PCE - 0602858-92.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/08/2024 às 14:00

VOTO

JAIR RIZZO FERREIRA, candidato não eleito ao cargo de deputado federal, apresenta prestação de contas relativa às Eleições de 2022.

Após o parecer conclusivo da SAI, houve apresentação de documentos pelo candidato, que receberam novo parecer. Os apontamentos derradeiros indicaram irregularidades referentes a gastos realizados com verba do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, para os quais o extrato bancário não apresenta contraparte, no montante de R$ 18.524,00. O órgão ministerial acompanha a unidade contábil.

A questão central, na maioria dos casos postos ora sob exame, versa sobre a ausência de identificação do beneficiário do pagamento no extrato bancário reflexo da quitação dos gastos -  cheques não cruzados.

Destaco que a matéria percorreu um período de amadurecimento jurisprudencial, sendo que, no início, havia a aceitação do título sem cruzamento apenas quando, de modo inequívoco, fosse possível verificar o destino da verba utilizada para pagamento do gasto. Exemplificativamente, o REl 0600821-73.2020.6.21.0029, de relatoria da Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, julgado em 25.4.2023:

(…)

2. Pagamento de despesas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) sem a identificação do beneficiário. Matéria disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, embora os cheques não tenham sido originalmente cruzados, foram efetivamente depositados nas contas bancárias dos endossatários, alcançando o objetivo de conferir transparência à contabilidade com o registro de cruzamento dos títulos de crédito. Em situações como esta, este Tribunal Regional Eleitoral vem decidindo que, havendo o depósito da ordem de pagamento em conta bancária de terceiro em razão de endosso do título de crédito, deve se entender que a finalidade da norma foi atingida.
 

No ponto, o Tribunal Superior Eleitoral passou a manter a glosa naqueles casos em que haja a comprovação do gasto e da quitação ao fornecedor ou prestador de serviço por meio de cheque nominal não cruzado, ao fundamento central de desrespeito à formalidade prevista na legislação - afastada a determinação do recolhimento:
 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA. PREFEITO E VICE–PREFEITO. DESAPROVAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO ERÁRIO.SÍNTESE DO CASO

1. O Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão manteve, à unanimidade, a sentença que desaprovou as contas de campanha do agravante, referentes às Eleições de 2020, quando concorreu ao cargo de prefeito do Município de Carolina/MA, com a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99, bem como dos recursos recebidos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no montante de R$ 77.280,65.

2. Na decisão agravada, o agravo em recurso especial teve seguimento negado por não ter sido reconhecida a alegada violação aos dispositivos legais invocados, bem como pela incidência do óbice do verbete sumular 24 do Tribunal Superior Eleitoral, tendo sido interposto agravo regimental.ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL

3. Na espécie, subsistem as seguintes falhas glosadas pela Corte de origem e aptas à manutenção da desaprovação das contas, pelos fundamentos já alinhavados na decisão agravada:i) a não apresentação dos extratos, em sua forma definitiva, da conta aberta para movimentação de recursos do Fundo Partidário e daquela aberta para movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), além da ausência de extratos bancários referentes à conta bancária de Outros Recursos;ii) omissão de receitas e de gastos, haja vista que os recursos financeiros utilizados para pagamentos de bens e serviços, para os quais foram emitidas notas fiscais eletrônicas, não transitaram pela conta bancária de campanha;iii) irregularidade na aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), cujas despesas não foram comprovadas por documentos fiscais idôneos.

4. No que respeita ao pagamento a fornecedores de bens e serviços e de atividades de militância por meio de cheque nominal não cruzado, é certo que a Corte de origem assinala que foram anexados "notas fiscais, contratos de prestação de serviços, declarações e cópias de cheques", embora tenha entendido que o pagamento desses gastos por meio de cheque nominal não cruzado (ao invés de cruzado) seria suficiente para manutenção da falha.

5. A jurisprudência admite que – mantida a glosa em face da não observância da formalidade preconizada quanto à necessidade de emissão de cheque nominal cruzado para quitação de despesas – não é caso de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional se há a comprovação da própria regularidade do gasto. Nesse sentido: Recurso Especial 0602985–69, rel. Min. Og Fernandes, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 16.8.2021; Recurso Especial 0602104–92, rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 20.10.2021.

CONCLUSÃO

Agravo regimental provido em parte, a fim de prover o agravo em recurso especial eleitoral e, desde logo, prover em parte o recurso especial eleitoral, para, subsistente a desaprovação das contas do candidato a prefeito Erivelton Teixeira Neves, manter a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, somente dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99 (oito mil, duzentos e dezesseis reais e noventa e nove centavos) e, ainda, de R$ 6.001,00 (seis mil e um reais), decotado, portanto, o valor de R$ 71.279,65.
(AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060020346, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 47, Data: 22/03/2023)

E este Tribunal Regional alinhou-se ao entendimento da Corte Superior, em julgado de relatoria do Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. DOCUMENTAÇÃO QUE DISPENSA ANÁLISE TÉCNICA. PRECEDENTES DESTA CORTE. ADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA REGULAR UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. CHEQUES NOMINAIS E NÃO CRUZADOS. DÉBITOS BANCÁRIOS SEM IDENTIFICAÇÃO DO FORNECEDOR. OFERECIMENTO DE PROVA IDÔNEA E SEGURA ACERCA DO DESTINO DOS RECURSOS. ENDOSSO DOS TÍTULOS. FALHA SUPERADA PELA EMISSÃO NOMINAL E PELA APOSIÇÃO DE ASSINATURA DO BENEFICIÁRIO NO VERSO DO CHEQUE. ENDOSSO EM BRANCO. DESPESAS SEM DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA DOS DESTINATÁRIOS DOS RECURSOS. INFRINGÊNCIA À NORMA DE REGÊNCIA. RECOLHIMENTO DO VALOR CONSIDERADO IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. BAIXO PERCENTUAL DAS FALHAS. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022.

2. Apresentação de novos documentos comprobatórios. Este Tribunal tem mantido para o pleito de 2022 a jurisprudência quanto à possibilidade da apresentação intempestiva de documentos em processos de prestação de contas, mesmo após a emissão dos pareceres técnico e ministerial, desde que não acarrete prejuízo à tramitação e que, com a simples leitura, seja possível sanar a irregularidade. Documentação conhecida.

3. Aplicação irregular de recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. 3.1. Gastos cujos pagamentos ocorreram por meio de cheques nominais não cruzados e por débitos bancários sem identificação do fornecedor no extrato eletrônico. Apresentada prova idônea e segura acerca do destino dos recursos, por meio de declaração emitida pela gerência da unidade bancária de que os cheques foram efetivamente sacados pelos respectivos beneficiários. Logo, malgrado a ausência de depósito em conta bancária, o documento certifica que os recursos reverteram em prol dos contratados declarados, sem qualquer prejuízo à fiscalização da Justiça Eleitoral sobre o percurso da verba pública. Incabível a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, havendo mera falha formal por inobservância ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. 3.2. Falta de cruzamento de cheques nominativos a fornecedores, descontados mediante operação de “saque eletrônico”. Cártulas endossadas em branco pelos beneficiários, constando as respectivas assinaturas e números de CPF no verso. Falha superada pela sua emissão nominal e pela aposição da assinatura do beneficiário no verso dos títulos (endosso em branco). A legislação eleitoral, ao estabelecer as formas de quitação dos gastos eleitorais, não impõe a emissão de cheque não endossável ("não à ordem"), o qual pode ser licitamente transmitido a terceiros, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85. Embora afastado o dever de recolhimento de quantias ao Tesouro Nacional, subsiste a falha formal por descumprimento do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, relativamente aos gastos. No mesmo sentido, o cheque não cruzado e depositado na conta bancária do endossatário alcança o objetivo de conferir transparência e a rastreabilidade bancária da quantia. 3.3. Gastos com pessoal. Não localizados registros de pagamentos destinados aos fornecedores, mediante anotação de CPF/CNPJ ou nome. Tampouco o candidato juntou cópia das cártulas ou de documentos bancários para comprovar as operações de pagamento. Posicionamento deste Regional no sentido da necessidade da apresentação pelos candidatos não apenas de documentos fiscais ou outros legalmente admitidos para comprovar a regularidade dos gastos eleitorais custeados com recursos públicos, como preceitua o art. 53, inc. II, letra “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19, mas também prova de que o correlato pagamento se deu de acordo com o prescrito no art. 38 do mesmo estatuto regulamentar. Glosados os dispêndios sub examine, com o consequente comando de ressarcimento da quantia ao erário.

4. As irregularidades representaram 9,80% do montante arrecadado pelo candidato. Aplicados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

5. Aprovação com ressalvas. Determinado o recolhimento do valor considerado irregular ao Tesouro Nacional.
(Prestação De Contas Eleitorais 060215212/RS, Relator(a) Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Acórdão de 29/02/2024, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 40, data: 06/03/2024).

 

Ou seja, uma vez comprovada a contratação do gasto e demonstrada a quitação ao correspondente fornecedor ou prestador de serviço, há que se considerar regular a despesa, porém com a manutenção do apontado em face do não atendimento à determinação legal quanto à forma de quitação: cheque nominal cruzado.

Nesta linha de raciocínio, passo ao exame.

As despesas apontadas como irregulares compõem a tabela abaixo:

 

Observo que os 12 (doze) cheques emitidos para pagamento dos prestadores – cheques 005 e 0018, para Ângela, coordenadora da campanha, e os demais títulos para distribuidores de material –, cuja microfilmagem foi trazida aos autos, foram preenchidos de modo nominal aos contratados. Igualmente, os respectivos contratos integram o processo e observam os requisitos exigidos pela legislação de regência.

Oportuno mencionar, por relevante, que os títulos apresentam endosso, ainda que em branco, com exceção do cheque de n. 012, em valor de R$ 300,00, que será analisado adiante. Igualmente, os recibos foram apresentados.

Nessa senda, a parte das despesas que se mostra comprovada por meio de contrato de prestação de serviço à campanha, recibo e microfilmagem dos cheques endossados alcança a importância de R$ 11.524,00, de modo a admitir, na linha do entendimento precitado do e. TSE e desta Casa, que seja afastado o recolhimento de tal quantia. Nesses casos, entendo haver densidade probatória suficiente, de caráter documental, a suportar um juízo de segurança em relação ao caminho dos recursos públicos - FEFC - utilizados na campanha eleitoral, subsistindo a falha por descumprimento do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Como dito, a cártula de n. 012, emitida de modo nominal à Patrícia Romano da Costa Silva, deixou de receber endosso, restando, quanto a esta, não demonstrado de modo seguro o recebimento do pagamento realizado com verbas públicas ao credor.

Portanto, a quantia de R$ 300,00 é de recolhimento obrigatório ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Sigo.

O órgão técnico contábil incluiu, entre as despesas irregulares, o pagamento de dois títulos, valores de R$ 3.000,00 e R$ 4.000,00. A respeito, o prestador afirmou “referem-se à despesa de impulsionamento de conteúdo pago a Meta Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., conforme notas fiscais ID 51120675 (anexa). Tal valor foi pago integralmente (R$ 7.000,00). Todavia, a empresa ofertou um desconto, no valor de R$ 356,46, que retornou como crédito em serviço para o candidato, e por este motivo lançaram uma nota no valor de R$ 6.643,54”.

Com efeito, está disponível o link que acessa a referida nota fiscal no sistema DivulgaCand (https://nfe.prefeitura.sp.gov.br/contribuinte/notaprint.aspx?ccm=42427630&nf=51120675&cod=KMD6GELE).

Esta Corte tem se deparado frequentemente com a matéria em outros feitos, e a disparidade entre os boletos efetivamente pagos e as notas fiscais emitidas pela empresa Facebook, via de regra, é resultante da compra de créditos de forma antecipada e de sua parcial utilização, de modo que não cabe falar em recolhimento de R$ 7.000,00, pois deste valor R$ 6.643,54 resta comprovado por meio do documento fiscal, que se sabe, somente é emitido pela Empresa Facebook após o pagamento relativo aos créditos a serem utilizados.

Dessarte,  há a diferença (“crédito”) de R$ 356,46 (trezentos e cinquenta e seis reais e quarenta e seis centavos) entre o valor pago pelo candidato com recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (R$ 7.000,00) e o valor cobrado por serviços efetivamente prestados pela empresa contratada (R$ 6.643,54), a qual, ainda que descrita como “desconto” pelo candidato, deve ser considerada “sobras de campanha” e recolhida ao Tesouro Nacional, a teor do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

 

Art. 35.

(…)

§ 2º Os gastos de impulsionamento a que se refere o inciso XII deste artigo são aqueles efetivamente prestados, devendo eventuais créditos contratados e não utilizados até o final da campanha serem transferidos como sobras de campanha:

I - ao Tesouro Nacional, na hipótese de pagamento com recursos do FEFC; e

 

A título de desfecho, destaco que a soma das irregularidades, R$ 11.880,46 (R$ 11.524,00 + R$ 356,46), equivale a apenas 4,75% do total de receitas declaradas (R$ 250.000,00), admitindo um juízo de aprovação com ressalvas mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Diante do exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de JAIR RIZZO FERREIRA e determino o recolhimento de R$ 656,46, em razão de gasto não comprovado com verbas do FEFC, nos termos da fundamentação.