PCE - 0602346-12.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/08/2024 às 14:00

VOTO

Trata-se de prestação de contas de MARNI TERESINHA SAGGIN, candidata não eleita ao cargo de deputada federal pelo PSC, relativa às Eleições de 2022.

Efetuado o exame técnico, a Secretaria de Auditoria Interna deste Tribunal identificou as irregularidades citadas no parecer conclusivo (ID 45490493), as quais serão separadamente analisadas.

Faz-se necessário pontuar que a candidata, em obediência ao devido processo legal, restou devidamente intimada acerca do exame técnico, nos termos do art. 69, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, contudo não exerceu o seu direito de manifestação para sanear ou esclarecer as falhas apontadas.

 

I. Dos Recursos de Origem Não Identificada - Item 3 do Parecer Conclusivo

Mediante o batimento entre as despesas declaradas pela candidata na prestação de contas e as notas fiscais eletrônicas informadas pelas autoridades fazendárias, a unidade técnica constatou omissão de gastos perante diversos fornecedores, em um total de R$ 5.111,27, cujo detalhamento constou em tabela do parecer conclusivo (ID 45490493 – p. 4):

Entretanto, a única despesa apontada na tabela cuja irregularidade deve ser mantida refere-se aos valores utilizados para pagamento de gastos com o fornecedor AUTO POSTO TRONCA LTDA., valor total de R$ 340,00.

Isso porque os recursos para o pagamento do gasto em questão não transitaram pelas contas bancárias de campanha, conforme consulta ao extrato bancário eletrônico disponibilizado pelo TSE, configurando recursos de origem não identificada a serem recolhidos ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput e § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

De outra banda, no que se refere às demais despesas constantes na tabela, considero que a ausência de anotação nos demonstrativos do SPCE representa mera falha de ordem formal, pois as operações estão registradas nos extratos bancários de campanha por meio de pix diretamente para as contas de cada um dos contratados (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001605657/extratos) e as notas fiscais correspondentes constam nos autos, conforme se verifica da consulta aos IDs 45441751 a 45441772.

Vale dizer, embora aludidas operações não tenham sido contabilizadas pelo prestador, está demonstrado que os valores que custearam os gastos transitaram pela conta bancária de campanha e que estão adequadamente comprovados por notas fiscais (art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19) e operações bancárias que identificam os beneficiários (art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19), razão pela qual as falhas, exceto no atinente ao AUTO POSTO TRONCA LTDA., não atraem a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Conforme bem apontou a Procuradoria Regional Eleitoral, “é possível verificar que quase todas as despesas indicadas pela unidade técnica foram pagas com recursos que transitaram pela conta FEFC, beneficiando os respectivos prestadores de serviço. Nesse sentido, não se trata de utilização de recursos de origem não identificada”.

Assim, a irregularidade restringe-se às despesas com o fornecedor AUTO POSTO TRONCA LTDA., no valor total de R$ 340,00, o qual deve ser recolhido ao Tesouro Nacional.

 

II - Da Comprovação dos Gastos com Recursos do FEFC – Item 4 do Parecer Conclusivo

O órgão técnico apurou irregularidades na comprovação de despesas com a utilização de recursos públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) pela candidata, discriminadas nos subitens na sequência.

II.1 – Do Subitem 4.1.1 do Parecer Conclusivo

A unidade técnica apontou divergências entre a movimentação financeira lançada na prestação de contas e aquela registrada no extrato eletrônico da conta destinada ao FEFC, posto que o total da despesa constante no extrato bancário para o fornecedor POSTO DE COMBUSTÍVEIS CINQUENTENÁRIO LTDA. atingiu R$ 630,00, porém a candidata declarou apenas R$ 331,73 em seus demonstrativos contábeis no SPCE, havendo uma omissão de R$ 298,27.

Além disso, constou no parecer conclusivo que “não foi apresentado nenhum comprovante fiscal do gasto na presente prestação de contas”.

Inicialmente, constato que o valor total dessa despesa (R$ 630,00) transitou pela conta bancária específica de campanha (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001605657/extratos), tendo sido destinada, mediante pix, a fornecedor declarado:

 

Ocorre que, diversamente do item anteriormente analisado, as notas fiscais respectivas não estão acostadas aos autos, bem como não foi possível obtê-las no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001605657/nfes) por invalidade das chaves de acesso.

Assim, as despesas com o Posto de Combustíveis Cinquentenário Ltda., na quantia de R$ 630,00, não estão documentalmente comprovadas nos autos, nos termos estipulados pelo art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19, não havendo comprovação idônea que possa respaldá-las, impondo-se o recolhimento do corresponde valor ao Tesouro Nacional, conforme preceitua o art. 79, § 1°, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

II.2 - Subitem 4.1.2. do Parecer Conclusivo

Neste tópico, a unidade técnica identificou diversas inconsistências em despesas pagas com recursos do FEFC, conforme tabela abaixo, elaborada pelo examinador técnico (ID 45490493), cujos itens passo a analisar separadamente:

II.2.1 – Da despesa realizada em favor de ROGER RISSON, no valor de R$ 13.500,00, relativa à locação de veículo.

O documento apresentado para demonstrar o gasto (ID 45182425) envolve, na verdade, uma “cessão” de bem móvel, e não uma locação. Além disso, o instrumento está juntado de modo incompleto, omitindo algumas cláusulas e sua parte final, e sem as assinaturas das partes, o que o torna inidôneo para a comprovação do gasto por ausência de requisito essencial, configurando infração aos arts. 35, 53 e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ademais, é possível verificar, ainda, que o valor da locação atinge 68,98% das despesas da candidatura, extrapolando em R$ 8.329,86 o limite de 20% dos gastos contratados para a realização de despesa desta natureza.

 

II.2.2 - Das despesas realizadas em favor de ROSELAINE BEATRIZ PEREIRA, no valor de R$ 350,00 e de R$ 4.599,54, relativas a materiais de propaganda.

O pagamento realizado no valor de R$ 350,00, datado de 08.9.2022, está descrito no documento fiscal apenas como “serviços gráficos”, na quantidade de mil unidades, ao custo unitário de R$ 3,50 (ID 45182423).

As informações expostas são insuficientes para a identificação e comprovação do serviço prestado, pois a legislação exige “descrição detalhada” da operação (art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19) e, tratando-se de material de campanha, a indicação no documento fiscal das dimensões do material produzido (art. 60, § 8º, da Resolução TSE n. 23.607/19), in verbis:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

[...].

§ 8º A comprovação dos gastos eleitorais com material de campanha impresso deve indicar no corpo do documento fiscal as dimensões do material produzido.

 

Desse modo, está configurada a irregularidade na comprovação do gasto de R$ 350,00.

Por sua vez, a despesa efetuada no valor de R$ 4.599,54 com a mesma fornecedora, datada de 20.9.2022, não consta registrada no extrato bancário, e a nota fiscal respectiva não está juntada aos autos pela candidata.

Consultando-se os extratos eletrônicos disponibilizados pelo TSE, visualiza-se um pagamento efetuado para essa fornecedora, via pix, em 09.9.2022, na quantia de R$ 2.020,00.

Em acesso ao sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, é possível consultar os dados dessa nota fiscal, a qual registra o fornecimento de mil unidade de “material impresso”.

Portanto, não há novamente descrição detalhada dos bens adquiridos e de suas dimensões, o que torna o documento insuficiente para a comprovação do gasto eleitoral, por ofensa ao art. 60, caput e § 8º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Entrementes, embora a candidata tenha, de fato, declarado o dispêndio R$ 4.599,54 com “adesivos”, não existe nenhuma evidência material nos extratos bancários, nas notas fiscais eletrônicas ou em outro documento dos autos acerca de operação nesse montante, mas apenas daquela no valor de R$ 2.020,00.

Desse modo, adotando uma compreensão mais favorável à candidata, considero irregular o valor de R$ 2.020,00, quantia efetivamente debitada da conta bancária destinada ao FEFC e lançada em nota fiscal, e não o valor de R$ 4.599,54 registrado pela prestadora no SPCE, cuja nota fiscal é inexistente e que não encontra reflexo nas contas bancárias de campanha.

 

II.2.3 - Das despesas realizadas em favor de JULIANO RONALDO BALDO (R$ 350,00, em 08.9.2022); LOJA DE CONVENIÊNCIA AUTO POSTO SÃO MIGUEL LTDA. (duas despesas de R$ 120,00, em 31.08.2022, e uma despesa de R$ 100,00, em 01.9.2022); SIM REDE POSTOS LTDA. (R$ 100,00, em 02.9.2022) e ABASTEC LAVAGENS E LUBRIFICAÇÃO (R$ 100,00, em 05.09.2022).

Em relação a esse conjunto de gastos, o órgão técnico anotou que “não foi apresentado documento fiscal/contrato comprovando a despesa” (ID 45490493, fl. 6).

Com efeito, os documentos comprobatórios dos gastos não estão acostados aos autos, bem como não foi possível obtê-los no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001605657/nfes), seja por inexistência de registros (JULIANO RONALDO BALDO e LOJA DE CONVENIÊNCIA AUTO POSTO SÃO MIGUEL LTDA.), seja por invalidade das chaves de acesso (SIM REDE POSTOS LTDA. e ABASTEC LAVAGENS E LUBRIFICAÇÃO).

Assim, citadas operações não estão comprovadas nos autos, nos termos estipulados pelo art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19, caracterizando-se a irregularidade.

Em relação a todos os subitens expostos, por envolverem falhas na comprovação de despesas com recursos do FEFC, impõe-se o recolhimento do valor de R$ 17.010,00 (R$ 13.500,00 + R$ 350,00 + R$ 2.020,00 + R$ 350,00 + R$ 250,00 + R$ 120,00 + R$ 120,00 + R$ 100,00 + R$ 100,00 + R$ 100,00) ao Tesouro Nacional, conforme preceitua o art. 79, § 1°, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

III - Subitem 4.1.3. do Parecer Conclusivo: Recursos do FEFC Não Utilizados

A unidade técnica identificou operação bancária de “saque eletrônico” na conta bancária de campanha, data de 07.10.2022, no valor de R$ 28,73.

Ora, dentre os meios de movimentação de recursos para a campanha previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, não se encontra o saque bancário, razão pela qual a operação é irregular.

Além disso, o referido valor foi declarado no SPCE como sendo recurso da conta FEFC não utilizado ao final da campanha. Nesse caso, a quantia deveria ter sido integral e diretamente recolhida ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União, e com comprovação nos autos, nos termos do art. 50, §§ 5º e 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19, o que não se observa na espécie.

Logo, o valor de R$ 28,73 advindo do FEFC foi manejado de forma irregular e deve ser recolhido ao Tesouro Nacional.

 

IV - Subitem 4.1.4. do Parecer Conclusivo

O parecer técnico indicou o recebimento pela candidata de recursos FEFC no valor de R$ 4.600,00, data de 14.9.2022, a partir de doação proveniente do candidato autodeclarado pardo “Claiton Cruz”.

A utilização de recursos destinados ao custeio das campanhas de pessoas negras transferidos ou doados a candidatos não negros impõe a comprovação do benefício comum de ambas as candidaturas, na forma do art. 17, §§ 6º a 9°, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 17. (...).

[...].

§ 6º A verba do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) destinada ao custeio das campanhas femininas e de pessoas negras deve ser aplicada exclusivamente nestas campanhas, sendo ilícito o seu emprego no financiamento de outras campanhas não contempladas nas cotas a que se destinam. (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

§ 7º O disposto no § 6º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino e de pessoas não negras; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas, desde que haja benefício para campanhas femininas e de pessoas negras. (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

§ 8º O emprego ilícito de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) nos termos dos §§ 6º e 7º deste artigo, inclusive na hipótese de desvio de finalidade, sujeitará os (as) responsáveis e beneficiárias ou beneficiários às sanções do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis.

§ 9º Na hipótese de repasse de recursos do FEFC em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidata ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução a pessoa recebedora, na medida dos recursos que houver utilizado.

 

No caso concreto, a prestadora não logrou comprovar o benefício eleitoral da utilização da verba em favor de candidaturas de pessoas negras, na forma exigida pela norma, caracterizando, assim, o desvio de finalidade no uso desse recurso e impondo o seu recolhimento ao Tesouro Nacional.

Quanto ao aspecto, a Procuradoria Regional Eleitoral manifesta que a “condenação de recolhimento ao Tesouro Nacional deve ser dar de forma solidária em relação ao candidato CLAITON GARCIA DA CRUZ”.

De fato, o art. 17, § 9º, da Resolução TSE n. 23.607/19 prevê a responsabilidade solidária pela devolução da verba entre o órgão partidário ou candidato que realizou o repasse irregular e o seu recebedor, na medida dos recursos que houver utilizado.

Assim, a solidariedade, nos presentes autos, se dá entre o candidato CLAITON GARCIA DA CRUZ, que repassou os recursos do FEFC para a candidata não negra, e a candidata MARNI TERESINHA SAGGIN, que recebeu e utilizou a verba sem a indicação de benefício para a campanha do candidato autodeclarado negro.

Nada obstante, o devedor solidário CLAITON não participou do presente processo, de modo que a sua condenação no dispositivo sentencial viola o princípio do contraditório e da ampla defesa, bem como encontra óbice no art. 506 do CPC, que impede a eficácia da coisa julgada em prejuízo daquele que não integrou a relação jurídico-processual.

Logo, a condenação do candidato doador pela integralidade da verba malversada deve advir em suas próprias contas, autuadas sob a PCE n. 0602287-24.2022.6.21.0000, da relatoria da eminente Desembargadora Eleitoral Patrícia da Silveira Oliveira, ainda pendente de julgamento.

Essa é a posição já acolhida por esta Corte Regional no que se refere ao custeio de candidaturas femininas, quando constatado o desvio ou a não comprovação do proveito eleitoral às candidatas mulheres, situação igualmente disciplinada pelo art. 17, §§ 6º e 7º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

O tema restou elucidado no voto-vista do ilustre Desembargador Eleitoral Gerson Fischmann, no julgamento da PC n. 0602683-40.2018.6.21.0000, na sessão de 18.12.2020, cabendo a transcrição do seguinte trecho (Grifei.):

Na fase do cumprimento de sentença, o candidato poderá alegar, por meio da impugnação, qualquer das hipóteses previstas no art. 525, § 1º, do CPC para eximir-se da obrigação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional. Dentre elas está o pagamento, desde que superveniente à sentença. Além disso, extingue-se a execução quando o executado obtiver, por qualquer outro meio, a extinção total da dívida, o que certamente inclui a satisfação da obrigação por outro devedor solidário demandado separadamente (inc. III do art. 924 do CPC).

 

Nessa linha, reconheço a irregularidade da utilização do montante de R$ 4.600,00, com a condenação de MARNI TERESINHA SAGGIN ao recolhimento da referida quantia ao Tesouro Nacional, na forma dos arts. 17, § 9º, e 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

V – Do Julgamento das Contas

Por fim, a quantia apurada como irregular na presente prestação de contas totaliza R$ 22.608,73 (R$ 340,00 + R$ 630,00 + R$ 17.010,00 + R$ 28,73 + R$ 4.600,00), que corresponde a 87,4% do total arrecadado (R$ 25.850,69), reclamando a desaprovação das contas em vista do comprometimento substancial da contabilidade, bem como o recolhimento das respectivas quantias ao Tesouro Nacional.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas de MARNI TERESINHA SAGGIN, na forma do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19 e pela determinação do recolhimento de R$ 22.608,73 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.