Data 03/08/2021)

Conclusões no mesmo sentido são extraídas de julgados de outros Regionais, como podemos ver da ementa extraída de acórdão oriundo do TRE-PR:

QUERELA NULLITATIS INSANABILIS. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO QUE NÃO CONSTITUIU ADVOGADO. JULGAMENTO COMO NÃO PRESTADAS. INTIMAÇÃO PESSOAL DO ACÓRDÃO. IMPROCEDÊNCIA.

1. A impugnação autônoma da coisa julgada ou querela nullitatis insanabilis só é admissível quando o vício no processo originário é tão grave que compromete a sua própria existência, provocado por defeitos processuais chamados de transrecisórios, isto é, que não se sujeitam ao procedimento da ação rescisória e, tampouco, aos seus prazos de ajuizamento. 2. Por isso, ainda que houvesse vício na citação, realizada antes do momento processual adequado, o mesmo não poderia ser reconhecido neste procedimento, voltado exclusivamente à declaração de inexistência do processo ou da sentença e não a falha processual de menor envergadura, a qual somente poderia ser declarada nos próprios autos. Precedentes do TSE. 3. Hipótese em que, nos autos originários, o candidato não prestou contas nem constituiu advogado, foi pessoalmente instado a suprir a falha, permaneceu inerte, teve contra si as contas julgadas não prestadas e foi pessoalmente intimado do acórdão – inexistindo, pois, qualquer vício que justifique o reconhecimento de alguma nulidade e, muito menos, a declaração de inexistência do processo ou do acórdão. 4. Ação declaratória de nulidade que se julga improcedente, restando prejudicado o agravo interno que visava o deferimento da tutela de urgência. (Petição nº 06006115020206160000, rel. Thiago Paiva Dos Santos, Data 05/03/2021)

Portanto, no presente caso, não há como se falar em afronta ao devido processo legal ou qualquer outra garantia constitucional.

No caso concreto, destaco que o recorrente deixou transcorrer in albis diversos prazos a ele concedidos para manifestação ao longo de todo o processo de prestação de contas, sendo que nem mesmo interpôs recurso eleitoral em face da sentença proferida nos autos da PCE 0600917-74.2020.6.21.0063, que julgou não prestadas as suas contas.

A Prestação de Contas respeitou o devido processo legal, oportunizando o contraditório e a ampla defesa ao recorrente, obstando, assim, qualquer alegação de vício insanável a ensejar declaração de nulidade após o trânsito em julgado, até porque a resignação do prestador quanto ao mérito do julgamento poderia e deveria ter sido suscitada no bojo dos autos no momento processual oportuno.

Ainda, como bem salientado na peça recursal, apesar dos argumentos minoritários trazidos pela doutrina, é a limitação ao cabimento da ação rescisória - manejável somente contra decisões do Tribunal Superior Eleitoral que versem sobre a incidência de causa de inelegibilidade -, que traz a necessária estabilidade ao resultado eleitoral e segurança jurídica à matéria.

Não há como se afastar a ausência da quitação eleitoral do recorrente, resultante do julgamento de suas contas eleitorais como não prestadas, sob pena desta Justiça Especializada descumprir seu dever de fiscalizar a origem e a destinação dos recursos financeiros empregados nas campanhas eleitorais. Entendimento contrário acarretaria, isso sim, ofensa aos princípios constitucionais da segurança jurídica e da isonomia em relação aos demais concorrentes da referida eleição.

Portanto, tenho por inafastável a aplicação da Súmula n. 42 do TSE, constituindo a decisão que julgue as contas de campanha como não prestadas em óbice à obtenção de certidão de quitação eleitoral durante o período equivalente ao curso do mandato eletivo ao qual se refere a prestação de contas, ainda que as contas sejam apresentadas nesse ínterim:

“Eleições 2022 [...] Contas julgadas como não prestadas referentes ao pleito de 2020. Ausência de quitação eleitoral até o fim do mandato para o qual concorreu a candidata, persistindo esses efeitos, após esse período, até a efetiva regularização das contas. [...] 1. Contas referentes ao pleito de 2020 julgadas como não prestadas, levam, necessariamente, à ausência de quitação eleitoral até 2024. [...]” (Ac. de 3.11.2022 no REspEl nº 060081968, rel. Min. Raul Araújo.)

“Eleições 2020 [...] Registro de candidatura. Vereador. Condições de elegibilidade. Ausência de quitação eleitoral. [...] 4. A Corte regional, soberana na análise de provas, assentou que, a despeito da documentação apresentada pela então recorrente, há nos autos documento que atesta, de forma indubitável, a existência de decisão transitada em julgado que julgara as contas da recorrente, relativas ao pleito eleitoral de 2016, como não prestadas, o que impossibilita a obtenção da quitação eleitoral. [...] 6. Nos termos da Súmula nº 42/TSE, a decisão que julga as contas de campanha como não prestadas constitui óbice à obtenção de certidão de quitação eleitoral durante o período equivalente ao curso do mandato eletivo ao qual se refere a prestação de contas, ainda que as contas sejam apresentadas nesse ínterim. [...]” (Ac. de 25.2.2021 no AgR-REspEl nº 060010557, rel. Min. Edson Fachin.)

Cumpre assinalar, ainda, a improcedência da pretensão de fundamentar o recurso no permissivo do art. 494, inc. I, do Código de Processo Civil, pois nenhuma das hipóteses dispostas no inciso (inexatidões materiais ou erros de cálculo) sustenta cabimento a corroborar a tese do autor, haja vista que a sentença do processo originário foi regularmente fundamentada, possibilitando acesso à via recursal, caso assim fosse do interesse da parte.

Face ao exposto, em não havendo, no presente caso, qualquer vício transrescisório para fundamentar a ação declaratória de nulidade, não há razão para se reformar a sentença do juízo a quo que julgou improcedente o pedido do recorrente.

Diante do exposto, em consonância com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, VOTO por conhecer e NEGAR PROVIMENTO ao Recurso Eleitoral interposto por CHENDLER VASCONCELOS SIQUEIRA, mantendo-se a sentença de improcedência do pedido na Ação Declaratória de Nulidade.