REl - 0600008-96.2024.6.21.0161 - Divirjo em Parte com o(a) Relator(a) - Sessão: 01/08/2024 às 14:00

VOTO-VISTA

DES. FRANCISCO THOMAZ TELLES

Excelentíssimo Presidente, pedi vista dos autos para melhor me posicionar quanto às questões fáticas e jurídicas suscitadas no presente recurso, especialmente em razão da sensibilidade da matéria e do voto meticuloso apresentado pelo ilustre Relator.

Antecipo que me filio ao bem-lançado voto condutor no sentido do afastamento da preliminar de inovação recursal, suscitada em memoriais escritos, bem como no acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) de Porto Alegre e do reconhecimento da ilegitimidade passiva do "Movimento Coletivo".

Quanto ao mérito, também me alio ao diligente voto do ilustre Relator para julgar improcedente a representação em relação aos representados Manuela Pinto Vieira D'ávila e União da Juventude Socialista - UJS;

A divergência repousa unicamente sobre o julgamento de parcial procedência da representação relativamente ao recorrido Giovani Culau Oliveira, ponto que a meu ver restou controvertido por demandar a análise de realização de propaganda eleitoral antecipada negativa, ou de conteúdo de mera crítica política e sem finalidade eleitoral, no conteúdo das publicidades impugnadas pela agremiação representante.

Iniciando a análise do tópico, entendo que a primeira questão a ser considerada é o fato de que o sistema eleitoral brasileiro rejeitou qualquer possibilidade de existência de uma "candidatura nata", assim como de existência de candidatura avulsa. O legislador constituinte estipulou, nas condições de elegibilidade, que apenas postulantes previamente filiados a algum partido político e que sejam escolhidos em convenção partidária podem participar das eleições.

Partindo desse ponto, pode-se definir como pré-candidato a pessoa que manifesta a pretensão de disputar indicação em convenção partidária para disputar uma eleição.

No caso em tela, penso que uma situação futura ("ser pré-candidato") não pode ser levada em conta a partir de situação pretérita ("ser prefeito, com possibilidade de concorrer à reeleição").

Sabe-se que, após o advento da reeleição, todo e qualquer prefeito, governador ou presidente da República que se encontre em primeiro mandato passou a ser um eventual e, por que não dizer, provável, candidato a manter-se no poder. O capital político que possui, aliás, o torna inegavelmente um candidato privilegiado frente aos demais, que precisam valer-se, tanto quanto de suas próprias realizações pessoais, do poder do seu discurso oposicionista.

Ao mesmo tempo em que a exposição pública do exercício de um mandato eletivo propicia ao seu titular o acesso constante ao seu capital político, também abre espaço para a intensificação da crítica de cunho igualmente político. A democracia sujeita os políticos eleitos pelo povo à constante análise e julgamento de suas ações.

Essa é, inclusive, a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF), no sentido de que, "ao decidir-se pela militância política, o homem público aceita a inevitável ampliação do que a doutrina italiana costuma chamar de zona di iluminabilitá, resignando-se a uma maior exposição de sua vida e de sua personalidade aos comentários e à valoração do público, em particular, dos seus adversários" (HC 78.426, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, DJ de 7/51999). No mesmo sentido: Inq. 3.546, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe de 1º/10/2015. (Grifei.)

E para evitar a ocorrência de censura a manifestações críticas a ideologias ou às gestões administrativas, personificadas na figura dos mandatários, dispõe o TSE que tais atos não constituem, em si mesmos, propaganda eleitoral negativa, incluindo-se no permissivo legal do art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19, segundo o qual "a livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos (...)".

É preciso considerar que, durante o exercício do mandato, os detentores de cargo eletivo, especialmente os ocupantes de cadeiras junto ao Poder Executivo - mais expostos ao público devido à cobertura midiática da própria imprensa - não estão protegidos por uma blindagem que impeça a população de tecer críticas à sua atuação como gestores públicos, sob o argumento de que todo o julgamento de desaprovação de suas ações deva ser tomado de cunho eleitoreiro e passível de multa.

Estabelecidas essas premissas, atento-me ao uso das expressões contidas no anúncio publicitário objeto da representação, publicadas no início de abril de 2024: "Tire o Melo", "é possível vencer o representante do atraso", "agora é hora de derrotarmos Melo, representante do que sobrou do Bolsonarismo", "Agora, chegou a hora de varrermos o que sobrou do Bolsonarismo em Porto Alegre" e "Em 2024, vamos ser ainda mais fortes, formando uma tropa nas ruas e nas urnas, pra bater de frente com o Melo e o bolsonarismo".

Pedindo redobradas vênias ao entendimento diverso, após muito refletir sobre o tema verifico que tais expressões foram utilizadas em mero contexto de peça publicitária de chamamento de jovens para o alistamento eleitoral, incapazes de atrair a aplicação de multa por divulgação de propaganda eleitoral extemporânea negativa.

Vejo se tratar de uma crítica à figura de Melo como Prefeito de Porto Alegre, e não como candidato à reeleição, não tendo havido nas peças dizeres colocando em xeque suas qualidades ou aptidões pessoais.

O material foi voltado para o público jovem e adolescente, e utilizou-se de linguagem simples, nada obstante apelativa, o que é natural nos dias de hoje, onde "Melo" representa não apenas a cadeira do prefeito, mas toda a "Administração Melo", nela incluídos o vice-prefeito, o secretariado e a base de apoio no Legislativo, que seriam, nas palavras veiculadas, representantes do "Bolsonarismo".

O que ocorreu, no caso em análise, foi uma crítica de cunho eminentemente ideológico, programático, baseada na polarização política nacional, que não permite concluir com segurança mirar a eventual condição de pré-candidato do gestor municipal, senão que em todos os cargos e funções que envolvem a chamada máquina pública.

Com a devida vênia ao pensamento em sentido contrário, tenho que inexiste caráter eleitoral na comunicação por falta de menção direta ao cargo em disputa ou ao próprio pleito eleitoral vindouro, e os três parâmetros alternativos exigidos pela jurisprudência para a caracterização da propaganda eleitoral extemporânea negativa igualmente não estão presentes, a saber: (i) a presença de pedido explícito de voto (ou do chamado "não voto", para o caso); (ii) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda; ou (iii) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos (precedente TSE - AI: 060009124 MACAPÁ - AP, Relator: Min. Luís Roberto Barroso, Data de Julgamento: 17/10/2019, Data de Publicação: 05/02/2020).

As expressões "derrotar o Bolsonarismo", "varrer o que sobrou do Bolsonarismo", "formar uma tropa nas ruas e nas urnas" não remetem a um único cargo ou a uma única eleição, sobretudo considerando tratar-se de uma campanha para tirar o título eleitoral que, uma vez aderida pelo público-alvo, não se restringirá ao próximo pleito, estendendo-se obrigatoriamente até os 70 anos de idade dos jovens de hoje.

Reforçando a inexistência de menção ao cargo em disputa, ou a eleição vindoura, basta ver que quando proferidas as expressões "tire Melo", "é possível derrotar", "vamos varrer", "formar uma tropa" sequer o atual prefeito de Porto Alegre havia confirmado publicamente sua intenção em reeleger-se.

Para ser mais preciso, verifiquei, conforme informações públicas, que em 15.4.2024 é que fora realizado evento amplamente noticiado de pré-lançamento da candidatura de Sebastião Melo à reeleição, sendo esse ato posterior às postagens que continham as expressões antes citadas (https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2024/04/melo-confirma-que-sera-candidato-a-reeleicao-em-porto-alegre-clv16jyav002101cq85ccwg1j.html e Eleições 2024: Sebastião Melo prega campanha "da paz" e desconversa sobre 2026 ao lançar pré-candidatura (correiodopovo.com.br, acessos em 31.7.2024).

A meu sentir, não há como impedir que sejam tecidas críticas ao prefeito ou falar em campanha antecipada contra mandatário que sequer havia manifestado publicamente, até aquele momento, a intenção de concorrer. Trata-se, na verdade, de uma contundente e ácida crítica ao "Governo Melo", esse sim em pleno exercício, estando tais manifestações albergadas pela liberdade de expressão e livre manifestação do pensamento, por traduzirem o posicionamento pessoal do parlamentar ora representado.

Não vejo como interpretar que houve conteúdo eminentemente eleitoral e pedido explícito de não voto ao Prefeito de Porto Alegre que, frise-se, ainda não desfrutava da condição de pré-candidato a justificar a incidência da vedação legal.

Acredito que o sancionamento não deve ser imposto sob pena do indevido esvaziamento da crítica política e da censura à liberdade de expressão, o que atentaria contra a paridade de armas entre os envolvidos num pleito eleitoral, conferindo a qualquer detentor de um primeiro mandato a privilegiada condição de "incriticável" pelas suas posições políticas até pelo menos as vésperas das eleições subsequentes.

Em verdade, percebo que a intenção da peça publicitária foi claramente de ressoar suas críticas à atual Administração municipal e ao campo político por ela representado, assim como feito por políticos opositores do atual presidente da República mediante as expressões "Fora Lula", "Fora PT", ou contra o atual governador do Estado, através da expressão "Fora Leite", as quais, a meu sentir, não denotam propaganda eleitoral negativa antecipada.

Não julgo possível concluir, da leitura contextualizada do material impugnado, haver a menção direta a um único candidato ou cargo sobre o qual se estaria promovendo efetiva campanha eleitoral negativa. Ao contrário, o que está caracterizada é uma crítica genérica contra o espectro político que atualmente administra Porto Alegre - que ultrapassa, inclusive, a figura de Sebastião Melo, utilizando-se do debate e da polarização da política nacional como mola propulsora para fazer um chamamento à juventude a alistar-se perante a Justiça Eleitoral.

O chamamento de jovens para se alistarem e apoiarem essa corrente de pensamento não é vedado. Neste sentido, a Resolução n. 23.610/19, do TSE, que versa sobre a questão da propaganda eleitoral antecipada, é expressa ao autorizar o pedido de apoio político no período pré-eleitoral, bem como salvaguardar as posições pessoais como excluídas das hipóteses de propaganda extemporânea negativa. Diz o art. 3º da citada Resolução:

Art. 3º Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais das pré-candidatas e dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet (Lei nº 9.504/1997, art. 36-A, caput, I a VII e §§):

(...)

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive em shows, apresentações e performances artísticas, redes sociais, blogs, sítios eletrônicos pessoais e aplicativos (apps); (Redação dada pela Resolução nº 23.732/2024)

(...)

§ 2º Nas hipóteses dos incisos I a VII do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver, observado o disposto no § 4º deste artigo (Lei nº 9.504/1997, art. 36-A, § 2º).

Apoio a posicionamentos políticos, em sentido amplo, envolve, inclusive, a manifestação de oposição ao governo, de forma que a liberdade de expressão no campo político se mostra um instrumento poderoso de legitimação da democracia, permitindo que os interesses e as opiniões dos cidadãos sejam considerados na atuação e escolha de seus representantes.

Vale lembrar, no mesmo sentido, a doutrina de José Jairo Gomes, já trazida por ocasião de julgado relatado pelo Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, quando do julgamento do Recurso Eleitoral 0600257-52.2020.6.21.0043, neste Colegiado:

Depois de lembrar que o direito eleitoral constitui um importante campo de incidência da liberdade de expressão, Aline Osório (2017, p. 129) assinala que

"Durante períodos eleitorais, a importância da liberdade de expressão é amplificada. Partidos e candidatos devem prestar contas de suas ações passadas e expor suas opiniões, propostas e programas futuros. Os meios de comunicação devem funcionar como canais de disseminação de informações, críticas e pontos de vista variados. Os cidadãos precisam de plena liberdade não só para acessarem tais informações, mas para manifestarem livremente as suas próprias ideias, críticas e pontos de vista na arena pública. Nesse processo, é necessário que todas as questões de interesse público - incluindo, é claro, a capacidade e a idoneidade dos candidatos e a qualidade de suas propostas - sejam abertas e intensamente discutidas e questionadas. A efetividade das eleições como mecanismo de seleção de representantes e o próprio funcionamento do regime democrático dependem de um ambiente que permita e favoreça a livre manifestação e circulação de ideias. [...]. Em regimes representativos, o voto e a liberdade de expressão configuram dois importantes instrumentos de legitimação da democracia, permitindo que os interesses e as opiniões dos cidadãos sejam considerados na formação do governo e na atuação dos representantes.

[...]".

Por outro lado - no âmbito do direito de informação -, os cidadãos têm direito a receber toda e qualquer informação, positiva ou negativa, acerca de fatos e circunstâncias envolvendo os candidatos e partidos políticos que disputam o pleito; sobretudo acerca de suas histórias, ideias, programas e projetos que defendem. Só assim estarão em condições de formar juízo seguro a respeito deles e definir seus votos de forma consciente e responsável.

É, pois, fundamental que todo cidadão seja informado acerca da vida política do país, dos governantes e dos negócios públicos. (Direito Eleitoral, 16. ed. - São Paulo: Atlas, 2020, edição eletrônica) (Grifei.)

Devido à evolução legislativa e jurisprudencial estarem cada vez mais primadas na salvaguarda das garantias constitucionais afetas à livre manifestação do pensamento, é preciso ponderar a intervenção do Poder Judiciário Eleitoral no debate político travado na esfera pública.

Tendo presente o livre mercado de ideias políticas (free marketing of ideas), pondero que a intervenção deva sempre se dar de forma excepcional e necessariamente pontual, apenas se legitimando naquelas hipóteses de desequilíbrio ou de excesso, capazes de vulnerar princípios fundamentais outros, igualmente essenciais ao processo eleitoral, tais como a higidez e a integridade do ambiente informativo, o livre exercício do voto, a proteção da dignidade e da honra individuais, bem como a paridade de armas entre os candidatos. Essa é a posição do Tribunal Superior Eleitoral, da qual destaco:

(...) a livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas visam a fortalecer o Estado Democrático de Direito e à democratização do debate no ambiente eleitoral, de modo que a intervenção desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve ser mínima em preponderância ao direito à liberdade de expressão. Ou seja, a sua atuação deve coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto. (AgR-REspe 0600396-74, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 21/3/2022).

Sem o estabelecimento de um espaço público de comunicação política, a verdade sobre os candidatos e partidos políticos pode não vir à luz; prejudicam-se o diálogo e a discussão públicos, refreiam-se as críticas e os pensamentos divergentes, tolhem-se as manifestações de inconformismo e insatisfação com o status quo, apagam-se, enfim, as vozes dos grupos minoritários e dissonantes do pensamento majoritário.

Essa estreita interdependência entre a liberdade de expressão e o livre exercício dos direitos políticos, também é salientada por JONATAS E. M. MACHADO, ao afirmar que:

(...) o exercício periódico do direito de sufrágio supõe a existência de uma opinião pública autônoma, ao mesmo tempo que constitui um forte incentivo no sentido de que o poder político atenda às preocupações, pretensões e reclamações formuladas pelos cidadãos. Nesse sentido, o exercício do direito de oposição democrática, que inescapavelmente pressupõe a liberdade de expressão, constitui um instrumento eficaz de crítica e de responsabilização política das instituições governativas junto da opinião pública e de reformulação das políticas públicas... O princípio democrático tem como corolário a formação da vontade política de baixo para cima, e não ao contrário" (Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Editora Coimbra: 2002, p. 80/81). (Grifei.)

Em conclusão, considero que o uso das expressões veiculadas deva ser admitido como natural da democracia, sendo plenamente aceitável que se use do discurso para defender ideias como a descontinuidade de um governo com o qual não se concorda, sob pena de, ao cercear tal possibilidade, classificando-a como propaganda eleitoral antecipada negativa, haver manifesta ofensa à liberdade de expressão, razão pela qual estou por respeitosamente acompanhar o Relator quanto à matéria preliminar e divergir em parte relativamente ao mérito para integralmente negar provimento ao recurso.

É como voto, senhor Presidente.